Roquette Pinto e a Produção de vídeo Estudantil

Vania Dalpont
Mestranda em Educação Matemática /UFPel

Resumo
Roquette Pinto foi um pesquisador brasileiro do século passado que em 1910 pensava como utilizar a tecnologia no dia a dia da escola. O artigo pretende compreender como essas ações passaram por resistência de outros teóricos quase impedindo a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo. A pesquisa qualitativa com abordagem bibliográfica aponta que muitas ações de Roquette Pinto são utilizadas hoje em uma dimensão ampliada.

Introdução
Falar de produção de vídeo estudantil é algo comum dentro de algumas escolas brasileiras onde os smartphones contribui com a possibilidade do aluno produzir vídeo. Essa ação que tem início fora do espaço escolar já adentra o espaço escolar de diversas formas. Uma ação que vem crescendo dentro dos últimos 10 anos e segundo Pereira (2014) possibilita que alunos e professores produzam vídeo no espaço escolar. Vários preconceitos ainda existem dentro do fazer vídeo, como apresentado por Pereira (2012), porém essa ação é discutida desde o século passado pela Escola Nova.
A Escola Nova tem início com Rui Barbosa em 1882 influenciado por John Dewey, filosofo americano que defendia que a escola deveria mudar o foco do aprendizado não deveria preparar para a vida, mas sim, a própria vida. O foco não é apenas o conteúdo, mas, o que ensinar e para quem ensinar. O movimento da Escola Nova ganha impulso em 1932 com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932 dentre os manifestantes destacamos Cecilia Meirelles, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Jonathas Serrano e Roquette Pinto. Acreditavam que a Escola Nova ajudaria na modernização, e democratização da sociedade. Segundo Lourenço (1950) A escola que Dewey dirigia as classes deixavam de ser locais onde os alunos estivessem sempre em silêncio, ou sem qualquer comunicação entre si, para se tornarem pequenas sociedades, que imprimissem nos alunos atitudes favoráveis ao trabalho em comunidade. Não entraremos aqui no debate sobre as ações da Escola Nova e claro os seus opositores.
Queremos destacar a relação entre o uso do cinema na sala de aula na visão de dois grane educadores.
Desde a década de 1930, o cinema e a educação mantinham um namoro a distância. As revistas de cinema apoiavam e divulgavam essa relação como a revista Cinearte Cinema e Educação. Porém era salientado o aspecto negativo dos filmes, e os professores deveriam tomar cuidado com o que era exibido. Conforme salienta Almeida sobre o cinema o
Educador não pode desprezá-lo: deve introduzi-lo na escola, modificando processo e métodos de educação; e deve introduzir a educação no cinema, para orientá-lo e desviá-lo dos desacertados atalhos a que o levam os interesses mercantis do capitalismo mundial. (ALMEIDA, 1931, p.146)

Canuto Mendes de Almeida (1931) explica que os filmes clássicos também poderiam ter ações nocivas à regularidade das ações morais. Na mesma época vários professores começam a debater a relação entre Cinema e Educação. Além de Almeida, destaco o professor Lourenço Filho , que nessa época, alertava para o fato de que o cinema também poderia ser usado de forma negativa na formação moral da sociedade, exibindo imagens e ações contra os costumes vigentes. O autor acreditava que o professor deveria selecionar com cuidado os filmes que os alunos poderiam assistir. Professores influenciados por esses pesquisadores criaram um movimento de censura indireta aos filmes da época. Levantaram a bandeira em prol do “bom” cinema.
Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho, em 1931, publicam o livro “Cinema e Educação”, explicando para os professores como deveriam utilizar o cinema dentro de um contexto educacional. O livro apresenta algumas das características morais que o filme educativo deveria conter, dentre elas, o conteúdo a ser usado na construção moral do aluno.
Serrano era um homem muito religioso, participou da criação da Revista Social, direcionada aos jovens católicos do Brasil. O autor achava que o cinema deveria divulgar boas ações para serem copiadas pelos jovens. Com essa ideia, Joaquim Canuto Almeida também demonstrava a preocupação com o cinema.

