Por Maikelly Silva, Najara Leal e Raissa Iepsen/Reportagem em Curso
O assassinato de mulheres, no contexto da violência baseada em questões de gênero, recebeu uma designação: feminicídio. No Brasil, foi considerado crime hediondo apenas há 10 anos, com a aprovação da Lei nº 13.104, que estabeleceu essa classificação no Código Penal.
Identificar o nome do problema é parte da jornada para compreender sua gravidade, mas há passos mais decisivos a serem dados no combate a essa violência. Enquanto os números seguem alarmantes e muitas vítimas não encontram proteção, o desafio vai além do reconhecimento: é preciso agir para que o feminicídio deixe de ser uma realidade cotidiana. Mas, afinal, o que é feminicídio e por que ele representa mais do que um crime de morte?
O que é feminicídio?
Não se trata de qualquer assassinato de mulher, mas de um crime de ódio, baseado em desigualdade e violência de gênero.
O termo surgiu nos anos 1970, como parte da luta feminista para evidenciar que as motivações de muitos homicídios de mulheres estavam ligadas a motivos de controle e subordinação, caracterizando uma violência sistemática direcionada ao gênero feminino.
No Brasil, o termo ganhou destaque em 2015, devido à promulgação da Lei Federal 13.104/15, que caracterizou o feminicídio como um crime hediondo. A visibilidade do problema também foi impulsionada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência contra a Mulher (CPMI-VCM), que investigou a violência contra as mulheres em vários estados do país, de março de 2012 a julho de 2013.
“A violência começa no psicológico e só termina quando a sociedade intervém. Muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha ou por acreditarem que o agressor vai mudar. Nosso dever é acolher, orientar e garantir que nenhuma mulher se sinta sozinha nessa jornada”, afirma a psicóloga Tuany Becker de Carvalho.
Portanto, a questão do feminicídio representa um esforço para sensibilizar a sociedade sobre o fato de que esses crimes são fruto de uma estrutura social desigual e de uma cultura que, muitas vezes, normaliza o domínio sobre as mulheres.
O feminicídio, muitas vezes, ocorre em um cenário trágico de violência doméstica — um lugar onde o sentimento deveria ser de proteção. Com frequência, vemos nos noticiários casos em que as vítimas foram mortas por parceiros após vivenciarem um ciclo contínuo de abuso, sem intervenção efetiva das políticas públicas ou do sistema judicial.
“O feminicídio, em geral, não tem o ‘perfil de assassino’ que imaginamos. São homens que passaram despercebidos, com atitudes normalizadas, e que, em algum momento, estouraram. O feminicídio tem raiz social”, complementa a advogada Ângela Schwab.
Tipos de violência contra a mulher
O feminicídio é o estágio mais grave da violência de gênero, porém, há diversas formas de violência que podem antecedê-lo. Os cinco tipos de violência doméstica e familiar, segundo a Lei Maria da Penha, são:
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Violência física: qualquer conduta que afete a integridade física da mulher (espancamentos, atirar objetos, sacudir os braços, estrangulamento, queimaduras, tortura);
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Violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher (ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, perseguição, insultos, etc);
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Violência sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada (estupro, impedir o uso de métodos contraceptivos, forçar matrimônio, gravidez, etc);
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Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração ou destruição parcial ou total de seus objetos (controlar dinheiro, deixar de pagar pensão, destruição de documentos, furto, estelionato, etc);
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Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (acusar a mulher de traição, expor sua vida íntima, mentir, etc).
O ciclo da violência contra a mulher
Para entender o feminicídio como a evolução trágica que realmente é, é essencial compreender o chamado ciclo da violência, um processo que acaba prendendo muitas mulheres em relações abusivas, dificultando o rompimento e a busca por ajuda.
Fase 1 – Tensão
Os primeiros sinais de abuso começam a surgir. A mulher, muitas vezes, tenta evitar conflitos e explicar o comportamento agressivo do parceiro, acreditando que ele está apenas “estressado” ou que a culpa é dela.
