Por Adilson Camargo Pereira e Maria Antonia Airam (Estudantes do curso de Jornalismo/UFPel)

Foto: Adilson Pereira
Cesar Mello é um dos maiores artistas da dramaturgia e teatro brasileiro. Novelas como o Lado a Lado(2012), Elas por Elas(2023); séries como Sintonia(2019) e Bom Dia, Verônica(2020); filmes como Doutor Gama(2021), e mais recentemente, o musical Ray – Você Não Me Conhece, que fez o ator ganhar o prêmio Bibi Ferreira, considerado a mais importante premiação no teatro musical brasileiro, na categoria de melhor ator em musicais. Com 14 anos , começou a verbalizar. Com 18 anos decidiu que iria ser do teatro.
Em pouco mais de quinze anos, César trabalhou em 6 novelas, 7 musicais, 15 filmes, 8 séries e 3 espetáculos – no fim da matéria, uma lista atualizada de seus trabalhos, de acordo com o ator.
Natural de Barueri, interior de São Paulo, o ator veio à zona sul pela segunda vez – a primeira para as gravações do filme Vó África – para palestrar no I Festival da Permanência Estudantil da PRAE, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Direito(PPGD), realizado nos dias 6 e 7 de novembro, para um diálogo com estudantes sobre as questões vividas na vida universitária e sua permanência dentro dela.
Em entrevista exclusiva à PRAE, o artista contou curiosidades sobre sua trajetória, suas expectativas com o festival e sua relação com a Princesa do Sul .
César, você, sendo um ator premiado, com vários papéis em novelas, séries e no teatro, como é para você palestrar no primeiro Festival da Permanência Estudantil e dialogar com estudantes sobre arte, dramaturgia , cultura e questões sobre a permanência na Universidade?
É um projeto inédito, é novo para mim e para vocês. É legal, porque é uma experiência nova, vamos ver o que vai ser! Estou de coração, alma e ouvidos abertos para entender aquilo que vocês desejam, para eu doar aquilo que possa ser doado. Acho que a troca sempre é importante. Quando eu era estudante, eu adorava os eventos quando a minha professora de teatro ou na escola, vinha alguém que fazia ou estava num lugar onde eu gostaria de estar, fazendo alguma que eu gostaria de fazer ou aprender a fazer. então, o fato de hoje eu estar nesse lugar é engraçado: já estive no lugar de vocês, de olhar e falar ‘e aí, me conta a sua experiência para eu poder entender!’.
É gratificante o fato de que hoje a minha vida pode servir de inspiração, exemplo ou preferência para algum jovem estudante. Fico muito feliz e honrado. É um privilégio imenso estar aqui, em Pelotas, novamente. Não imaginava que viria aqui esse ano, muito menos em seguida. Estou muito feliz com esse evento!
Você fez recentemente o filme Vó África, com gravações em Pelotas. A cidade tem uma forte presença de pessoas negras, por conta do seu passado escravocrata. Qual a sensação quando você conheceu a cidade?
Pelotas é surpreendente. O sul é surpreendente, porque primeiro você fala: ‘Ual, existe vida fora Rio-São Paulo!’ Porque nós realmente somos bairristas, ignorantes em relação ao próprio Brasil. E não é porque não queremos conhecer, é pelo fato de que o tamanho desse país é muito grande. Não tem como você mensurar, conhecer a cultura que está muito distante de você. Quando você chega aqui, tem muitas surpresas.
Primeira coisa: vocês estão muito perto do Paraguai, Uruguai… É legal porque nós, brasileiros, vivemos em uma ilha linguística. Só a gente fala português, e ao redor fala espanhol, tanto que um ator mexicano faz novelas no México, no Paragua, Uruguai… porque é a mesma língua. Nós não, o brasil é uma ilha linguística, só que tenho a impressão que vocês são menos – vocês estão nessa divisão com o Uruguai e Paraguai, e transitam com mais facilidade, sinto que tem menos ilha;
Segundo: você fica conhecendo as charqueadas. As charqueadas, historicamente, é o inferno do inferno. Se a escravidão é um inferno, as charqueadas é o inferno da escravidão. O escravo que vinha pra charqueada ele não vivia ou ele vivia em torno de 30 anos, e não mais que isso, porque as condições eram péssimas – era o frio com sal, eram pessoas que iam de desintegrando ao longo do tempo e morriam da forma mais horrorosa do mundo, era horrível.
Aqui, nas charqueadas, eu fiz o filme Vó África, que conta justamente a história de crianças que eram jogadas na rua após a Lei do Ventre Livre, depois da abolição, para morrer nas charqueadas, com uma temperatura abaixo de zero.
No centro do mercado municipal, tem uma homenagem a Exu Bará. Então é muito forte. O negro sulista precisa ter muito orgulho, porque , assim como no resto do mundo e do país, ele estava no inferno do inferno, e ele também, aqui, conseguiu resistir. É muito forte. As charqueadas é um troço muito pesado. Estar aqui e ainda fazer parte da construção desse lugar, resistir como as doceiras, a religião, a espiritualidade viva… acho muito forte.
