Jaime I de Aragão (1208-1276): Notas sobre um conquistador

Lucas Augusto T. da Silva[1]

Jaime I, conhecido pelo epíteto de “o Conquistador”, ascendeu ao trono da então denominada Coroa de Aragão[2] quando tinha apenas seis anos de idade e viria a consolidar-se como uma das figuras mais marcantes e com grande influência na conjuntura política ibérica medieval do século XIII.

Figura 1 – Coroa de Aragão na Península Ibérica (séc. XIII)

Fonte: adaptado de FATÁS (2014, p. 113)

Com um reinado longo, iniciado logo após a morte de seu pai, Pedro II, na Batalha de Muret, em 1213, episódio inserido no contexto da Cruzada Albigense no Languedoc, Jaime I teve sua infância e parte da adolescência sob os cuidados e educação da Ordem do Templo em Aragão. Nesse ínterim, a Coroa de Aragão ingressou em um período de regência, conduzido por seu tio-avô, o conde Sancho Raimundo, que assumiu a responsabilidade de preservar a estabilidade política e garantir a continuidade da Coroa até que o jovem monarca atingisse a idade necessária para governar.

A regência do conde Sancho teve como principal marca um cenário de insatisfação entre a alta nobreza, os chamados ricos-homens. Esses nobres procuravam ampliar seus benefícios fiscais e econômicos, além de assegurar a concessão de honras e privilégios particulares do estrato aristocrático ao qual pertenciam (UTRILLA UTRILLA, 2009).

Considerando a diversidade territorial que compunha a Coroa de Aragão, não causa surpresa a existência de particularidades políticas, econômicas e sociais que norteavam os interesses dos diferentes núcleos nobiliárquicos da Coroa. Assim, enquanto o Reino de Aragão apresentava uma estrutura essencialmente feudal e agrária, o que fazia com que os interesses de sua nobreza se voltassem prioritariamente para o âmbito peninsular, a Catalunha, por sua vez, possuía uma sociedade mais urbanizada e sustentada por uma base burguesa e mercantil (SARASA SÁNCHEZ, 2001) que compelia os interesses da nobreza catalã para o espaço mediterrânico.

Essa divergência de interesses entre a nobreza catalã e a aragonesa representou um desafio significativo para a ação da monarquia, especialmente no que se refere à manutenção de um equilíbrio nas relações sociopolíticas com tais núcleos nobiliárquicos. O resultado foi a formação de um ambiente de tensão e instabilidade política que não apenas se prolongou durante a regência do conde Sancho, mas também se estendeu ao início do reinado pleno de Jaime I, a partir de 1218. Esse período foi marcado por revoltas e conflitos nobiliárquicos de grande amplitude, que desafiaram a autoridade real e ameaçaram a coesão da Coroa. Somente com a imposição do Tratado de Alcalá, em 1227, Jaime I teve êxito em conter as insurreições e restabelecer, ainda que temporariamente, o equilíbrio da ordem política sobre os domínios da Coroa de Aragão.

Com a estabilidade política interna momentaneamente restaurada, Jaime I pôde retomar a política externa expansionista da Coroa de Aragão, interrompida desde a derrota de seu pai na Cruzada Albigense. Iniciava-se, assim, o período de seu reinado que denominamos como a Era das Conquistas (SILVA, 2024), fase em que o monarca orientou sua atuação para a ampliação territorial e o fortalecimento do poder régio. Nesse contexto, Jaime I concentrou seus esforços em empreender campanhas militares contra os territórios islâmicos ainda existentes na Península Ibérica, integrando a Coroa ao amplo movimento de Reconquista. Além de buscar ganhos políticos e econômicos, tais campanhas também tinham o propósito estratégico de unificar os diversos setores da sociedade aragonesa e catalã em torno de uma causa comum: a luta contra o inimigo muçulmano, o que contribuía para redirecionar as tensões internas e consolidar a autoridade real.

Em 1229, o rei lançou a expedição militar contra a ilha de Maiorca, a qual representou mais do que uma simples incorporação territorial aos domínios da Coroa de Aragão ou o marco inicial da política de expansão mediterrânica catalano-aragonesa, a campanha militar maiorquina conduzida por Jaime I significou uma oportunidade decisiva para o fortalecimento de sua autoridade política. Esse empreendimento, considerado o primeiro grande êxito militar de seu reinado, permitiu ao monarca reconfigurar o equilíbrio de forças nas relações com a nobreza catalã, um segmento cujo apoio e cooperação eram essenciais para assegurar a estabilidade e a governabilidade da Coroa. Dessa forma, a conquista de Maiorca não apenas ampliou o território e a influência aragonesa, mas também consolidou a legitimidade e o prestígio régio no contexto das complexas dinâmicas de poder internas.

