Entrevista com a Diretora do CCSO, Administradora, Professora e Doutora em Administração, Isabel Rasia

 

 

ENTREVISTA ISABEL RASIA PARA O “PAPO DE GESTÃO”

 

Alisson Maehler: Então, nós vamos fazer uma entrevista com a professora Isabel. Nós temos um projeto de extensão chamado papo de gestão, nosso projeto de extensão. Lá nós temos um perfil do gestor, que a ideia é mostrar para os alunos o perfil de vida mais geral, não só acadêmico, dos gestores das mais diversas áreas: gestores de turismo, gestores públicos, gestores privados, gestores acadêmicos, para motivar os alunos e eles verem os diferentes perfis.

Isabel Rasia: Sim

Alisson Maehler: Então Isabel, nós queremos começar com a primeira pergunta: poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória na gestão? Como ela começou e como você foi parar nessa atividade?

Isabel Rasia: Então, quando eu me formei e estava no último ano da Administração na FURG […] abriu uma vaga no hospital de Clínicas para trabalhar como Gestor em Saúde. […] E eu fui participar, os melhores alunos de duas Universidades puderam fazer essas provas, alunos da FURG e da UCPEL. Foi uma seleção de duas semanas…., a gente fez provas escritas, e outras provas técnicas de conhecimento e também psicotécnicas e de perfil. Eles queriam uma pessoa proativa, determinada, detalhista […] Queriam alguém que não tivesse vícios anteriores de trabalhos de muito tempo, que fosse jovem, flexível, adaptável. Então fui selecionada e entrei para o hospital. Na época eu não gostava da área hospitalar, nunca foi o meu sonho de vida, nunca foi o “eu vou me formar e vou ser gestora hospitalar”, […] foi o emprego que eu consegui e eu precisava de um emprego logo.

Eu não entrei ganhando como técnica […] trabalhei como trainee durante um ano inteiro […]. Tinha uma UTI que era pequena e ainda fora dos padrões nacionais do Ministério da Saúde, enfim, fui passando por bloco cirúrgico, pronto socorro, UTI Pediátrica, clínica médica, clínica cirúrgica, clínica obstétrica, clínica pediátrica, ambulatório geral de especialidades e depois toda a parte do centro de exames e de gestão.

Daí eu peguei já comecei no financeiro, depois com a gestão do centro de exames, farmácia e almoxarifado. Trabalhei com o primeiro e segundo andar, que eram ambulatório e pronto socorro.

Esse trabalho era dirigido de acordo com a orientação da Fundação São Camilo que a época dirigia o hospital. Fui desenvolvendo as minhas aptidões, e habilidades, enfim, aprendendo e estudando muito, tive que estudar muito mais sobre custos, custos hospitalares, legislação e assistência médica e de enfermagem. […] Bom, isso foi no início e eu era muito jovem, com cara de menininha. Eu sempre conto a história de que eu usava roupas da época pra minha idade com cabelo comprido, uma trança pro lado porque era moda. Tentava me vestir como todas as outras meninas da minha idade.

Só que como eu ocupava cargo de gestão com muitos funcionários, e normalmente gerenciava pessoas com maior idade, as vezes eu não passava a imagem de credibilidade, me diziam. Eu tinha conhecimento, a postura adequada, mas eu não passava uma imagem que esperavam de mim, e isso foi um dos entraves pelos quais passei. […]

[…] E aí eu fui fazendo parceria com os médicos, porque trabalhar na gestão hospitalar precisa ter uma boa relação de comunicação com os médicos, se não tiver uma boa comunicação nada funciona dentro do hospital, com a enfermagem eu tinha porque eram minhas colegas, a gente fazia os cursos juntos e nos ajudávamos em todas as situações difíceis que enfrentávamos.

O hospital é um local em que se aprende a trabalhar em equipe, porque nada é resolvido individualmente, o trabalho das equipes multidisciplinares são fundamentais e se complementam […] e a gente consegue trabalhar e aprender mais e a se desenvolver nas questões pessoais. É um grande aprendizado de amor a vida e as coisas que devemos valorizar. Se aprende a minimizar os problemas, pois a vida e a saúde são prioritárias sempre!

[…] E aí eu fui cada vez mais evoluindo, aprendendo, assumindo responsabilidades, fui ampliando o meu escopo, e logo tomei responsabilidades maiores como gerente no hospital. E já prestava, consultoria para os outros hospitais da região. Sendo, inclusive, convidada a trabalhar para outros hospitais na região. Durante todo esse tempo de gestão, eu dava aulas nas Universidades de Pelotas, trabalhei na Anhanguera, na Católica, no Senac, na Unopar, e em diversos cursos técnicos. Uma rotina de trabalho de 12 horas por muitos anos.