Você como um homem negro com toda sua experiência, como vê a relação de trazer debates sobre politicas afirmativas para a universidade com um festival da permanencia, para que estudantes possam se espelhar e fazer com que permaneçam na universidade, apesar das suas variadas particularidades?
Eu sou fruto das políticas afirmativas. Fiz uma série em que o elenco já tinha sido escolhido e era branco. A produtora me dispensou. Houve uma discussão dentro da plataforma sobre a falta de gente preta no elenco. Reveram e me chamaram depois. Isso porque algumas plataformas digitais trouxeram um pensamento de que aquilo que se passa nela , precisa retratar o que se vê fora dela. Por exemplo, fiz o musical Rei Leão, onde era obrigatório do contratante contratar tantas pessoas pretas para os personagens. Isso não deixa de ser reflexo das políticas afirmativas, que vem trazendo na universidade, pensando na educação, que recai na arte, posteriormente no streaming, com a Netflix. Se eu sou resultado disso, não tem como não ver o valor dessas políticas na prática e na vida das pessoas. Tenho certeza absoluta que quando você traz as pessoas pra universidade, tem que ter a noção de que muitas pessoas não têm, por si só, como se manter. Elas saem de um lugar de muito deficit.
Em geral, existe uma porcentagem muito grande de pessoas brancas que vem para a universidade com condições – nasceu numa casa própria, com o pai tendo um ou dois carros na garagem…Se você vem de um lugar onde paga aluguel, os pais sem uma estrutura fácil de emprego, sem um bem, é muito difícil continuar na universidade bancando sua vida sem se preocupar.
Eu acho que é muito importante criar meios de fazer com que esse aluno fique na universidade, seja empregado, direcionado como um funcionário dentro da própria universidade, ou que haja um projeto social dentro da sociedade, para que jogue luz para onde essas pessoas podem ir.
Quando comecei a fazer ator, eu não tinha ninguém ator na minha família. Eu nunca soube onde poderia chegar porque eu não tinha alguma referência de onde eu poderia chegar. Por isso é muito importante na universidade ter pontes mentais – alguém que incentive, que mostre as possibilidades dentro da universidade. Se ele não tem isso, ele desiste. Porque ele não vê luz no fim do túnel, ele fala: ´Depois disso vou fazer o que?Vou ganhar dinheiro como?’. Então a ponte mental é muito importante.
Diversas políticas têm avançado nos últimos anos na universidade. Como você analisa essa troca de experiências com os estudantes tendo a oportunidade de conhecê-lo, assim criando essa ponte mental?
Eu espero que a minha vida, que é uma vida sem ponte mental, que é uma vida também de políticas afirmativas, que ela sirva de inspiração. É bom quando a gente conhece uma pessoa que exerce uma função que ela nunca pensou que poderia exercer, com a qualidade que ele nunca sonhou em espaços onde ele não estava designado para ocupá-lo. Então, isso sempre inspira, ou seja, você fala: Olha, legal, existe luz no fim do túnel. Eu acho que a gente tem que ter um misto entre praticidade, que é o fazer, e o sonhar. Sem praticidade a gente não chega a lugar algum, sem sonhar também não. Doutor Gama era um absoluista feros, mas ao mesmo tempo ele tinha um o jornal, o diabo cosso, onde ele pegava os casos de tribunais para defender negros escravizados , princiipalmente, onde ele levava os casos pra imprensa. Então, ele fazia mais ou menos o que a gente faz hoje com Instagram. Ele é um exemplo do que um aluno pode ser: um misto de sonho e ação. A universidade precisa ser um ambiente efervescente e curioso. Com vinte e poucos anos é quando mais pode experimentar e tentar, mais tarde fica difícil por causa de outras responsabilidades e menos aventura. A aventura é própria da juventude. A universidade transpira essa curiosidade pelo construir, pelo fazer, por experimentar. Até perguntas claras do tipo:‘Onde tem trabalho? O que posso fazer com o que sei?’. Acho que o aluno precisa obrigatoriamente fazer essas perguntas.
Você ganhou este ano o prêmio Bibi Ferreira, na categoria de melhor ator em musicais ao interpretar Ray Charles. Como foi este momento?
Foi muito doido, porque eu ganhei o prêmio Bibi Ferreira o ano passado no musical que fiz chamado ‘Uma linda mulher’, interpretando um personagem que é uma espécie de deus na peça. Eu ganhei como melhor ator coadjuvante em peças musicais. Eu não acreditava que iria ganhar de novo, porque pensei: ‘Não, não vão dar o premio pra mim porque… enfim’, e segundo, porque tinha sido só casca dura. Tinha muita gente incrível, tinha gente boa. Esse ano foi um ano muito competitivo. E a gente que faz, a gente nunca tem noção exata de como isso chega nas pessoas. Eu fiz o Ray Charles, que todo mundo conhece. Quando fiz Doutor Gama, por exemplo, nos cinemas, ninguém nunca viu Doutor Gama falando – como ele fala, como ele se expressa. O Ray Charles já sabem. Então, quando fiz o Ray,as pessoas que iam assistir, muitas ficaram em choque. Quando anunciaram o meu nome, fiquei em choque. Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida, pela dificuldade que foi fazer esse espetáculo, construir esse personagem, é muito difícil a voz. Então, realmente foi muito legal ter esse trabalho reconhecido.