Fase 2 – Agressão
A violência se concretiza. Pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. Após o ataque, é comum que o agressor coloque a culpa na vítima, distorcendo a realidade para manter o controle.
Fase 3 – Arrependimento
O agressor pede desculpas, promete mudar e, muitas vezes, se mostra carinhoso. A vítima, confusa e fragilizada emocionalmente, acredita que ele pode mudar, permanecendo na relação.
Esse ciclo foi desenvolvido pela psicóloga norte-americana Lenore Walker, na década de 70.
Com o passar do tempo, a fase 3 começa a desaparecer, gerando agressões constantes e mais violentas, que podem culminar no feminicídio.
A psicóloga Tuany Becker ainda nos conta que “a dependência emocional e o medo fazem com que a mulher duvide da própria realidade. É essencial que a sociedade ofereça um espaço seguro para que essas mulheres possam contar suas histórias sem julgamentos.”
Maria da Penha – A lei que representa a luta das mulheres

Imagem 2 – Maria da Penha, ativista pelos direitos das mulheres, durante sessão solene no Congresso Nacional em defesa do combate à violência doméstica. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Maria da Penha Maia Fernandes se tornou um dos símbolos mais importantes na luta contra a violência doméstica no Brasil. Ela foi vítima de uma tentativa de feminicídio em 1983, enquanto dormia: seu marido atirou nela, fazendo com que Maria da Penha ficasse paraplégica. O agressor foi condenado quase duas décadas depois, apesar de todas as provas.
A busca incansável por justiça levou Maria da Penha a transformar sua dor em força e, em 2006, sua história deu origem à lei que carrega seu nome. O objetivo principal da legislação é fornecer medidas de proteção urgentes, como o afastamento do agressor, além da criação de delegacias especializadas e do oferecimento de suporte psicológico e social às vítimas.
Ainda assim, existem obstáculos à eficácia da lei. Essa conquista também enfrentou resistência social ao tratar a violência doméstica com a seriedade que merece, muitas vezes limitando a realização dos direitos garantidos por essa legislação. A história de Maria da Penha, no entanto, segue como um exemplo de coragem e transformação, mostrando que nenhuma mulher deve ser silenciada.
Avanços na luta contra o feminicídio no Brasil
A história do enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil é marcada por avanços legais importantes:
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1983 – Tentativa de feminicídio contra Maria da Penha
Maria da Penha Maia Fernandes sofre tentativa de assassinato pelo marido, ficando paraplégica após ser baleada enquanto dormia. -
2001 – Brasil é condenado pela CIDH
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condena o Brasil pela demora e negligência no julgamento do agressor de Maria da Penha. -
2006 – Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06)
Promulgada uma lei que estabelece medidas protetivas e punições mais severas para casos de violência doméstica e familiar. -
2012–2013 – CPMI da Violência contra a Mulher
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito investiga casos de violência de gênero em diversos estados, escancarando falhas institucionais e reforçando a necessidade de políticas públicas eficazes. -
2015 – Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15)
O feminicídio é incluído no Código Penal como uma especificidade atualizada do homicídio e passa a ser considerado crime hediondo. -
2024 – Lei 14.994
Aprovada recentemente, essa legislação transforma o feminicídio em crime autônomo e amplia a pena máxima de 30 para 40 anos de prisão.
A realidade do feminicídio no Brasil
O Brasil é um dos países com maior índice de feminicídios do mundo. Segundo o último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o número de feminicídios aumentou 8% no último ano, com 1.320 casos registrados em 2023.
É importante frisar que a taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo, com 4,8 feminicídios para cada 100 mil mulheres, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas. Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) de 2023 revelam uma crise que precisa ser tratada como prioridade nacional.
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Cerca de 65% dos feminicídios ocorrem dentro da casa da vítima.
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Em 70% dos casos, o agressor é um parceiro ou ex-parceiro.
