Por Isabel Araújo da Silva/Estudante de Jornalismo da UFPEL

Por um momento eu parei para admirar a habilidade daquela jovem e tive a impressão de que ela poderia carregar o mundo em si. Era incrível como ela segurava todos aqueles elementos em suas mãos, expondo com destreza toda a arte do malabarismo. Mas a jovem não era a única naquele ambiente: junto dela existiam tantos outros malabaristas de ocasião que eu parei para ver se eu também não era mais um.

Seja como for, fui despertada daquelas reflexões com um movimento (nada) gentil de um carrinho batendo nos meus calcanhares, era a hora de seguir em frente, pois atrás vinha gente. E ai de quem não abrisse caminho, afinal, era o dia D, como anunciava o estabelecimento: o gerente havia enlouquecido e colocado os preços dos alimentos lá embaixo. Não tão abaixo, mas numa posição vantajosa aos bolsos mais inferiores ainda, então era preciso ser rápido e garantir sua parte naquele evento.

A maior disputa era na seção dos ovos, e a competição era tanta que havia uma fila só para ele, o que não impedia que de vez em quando surgissem faíscas entre os clientes que aguardavam a reposição pacientemente, e aqueles que pegavam o trem andando e queriam sentar na janelinha. E essa peleia pelos ovos era compreensível, pois no momento era a proteína animal mais acessível à população, e o tal dia D aliviou o constante aumento que há algumas semanas os ovos também vinham sofrendo.

De forma geral, o setor de alimentos foi um dos mais afetados pela crescente dos preços nos últimos anos: o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de março, por exemplo, registrou alta de 2,42% na categoria de produtos alimentícios e bebidas. Esses aumentos, aliados aos recentes desmantelamentos de políticas públicas referentes à alimentação, nos trouxeram ao cenário caótico de mais de 19 milhões de pessoas passando fome no Brasil. Ao mesmo tempo, o setor do agronegócio vem registrando constante crescimento nos últimos anos, um paradoxo que nos leva à reflexão da hipocrisia do nosso sistema alimentar.

É de se entender, portanto, o cenário caótico formado no mercado em torno dos preços baixos, entretanto, nesse contexto onde todo mundo é meio malabarista, não há destreza ou dia D que dê conta de sustentar essa situação. A essa altura, só me vem à mente a cena da senhora agonizando no corredor do mercado numa tentativa árdua de se locomover com seu carrinho em meio a inúmeros outros, igualmente agonizados. Uma cena simbólica que representa o contexto angustiante no qual estamos aprisionados. Dado esse cenário, não há pão, muito menos circo, que dê conta de nos distrair dessa realidade, mesmo se quiséssemos.