Por João Victor Rodrigues/Superávit Caseiro

Nos últimos dias ganhou força a discussão sobre a criação de uma moeda única para os países latino-americanos, inclusive, entrando na pauta da agenda tanto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quanto do ministro da economia do governo Bolsonaro (PL), Paulo Guedes. A ideia seria a criação de uma moeda única, apelidada de SUR, que permitisse aos países latino-americanos uma colisão de taxas de juros, trazendo pressão inflacionaria.

Na prática os países abririam mão de suas moedas, como o Real, o Peso ou o Bolívar, dando lugar para uma mesma moeda oficial como meio de pagamento para transações comerciais dentro e fora de suas fronteiras. A proposta claramente tem como exemplo o modelo adotado pelos países europeus que integram a União Europeia, porém vale aqui ressaltar que os dois blocos continentais possuem inúmeras diferenças institucionais, históricas e políticas. As primeiras conversas a favor de uma união econômica na Europa surgiram em 1950. Mais de 70 anos se passaram e a região ainda convive com um projeto deficiente na união computa do setor fiscal e bancário.

Um bom exemplo é o tão popular Brexit, que teve origem no contexto da crise migratória na Europa, onde britânicos enfrentaram uma longa disputa política em busca de uma soberania política, controle migratório e comércio com os países-membros do bloco. Este movimento resultou no fortalecimento dos partidos eurocéticos em diversos países como Itália, Grécia, Espanha, França.

Voltando para o continente latino-americano, especialistas afirmam ser quase impossível que a proposta defendida tanto pelo ex-presidente Lula (PT), quanto pelo ministro da economia, Paulo Guedes, saia do papel, pelo menos por enquanto. O economista da Eleven Financial Thomaz Sarquis, em entrevista concedida à reportagem da CNN Business, afirmou que não existe sentido em criar uma política monetária única nem para o Mercosul e nem para a América Latina.

“O grande problema é a falta de autonomia monetária. Quando o Banco Central Europeu sobe os juros, por exemplo, a alta vale para toda a moeda Euro. No nosso caso, em uma política como esta, o Brasil estaria dependente da situação fiscal da Argentina para definir o aumento dos juros, visto que o risco seria percebido como sendo do bloco”, avaliou o economista ao site.  

Ainda segundo Thomaz Sarquis, a diferença entre as economias deve ser o maior empecilho para a viabilização da proposta, já que mesmo que a política fiscal brasileira não seja um grande exemplo para outros países, a nossa moeda ainda é mais estável do que a da Argentina, por exemplo.

Além da disparidade entre os países da América Latina, o bloco econômico do Mercosul não evoluiu no mesmo nível em que o bloco europeu se encontra hoje, tendo uma integridade e proximidade econômica entre seus integrantes.

 O professor de economia da FEA-USP Simão Silber, cita na mesma reportagem da CNN Business que para chegar a uma moeda única seria necessário a criação de uma política de livre de comércio e um imposto comum em todos os países. Para ele, o estabelecimento da moeda comum representa a etapa final de um processo de integração econômica ainda inicial na região, com volume de comércio interno bem menor que o da zona do Euro.

Como Funcionaria a Moeda Única

Quando falamos em moeda única pensamos no Euro, que está em vigor desde 1° de janeiro de 1999, tendo a função de moeda oficial de 19 países europeus integrantes da União Europeia. Porém, nem todos os membros aderiram ao Euro como a Dinamarca e o Reino Unido. Para ingressar no bloco, os países interessados devem atingir algumas condições econômicas, como é o caso da Croácia e Bulgária que ainda não puderam aderir ao uso da moeda.

A emissão do Euro é controlada pelo Banco Central Europeu (BCE), também responsável pela política monetária de todos os integrantes do bloco. Segundo o próprio BCE, a moeda única torna mais fácil o “trabalhar, negociar, estudar, viajar e viver no estrangeiro” e otimiza a integração econômica entre os países do continente. Afirmam ainda que a unificação “facilita as trocas comerciais entre empresas de países diferentes, melhora o desempenho econômico e possibilita uma maior escolha e mais oportunidades aos consumidores”.

Por outro lado, os países vivem sobre a exigência de cumprir objetivos comuns – estabilidade, crescimento e emprego – de modo que os efeitos da política monetária sejam o mais semelhante possível para todos os membros. A função de atingir essas metas são de responsabilidade do governo de cada país, que ficam sujeitos a sanções econômicas.

É possível citar outros exemplos de moeda comum em circulação pelo mundo, como dólar do Caribe Oriental (8 países), o franco CFA da África Ocidental (8 países) e o franco CFA da África Central (6 países). Ambos foram criados para substituir moedas utilizadas no período de colonização.

A discussão sobre a implantação de uma moeda única não é novidade. Em 2008, o então presidente Lula, falou sobre o assunto pensando apenas no continente sul-americano. “Nós trabalhamos aqui na América do Sul com a possibilidade que as novas gerações, já não acredito mais para meu governo, possam criar uma moeda única, possam criar um banco central”, afirmou à época.

Em 2019 foi a vez do presidente Jair Bolsonaro trazer de volta o tema. Na época o presidente afirmou que o ministro Paulo Guedes teria dado “um primeiro passo para um sonho de uma moeda única na região do Mercosul”, que seria denominado de Peso Real. No entanto, o tema não avançou

Mesmo sendo utilizado nos últimos dias como discurso político, tanto pelo ex-presidente Lula quanto pelo ministro Paulo Guedes (em nome do presidente Bolsonaro), nenhum dos dois pré-candidatos divulgaram detalhes sobre estudos ou possíveis projetos detalhando as vantagens e desvantagens da proposta para o Brasil e para o bloco econômico do Mercosul ou para a própria América Latina.