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As mulheres negras representam 62% das vítimas.
Esses números mostram que a violência de gênero não é um problema restrito ao ambiente familiar. É uma emergência social que exige ação coletiva — de políticas públicas a mudanças culturais profundas.
Feminicídio em Rio Grande: um caso recente que reforça a urgência por justiça
No dia 21 de março de 2025, a cidade de Rio Grande foi novamente marcada por um caso brutal de feminicídio. A Brigada Militar, através do 6º Batalhão de Polícia Militar, prendeu um homem acusado do crime e identificou outro indivíduo que estava com ele no momento da abordagem, no bairro Junção.
A ação foi desencadeada após denúncias de um atropelamento fatal no bairro Humaitá, envolvendo um Renault Sandero branco. Durante a abordagem, o suspeito portava um revólver calibre 32 com munições e foi encaminhado à Delegacia de Polícia.
Casos como esse escancaram a gravidade da violência de gênero e a urgência de medidas que protejam as mulheres. Cada feminicídio carrega uma história de vida interrompida — e representa o fracasso de uma sociedade em garantir o direito mais básico: o de viver.
Feminicídio no Rio Grande do Sul

Imagem 3 – Tumisu por Pixabay.
De acordo com o Mapa do Feminicídio 2024, elaborado pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul, o estado registrou 72 casos de feminicídio em 2024, o que representa uma queda de 15% em relação a 2023. Porém, apesar dessa queda, a violência baseada em questões de gênero continua a preocupar as autoridades.
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84,7% dos agressores eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
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Em 36,1% dos casos, o crime foi cometido com arma de fogo.
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48% das mulheres mortas eram mães — e, dessas, 24 tinham filhos com o agressor.
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Em 16 casos, os assassinos cometeram suicídio após o crime.
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72% dos feminicídios ocorreram dentro da casa da vítima.
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Pelo menos 100 crianças e adolescentes ficaram órfãos de mãe.
Esses dados não apenas revelam o perfil da violência, mas também expõem o rastro de dor que ela deixa nas famílias e nas próximas gerações.
A região Sul do RS
A situação do feminicídio é alarmante na região Sul do estado. Apesar de avanços no âmbito legislativo e na mobilização social, os números mostram que as agressões seguem frequentes, atingindo mulheres em diferentes faixas etárias e contextos.
De acordo com os dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Pelotas, Rio Grande e São Lourenço do Sul registraram, nos últimos cinco anos, diversos casos de diferentes tipos de violência.
Pelotas
Pelotas, a terceira maior cidade do estado, lidera os registros de ameaças e lesões corporais entre as três cidades. Em 2023, a cidade registrou mais de mil ameaças contra mulheres. Os dados também mostram um grande número de tentativas de feminicídio, com sete casos registrados em 2024.

Tabela 1 – Violência contra a mulher em Pelotas de 2020 a 2025: Maikelly Silva / Datawrapper
Rio Grande
A cidade também apresenta índices preocupantes. Em 2024, 432 casos de lesão corporal foram registrados, mostrando que a violência contra a mulher não diminuiu de maneira tão significativamente. Entre 2020 e 2024, foram 12 casos de feminicídios e 29 tentativas.

Tabela 2 – Violência contra a mulher em Rio Grande de 2020 a 2025: Maikelly Silva / Datawrapper
São Lourenço do Sul
Mesmo que São Lourenço do Sul seja cerca de 87,4% menor que Pelotas em relação à população, enfrenta números significativos sobre a violência contra a mulher. Em 2023, foram registrados 103 ameaças.

Tabela 3 – Violência contra a mulher em São Lourenço do Sul de 2020 a 2025: Maikelly Silva / Datawrapper
Esses números carregam histórias de dor, medo e, em muitos casos, impunidade. Não podem ser vistos como estatísticas frias ou distantes. São gritos silenciosos por atenção, por ação, por políticas públicas eficazes, acolhimento digno e, acima de tudo, por uma sociedade que compreenda que a violência jamais deve ser normalizada.