Sua vinda à cidade pela segunda vez coincide com a época da Feira do Livro de Pelotas. Você é um bom leitor? Qual autor preferido?
Sou muito bom leitor. Um dos mais recentes que li foi ‘Corações de Alcachofra’. Esse ano eu li pela terceira vez ‘Amkoullel, o menino fula’, que é um livro do Amadou Hampâté Bâ, um autor africano que é incrível. Eu leio muito, escrevo muito. Eu sou um cara que admiro muito quem escreve. Acho uma arte muito ‘deus’. Vou dar exemplos mais mediáticos: Capitu , Harry Potter, Sherlock Holmes… Essas pessoas não existiriam, mas elas foram criadas de tal forma que parecem que existem, a gente fala delas, damos exemplo na vida citando elas, são referências de alguma coisa que as pessoas fazem ou a gente mesmo. Ou seja, alguns autores criaram personagens tão fortes que eles existem, e eu acho isso um máximo!
Estando novamente em Pelotas, você fez algumas amizades, criando uma relação com a cidade, assim como na universidade. Qual a sua mensagem para o público em geral?
Eu tô muito feliz de estar aqui de novo. Eu adorei essa cidade. Cheguei pra fazer um filme sobre as charqueadas, então fiquei com um pé atrás. Se tem o Exu Bará no centro do mercado municipal e as histórias por trás disso.Inclusive, perto de Pelotas tem um dos maiores recantos pretos do Brasil. Achei um barato poder voltar, falar com estudantes, me reconectar com a cidade. Estou abrindo uma porta de comunicação com ‘satolep’ que ficará para sempre. Com certeza, os próximos espetáculos que eu produzir passarão por aqui. É muito legal conhecer uma cidade com uma cultura tão pulsante. É uma cidade universitária, tem cheiro de estudante, de conhecimento, do fazer artístico…acho maravilhoso. Estou muito feliz!
Ao final da entrevista, também perguntamos sobre a visão de pessoas de outras regiões, sobretudo o sudeste, da presença de negros do Rio Grande do Sul: ‘temos uma visão limitada sobre o próprio país. Não temos noção, porque não viemos para cá, porque as coisas acontecem muito onde a gente nasce e ficamos lá. Então, eu vim sem saber desse lugar, dessa cena preta. É uma surpresa mesmo. Entendo quando o Lula fala que não sabia da existência de pessoas pretas no RS. E ainda acrescenta que pela falta de noção dos territórios do país, enxergava o sul como o estado de Santa Catarina, antes de conhecer o RS: ‘como Santa Catarina faz muito barulho politicamente, de um jeito não muito bom, achamos que o sul é SC, justamente por não termos noção do tamanho do país. Mas quando eu conheço é muito legal!’
LISTA DE SEUS TRABALHOS AO LONGO DA CARREIRA
Novelas:
1- Viver a Vida 2009/2010
2- Lado a lado 2012/2013
3 – Sangue Bom 2013
4- Babilônia 2015
5- A Lei do Amor 2016/2017
6- Elas por elas 2023
Musicais:
1- Hair (2010/2011)
2-O Rei Leão (2013/2014)
3-Mudança de Hábito (2015)
4-Wicked (2016)
5-Dona Ivone Lara (2018)
6- Uma Linda Mulher (2023)
7 – Ray – Você não me conhece (2024)
Filmes:
15- Encontrados (2025)
14 – O Grande Conflito (2025)
13- Vó África (2025)
12- Corpo Negro Curta (2025)
11- 5 Julias : (2024)
10- O Voo 375 : (2023)
9- Terapia da Vingança : (2023)
8- O Pastor e o Guerrilheiro: (2023) Co-Protagonista
7- Clube dos Anjos: (2022)
6- Dr. Gama: (2021) Protagonista
5-Nada a Perder I : ( 2018)
4-Nada a perder II : (2019)
3-Mare Nostrum: (2018)
2-Minha Vida em Marte: (2018)
1-A Glória e a Graça: (2018)
Séries:
1- Sutura : (participação) 2024
1- O Negociador :elenco principal
2- Sintonia 4Temp : elenco
3- Bom dia Veronica : elenco principal (2020/2022)
4 – Ausentes : participação (2021)
5 – Boca a Boca : participação (2020)
6 – Não Foi Minha Culpa : elenco principal (2020)
7 – Mecanismo 2Temp : elenco (2018)
8 -Amigo de Aluguel: elenco principal (2018)
Espetáculos:
1- A Médica : elenco principal (2025)
2- Amadeo : elenco principal 2023)
3- Mary Stuart : elenco principal (2022)