A preocupação com os efeitos dos meios de comunicação e seus produtos culturais para a formação de crianças e jovens é uma das marcas da trajetória profissional e intelectual de Serrano. Ao propor a organização de uma biblioteca para a mocidade e a publicação de uma revista com o mesmo fim, busca contribuir para selecionar e direcionar a literatura de ficção e não ficção a que estes jovens católicos do Brasil teriam (ALMEIDA, 1931, p. 50).

Serrano defendia o filme de emoção sadia, não piegas, nem ridículo, mas humano e patriótico. “Propugnemos o filme brasileiro, sem exagerações, documental, de observação exata, serena, sem legendas pedantes, sem namoros risíveis nem cenas de mundo equívoco em ambientes indesejáveis” (SERRANO, 1931, p.184). Serrano se preocupava com o que os alunos iriam entender da moral dos filmes. Pelo seu lado religioso, acredito que ele dava ênfase às histórias que contribuam para formar um ser humano melhor.
Para Serrano, as pessoas deveriam ter uma relação com o filme marcada pelo raciocínio frio e abstrato e não mais pelo sentimento. Um público que, entendido como um todo homogêneo, não seria capaz de agir racionalmente diante da influência negativa do cinema.
Os livros “Cinema contra Cinema”, de Joaquim Canudo Almeida (1931), e “Cinema e Educação”, de Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho (1931), são as primeiras tentativas, no Brasil, de organizar o uso do filme dentro do espaço escolar. Segundo Alvarenga essas ações levaram o governo federal a criar um decreto em prol do cinema e educação. O decreto 21.240, de 1932 que prevê a criação de uma Taxa Cinematográfica para Educação Popular, bem como a criação de um órgão especial ligado ao Ministério da Educação e Saúde Pública.
A década de 1930 com o surgimento do novo governo revolucionário de Getúlio Dorneles Vargas cria outros debates dentre eles sobre a educação uma disputa entre a igreja católica que era contra a laicização do ensino o que fazia a igreja ser contra o movimento da Escola Nova que era um grupo de professores e pesquisadores que desejavam modificar o modo como a educação brasileira está sendo conduzida, e uma delas tirar a visão religiosa que as escolas da época apresentavam. O cinema fica no alvo do governo e de professores pois contribui na forma que o cidadão, no caso aluno, passa a ver a sociedade.
Esse debate se estende para a criação de um convênio que debatesse essa relação entre cinema e educação, sendo assim no dia 3 de janeiro de 1933, o Convênio Cinematográfico Educativo foi aberto com um discurso de Roquete Pinto, defendendo o uso do Cinema no processo educacional. Roquette-Pinto apresenta propostas do Cinema Educativo para contribuir com a sociedade.
Não é raro encontrar, mesmo no conceito de pessoas esclarecidas, certa confusão entre o cinema educativo e o cinema instrutivo. É certo que os dois andam sempre juntos e muitas vezes é difícil ou impossível dizer onde acaba um e começa o outro, distinção que aliás não tem de fato grande importância na maioria das vezes. No entanto é curioso notar que o chamado cinema educativo, em geral não passa de simples cinema de instrução. Porque o verdadeiro educativo é outro, grande cinema de espetáculo, o cinema da vida integral. Educação é, principalmente ginástica do sentimento, aquisição de hábitos e costumes de moralidade, de higiene, de sociabilidade, de trabalho e até de vadiação…Tem que resultar do atrito diário da personalidade com a família e com o povo. A instrução dirige-se principalmente à inteligência. O indivíduo pode instruir-se sozinho, mas não se pode educar senão em sociedade. (Alvarenga, 2012)
Debates como esse sobre o que é o cinema e como usá-lo no espaço escolar contribuíram para que, no dia 3 de janeiro de 1933, o Convênio Cinematográfico Educativo fosse aberto com um discurso de Roquette-Pinto, defendendo o uso do cinema no processo educacional.