Para além dos números, existem vozes que merecem ser ouvidas. A seguir, relatos de mulheres que viveram a violência de perto e enfrentaram, com coragem, a difícil missão de sobreviver ou seguir em frente após uma perda irreparável.
Relatos de dor e resistência
Bethânia Bauer – Irmã de Tairane, vítima de feminicídio
“A Tairane sempre morou comigo. Em alguns momentos, esteve em outra residência, mas, na maior parte do tempo, vivemos juntas. Sempre prezamos pela educação e pelo respeito uma pela outra, com aquelas briguinhas normais entre irmãs. Ela era de personalidade forte, mas nada que tornasse a convivência difícil. Ela é mãe dos meus dois primeiros sobrinhos, e o amor por ela parece transbordar ainda mais por isso.”
“Sempre foi divertida, brincalhona e risonha. Gostava de reunir amigos e a família para um churrasquinho. Quando lembro dela, é sempre nesses momentos de alegria, ou então, no sabor das comidas que ela preparava com tanto carinho.”
“Em 2020, houve duas situações de agressão. Na segunda vez, conseguimos levá-la à polícia e ela solicitou uma medida protetiva. Pensávamos que estava segura, mas depois soubemos que ainda mantinha contato com ele.”
“Perder alguém de forma tão violenta nos tira o chão. O que nos manteve firmes foram os anjinhos que ela nos deixou. Sabíamos que não podíamos fracassar com eles, precisávamos tentar suprir, ao menos um pouco, da ausência dela.”
“Minha vida social mudou. O medo de sair, a ansiedade, o sentimento de estar sempre em alerta. Ficamos recolhidos, mas, com o tempo e com o apoio de amigos, da família e da fé, voltamos a respirar.”
“O feminicídio está presente no cotidiano. Precisamos estar atentas até aos menores sinais, aos detalhes que muitas vezes ignoramos. Se algo parecer estranho, peça ajuda. Não permita que a violência se torne sua realidade. Quem cuida de nós somos nós mesmas.”
“Não sei o que poderia inspirar uma mudança definitiva, mas acredito que não podemos desistir. Precisamos continuar lutando por um mundo com menos violência e mais respeito às mulheres.”
Relato da prima de Patrícia Cilene Ferreira de Oliveira – vítima de feminicídio
“A Patrícia era a filha mais velha de três irmãos, a única mulher. Sempre sonhou em ser mãe, era uma pessoa alegre, que amava festas e ver a casa cheia. Tinha uma energia contagiante. Ela teve alguns relacionamentos antes de conhecer o André, com quem teve seu único filho, o Júnior.”
“Por muitos anos, tentou engravidar, enfrentando dificuldades e buscando tratamentos. Quando engravidou do André, foi uma felicidade imensa. Estava na melhor fase da vida dela — fazia faculdade, trabalhava, era mãe, estava plena.”
“Eles se separaram, mas acabaram reatando. Na noite do crime, foram juntos a um show no Cassino. Houve uma briga e ele a deixou na avenida, tirou a chave de casa e o dinheiro dela. Patrícia voltou sozinha de táxi, ficou esperando na frente de casa, e ao encontrá-lo, discutiram.”
“Ele a matou com golpes de paralelepípedo. A mãe dele estava em casa, mas disse que não viu nem ouviu nada. Os vizinhos, sim, ouviram a briga.”
“Ele foi condenado a 28 anos de prisão. Cumpriu 8 anos em regime fechado, quase 2 em semiaberto, até se matar com veneno em janeiro de 2025. O Júnior, filho deles, nunca quis vê-lo novamente, recusou todos os encontros. Essa condenação foi quase histórica, mas nada traz a Patrícia de volta.”
“Ela estava tão feliz, queria tentar ter uma menina, tinha sonhos, planos. Tinha direito à vida. É uma dor que não passa.”