O sucesso em Maiorca deu novo ímpeto à política expansionista e, entre 1232 e 1245, Jaime empreendeu a conquista do reino muçulmano de Valência. Essa campanha, mais longa e complexa que a anterior, envolveu longos cercos, tratados e reorganizações administrativas que, após a queda da capital em 1238, resultou na incorporação de Valência como um novo reino aos domínios da Coroa, contrariando os interesses dos ricos-homens aragoneses que almejavam “[…] anexar as terras valencianas ao Reino de Aragão” (SILVA, 2024, p. 84), resultando no distanciamento desse núcleo nobiliárquico nas relações com o rei (SESMA MUÑOZ, 1980).

Em síntese, a decisão do rei de criar um novo reino em vez de incorporá-lo diretamente ao território de Aragão, após a conquista de Valência, reavivou as antigas tensões nobiliárquicas que já haviam marcado os primeiros anos de seu reinado. Essa instabilidade política foi ampliada pela forma como Jaime I distribuiu os domínios da Coroa entre seus herdeiros por meio de uma série de testamentos ao longo das décadas seguintes que “[…] contribuyeron a aumentar el descontento político tanto de aragoneses como de catalanes […]” (RODRIGO ESTEVAN, 2009, p.87) perpetuando a tensão nas relações entre o monarca e a nobreza até os últimos dias de sua vida.

Jaime I morreu no ano de 1276, em Valência, encerrando um reinado longo e complexo. Sua morte marcou o encerramento de uma era de expansão e o início de um novo momento em que a Coroa teria de lidar com os efeitos da própria grandeza. O legado que deixou foi ambíguo: de um lado, um amplo e consolidado domínio territorial; de outro, as sementes de divisões internas que acompanhariam a trajetória política da Coroa de Aragão no século seguinte.

Referências

FATÁS, Guillermo. Prontuario aragonés del Reino y la Corona de Aragón. Espanha: Cortes de Aragón Parlamento, 2014.

RODRIGO ESTEVAN, María L. Los testamentos de Jaime I: repartos territoriales y turbulencias políticas. Cuadernos, Monzón, n. 35, p. 61-90, 2009. Disponível em: <https://www.academia.edu/3040304/Los_testamentos_de_Jaime_I_de_Arag%C3%B3n_Repartos_territoriales_y_turbulencias_pol%C3%ADticas_2009_>. Acesso em: 4 nov. 2025.

SARASA SÁNCHEZ, Esteban. La Corona de Aragón en la Edad Media. Zaragoza: Caja de Ahorros de la Inmaculada de Aragón, 2001.

SESMA MUÑOZ, José Ángel. Aragón Medieval. In: CANNELAS LÓPEZ, Ángel. Aragón en su Historia. Espanha: Caja de Ahorros de la Inmaculada de Aragón, 1980, p. 108-188.

SILVA, Lucas Augusto Tavares. Jaime I o Conquistador e as relações sociopolíticas na Coroa de Aragão (1208-1276). 2024. 129 p. Tese (Doutorado em História) – Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em História, Curitiba, p. 48. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/xmlui/handle/1884/87631>. Acesso em: 5 nov. 2025.


[1] Doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (PPGHIS/UFPR). Pesquisador associado ao Núcleo de Estudos Mediterrânicos (NEMED/UFPR). (lucasatds.augusto@gmail.com). http://lattes.cnpq.br/9164122901944549.

[2] “[…] el conjunto de reinos, condados, señoríos y dominios gobernados por la soberanía del rey de Aragón” (SARASA SÁNCHEZ, 2001, p. 5).

Publicado em 08 de Dezembro de 2025.

Como citar: SILVA, Lucas Augusto T. Jaime I de Aragão (1208-1276): Notas sobre um conquistador Blog do POIEMA. Pelotas: 08 de dez. 2025. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/poiema/jaime-i-de-aragao-1208-1276-notas-sobre-um-conquistador Acesso em: data em que você acessou o artigo.