Esses movimentos e encontros levam Roquette-Pinto a pensar na criação de um órgão que ajudasse a desenvolver o Cinema com o viés educativo e que, principalmente, exibisse imagens de diversas regiões do Brasil para as escolas do país. Assim, tem início a criação do Instituto Nacional Cinema e Educativo (INCE), em 1936, tendo como diretor Roquette-Pinto. A função do INCE era documentar as atividades científicas e culturais realizadas no país, para difundi-las, principalmente, na rede escolar.
No início do século XX, existia a influência da sociologia a estabelecer que a sociedade era o corpo humano, e o sangue eram os trabalhadores que deveriam ser ajudados para ter uma orientação e cumprir suas ações para o coletivo. Roquette-Pinto absorve essas teorias e apresenta os meios de comunicação como uma forma de plasma que orienta e une a sociedade em certo objetivo: “Mostrar o Brasil para os brasileiros”. Porém os grupos sociais estavam insatisfeitos, pois o INCE realizava vídeos sobre cultura e não debatia as mudanças sociais que estavam acontecendo no pais. Na década de 1960, os movimentos sociais ajudam a criar o Instituto Nacional de Cinema (INC), e jovens cineastas iniciam um movimento de mostrar o país e seus problemas financeiros e políticos. Filmes como “Bye Bye Brasil” (1979), “O Pagador de Promessa” (1962), “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), além de crítica positiva, mostram o país que as emissoras de TV não apresentam. A critica social é o forte do movimento conhecido como Cinema Novo .
Depois do fim do INCE percebemos que não existiu da parte do governo uma medida para que o Cinema e a Educação tivessem uma ligação mais profundo. Apenas em 2014 com a lei 13006 que obriga as escolas a exibirem filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. Porém a lei até o momento não foi regularizada sendo assim sem efeito prático nas escolas.
O que percebemos é o crescimento de alunos produzindo vídeos dentro do espaço escolar. Segundo Pereira, (2006) a escola pode buscar respostas aos novos desafios da sociedade na produção de vídeo escolar. Vivemos em um tempo histórico e social em que a imagem é um espaço de socialização. A escola tem hoje a possibilidade de não ser apenas reprodutora e/ou consumidora de imagens. A ela cabe estimular o aluno a criar e buscar novos conhecimentos, apropriando-se deles com e através das novas tecnologias. Os programas de inserção das novas tecnologias nas escolas ficam, na maioria das vezes, voltados apenas a colocar computadores nas escolas, no entanto, também devem agregar filmadoras e máquinas fotográficas, contribuindo com uma nova alfabetização. A alfabetização da imagem deve ser conteúdo nas escolas, dentro das Artes Visuais e nas mais diferentes disciplinas. Segundo Pereira (2012), a produção de vídeo é considerada um espaço para o aluno expressar a sua cultura e a sua individualidade. Para o autor, a sociedade atual criou diferentes linguagens para se comunicar, dentre elas o cinema, TV, rádio, computador, internet etc. É o que o autor chama de Pedagogia da Comunicação e tem como objetivo introduzir, na escola, todas essas linguagens que a sociedade usa, para que o aluno aprenda com a realidade e não encontre tanta diferença entre a escola e a sociedade, pois, Nessa “civilização visual”, o cinema foi um elemento importante para que o mundo iniciasse seu processo de retribalização.
No Brasil a relação cinema e educação passa por algumas etapas, dentre elas a moralização do cinema feita por Jonathas Serrano e Francisco Venâncio, e a educação popular realizada por Roquette-Pinto. Acreditamos que Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho, não imaginavam que em tão pouco tempo jovens teriam acesso a todo tipo de conteúdo audiovisual, via sites de exibição de vídeo como o You Tube. Roquette Pinto sonhava que o audiovisual fosse realizado e exibido em escolas para divulgar ações educativas, agora podemos assistir vídeo em qualquer espaço com varias mídias diferentes. Será que assistimos mais vídeos educacionais? O que roquette Pinto acharia destes vídeos feitos por estudantes?

Referencias
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