“A lembrança mais forte que tenho da minha prima é da alegria dela. Ela era muito feliz, amava viver, amava ser mãe. Tudo era motivo de festa, de sorriso. Ela vivia intensamente cada minuto, como se soubesse que tinha pouco tempo de vida. Essa energia, essa vontade de viver, é o que quero lembrar, muito além da tragédia que a levou.”
“E se tem algo que eu gostaria de dizer para outras mulheres que estão em situações de risco, é mais do que uma mensagem, é um pedido: se respeitem, se amem acima de tudo. Eu sei que muitas vezes é difícil sair por causa da casa, dos filhos… mas minha prima foi morta dentro de casa. O filho dela perdeu tudo, toda referência de família. Ficou sozinho no mundo. Graças a Deus, foi acolhido pela avó, mas nem todo órfão tem essa sorte. Por isso, escolham viver. Escolham por vocês e pelos filhos de vocês.”
Relato de uma sobrevivente – Violência doméstica em Rio Grande
“Conheci o pai dos meus filhos quando ele veio trabalhar no Sul. No início, tudo parecia maravilhoso, mas com o tempo ele mudou. Controlava minhas saídas, as roupas que eu usava. Dizia que mulher dele não podia usar decote. Em uma briga, me empurrou na frente dos amigos, depois pediu desculpas. Eu perdoei, mas as coisas só pioraram.”
“Na gravidez do meu primeiro filho, sofri muito. Não pude aproveitar esse momento como sonhei. Após o parto, ele me forçava a ter relações e me dava pílulas do dia seguinte. Fui parar no hospital com dores. Descobri que estava grávida de novo. Ele quis que eu tirasse, mas recusei. Tive minha filha e enfrentei ainda mais agressões.”
“Fui morar em outros estados com ele. Ficava trancada em casa. Após uma cirurgia, mesmo com pontos, ele me pressionava, me ameaçava. Dizia que ia me matar e me mandar num saco preto para o hospital. Chegou a deixar uma faca sobre o guarda-roupa para me intimidar.”
“Voltei para o Sul com meus filhos quando meu pai sofreu um acidente. Achei que ele mudaria. Não mudou. As crianças começaram a presenciar tudo. Uma vez, ele veio com um facão para me agredir, e só parou porque a filha dele gritou. Ele teria me matado naquele dia.”
“As agressões continuavam. Xingamentos, ameaças, medo constante. Eu dizia a ele: ‘Vai embora’. Ele não acreditava. Até que perdi o medo de morrer. Quando isso aconteceu, tive força. Chamei minha irmã e fui embora com meus filhos. Ele nunca mudou. Só enganava. Mas eu consegui sair. E sobrevivi.”
“Eu não suporto nem ouvir a voz dele, mas infelizmente ainda tenho que manter contato por causa da pensão, que não é paga pela justiça.”
“Nunca procurei ajuda por medo. Ele dizia que, se fosse preso, um dia sairia — e faria pior. Nunca quis preocupar minha família. Meu pai faleceu sem saber tudo o que vivi. E isso dói.”
“Para quem ouvir minha história: nunca acredite que o agressor vai mudar. Eles não mudam. A mudança é só momentânea. Hoje, sou casada de novo com uma pessoa maravilhosa, que cuida de mim e dos meus filhos. Depois de tudo que passei, eu ainda acreditei no amor.”
Tuany também fala sobre como poderíamos, como sociedade, ajudar essas vítimas
“Eu penso que, em primeira instância, é sempre acolher e não julgar quando se recebe um relato de abuso, de tentativa de feminicídio, de violência. Porque já envolve tantos obstáculos trazer à tona, fazer essa denúncia, relatar esses episódios, que são muito dolorosos para a vítima… Que diminuir a força dessa mulher, fazer com que ela se sinta mais constrangida ou envergonhada com a situação, dificulta – e muito – a recuperação. Então acredito que, num primeiro momento, quando alguém recebe uma informação ou uma notícia disso, acolha e não julgue já ajuda muito.”
Como buscar ajuda?
Há diversas formas de pedir ajuda.
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Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, que funciona 24h por dia, todos os dias da semana.
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Delegacias da Mulher: Atendimento especializado para registrar ocorrências e solicitar medidas protetivas.
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Ministério Público: Pode acionar a justiça para garantir segurança e proteção às vítimas.
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Centros de Referência da Mulher: Oferecem apoio psicológico, orientação jurídica e assistência social.
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Apps: Alguns estados oferecem aplicativos para denúncia e pedido de socorro imediato.
Onde buscar ajuda presencialmente
Pelotas (RS):
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DEAM – Delegacia da Mulher: Rua Sete de Setembro, 455 – Centro. Tel: (53) 3222-6789
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Centro de Referência da Mulher (CRM): Rua Barão de Santa Tecla, 583 – Centro. Tel: (53) 3305-1907
Rio Grande (RS):
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DEAM – Delegacia da Mulher: Rua Francisco Campello, 361 – Cidade Nova. Tel: (53) 3233-2202
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CRM – Centro de Referência: Rua Domingos de Almeida, 3155 – Cidade Nova. Tel: (53) 3231-0300
São Lourenço do Sul (RS):
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Brigada Militar – Patrulha Maria da Penha: Rua Bento Gonçalves, 50 – Centro. Tel: (53) 3251-1555
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Secretaria da Mulher e Assistência Social: Rua Júlio de Castilhos, 147 – Centro. Tel: (53) 3251-9588
O que levar ao registrar uma ocorrência?
Você pode ir até a delegacia especializada ou comum para registrar uma denúncia de violência. Leve, se possível:
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Documento de identidade (RG ou CNH);
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Comprovante de residência;
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Provas como prints de mensagens, fotos, áudios ou vídeos;
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Relato escrito ou testemunhas, se possível.
Mesmo que você não tenha provas ou documentos, você pode e deve registrar a ocorrência.
O papel da Brigada Militar
A policial Marina Gabriela Bork, integrante da Patrulha Maria da Penha em São Lourenço do Sul, destaca os desafios do atendimento:
“Nosso trabalho começa com a colheita de informações ainda na sala de operações. Tentamos proteger a vítima, evitar que ela reviva o trauma e garantir que o agressor seja conduzido em viatura separada, sempre que possível.”
Ela reforça que após o registro da ocorrência, a Brigada acompanha as medidas protetivas e faz visitas às vítimas:
“A presença policial constante inibe novos ataques e passa uma mensagem clara ao agressor: ela não está sozinha.”
Combater o feminicídio não começa com leis e prisões; começa antes disso, na base da sociedade — com a educação. É essencial que a educação de gênero seja oferecida nas escolas, para que crianças e jovens aprendam, desde cedo, que o respeito não deve ser exigido pelo medo, que ninguém pertence a ninguém e que a violência jamais pode ser confundida com amor.
Precisamos desconstruir as narrativas que sustentam o privilégio masculino. Precisamos ousar desafiar culturas que silencia e idealizam o controle. A única maneira de superar o ódio e a violência em uma sociedade é por meio da educação: educação em igualdade, empatia e direitos humanos. Isso é um investimento no futuro das mulheres, para que possam viver sem medo, em um mundo onde liberdade e dignidade sejam direitos, não privilégios de poucos.
Educar é semear os valores de uma sociedade mais justa, para que as futuras gerações não tenham que lutar para sobreviver, mas possam simplesmente viver. Prevenir o feminicídio é, antes de tudo, formar cidadãos que compreendam que o respeito é a base de qualquer convivência e que a vida de uma mulher nunca deve ser interrompida pela violência.
Feminicídio não é um destino — é a consequência de silêncio, omissão e desigualdade.
Toda mulher tem o direito de viver sem medo. Toda voz importa. Toda denúncia salva.