Trabalhei na área da saúde, depois eu fui trabalhar como Gerente no Setor Público, Gerente de Serviços de Saúde da Faculdade de Medicina – FAMED/UFPEL, era esse o meu cargo de nível superior, técnico na UFPel. Eu fiz o concurso para trabalhar como gerente no Hospital Escola, mas acabei assumindo na FAMED onde trabalhei durante seis anos, enquanto isso eu continuava ministrando aula nas faculdades da região tanto na graduação quanto na Pós-graduação, e busquei maior formação como o Doutorado. Pois sou administradora com três especializações, um mestrado na área da saúde, e um doutorado em Administração.

Então a minha trajetória até a UFPEL é essa. Fora isso, fiz inúmeras consultorias para empresas e projetos […] dentro dessa trajetória de trabalho eu nunca parei de estudar em nenhum momento, fiz mestrado com filha mamando no peito, trabalhando doze horas ao dia, porque não tive afastamento para estudar. O hospital me liberava no horário da aula e eu trabalhava sábado e domingo pra compensar, ficava de plantão.

Eu tinha sido na UFPEL professora substituta por duas vezes. Mas não conseguia fazer o concurso para efetiva. Eu já tinha desistido de dar aula na UFPEL, pois a minha formação não fechava com os editais que saiam de concurso. […] Quando tive a oportunidade e consegui participar de um concurso, passei para professora efetiva. […] De repente eu recebi uma ligação aqui da Universidade dizendo que tinha a possibilidade de me chamar, aquilo veio como um susto e uma alegria imensa. Aí eu digo: “gente, agora eu vou ser professora, pesquisadora, porque eu gosto da pesquisa, sempre gostei, só que eu nunca tive o tempo necessário pra me dedicar. […]

Em 20 dias após a posse nessa Universidade eu ocupei cargo que foi o cargo […] como chefe de departamento. Do cargo de chefe de departamento eu passei para coordenadora do curso de Gestão Pública e depois para Diretora. Quando eu sair da direção eu realmente precisarei me reinventar, porque nunca estive em outra posição que não fosse de gestão, isso está em mim, faz parte do que eu sou. Essa é uma preocupação que eu tenho para o futuro, de aprender a ser docente, pesquisadora. Docente sempre fui e amo de paixão, meu primeiro emprego aos 14 anos foi docente de curso particular de matemática e física. Adoro o aluno, adoro a graduação, adoro a pós-graduação, adoro estar em sala de aula conversando com as turmas, acho essa interação maravilhosa, eu aprendo tanto quanto ensino. O problema é que eu nunca fui só docente, eu sempre estive em cargo e a gestão é viciante.

 Alisson Maehler: […] Consegue observar pontos comuns e divergentes na atuação na gestão pública e na gestão privada?

Isabel Rasia: Mais divergentes mais do que convergentes. Divergentes pois na iniciativa privada a gente trabalha muito com metas e resultados rápidos. Os recursos são limitados e a prestação de contas é mensal ou diária em muitos casos. Isso gera um stress para cumprir com o planejamento e com as pactuações com a Direção. Depende de uma gestão muito ágil, eficiente e que saiba controlar o peso das inúmeras funções e responsabilidades. No Setor Público também temos metas, controles e indicadores, mas eles são pactuados de acordo com as normativas e leis, e os prazos são mais adequados ao atingimento dos resultados. Temos mais tempo para planejar, organizar e priorizar as ações, pois o objetivo é prestar o melhor serviço à população e não o lucro e alta performance como no privado.

Gestão de pessoas na mesma situação, com uma divergência importante que na iniciativa privada […]

Acho que a iniciativa privada temos mais atividades em menor tempo. No Serviço Público, nós temos todo um regramento de leis e normas que temos que seguir e cumprir e que pode nos deixar um pouco mais lentos no desempenho das atividades […] Mas em ambas as modalidades de trabalho tem outras coisas que são frágeis e que precisam ser melhoradas como a valorização dos profissionais, melhores salários, enfim, plano de cargos e salários (privado), participação em lucratividade (privado) ascensão na carreira (em ambos).[…] poderia ficar falando horas aqui sobre isso […]

[…] Também acho que o serviço público é muito mais voltado às pessoas, e está focado em atender as pessoas e aos relacionamentos interpessoais. Na iniciativa privada tem toda a priorização dos recursos financeiros que por vezes pode se sobrepujar ao pensar o coletivo.

Alisson Maehler: E quais foram os teus principais desafios enquanto gestora e como é que tu os enfrentou?

Isabel Rasia: Os principais desafios… primeiro na iniciativa privada foram dois que eu acho que me acompanharam por esses 30 anos de gestão: foi a gestão de pessoas, e a gestão dos conflitos organizacionais […] procuro sempre olhar toda a história, por todos os lados, antes de tomar um posicionamento, isso é algo muito importante para mim, e que o gestor precisa entender e tomar as decisões cabíveis, que não são fáceis. Assumir seus atos e tentar construir um ambiente ético e de trabalho saudável é importante para mim. Pois entendo claramente que o trabalho é uma parte importante da minha vida, mas não é a mais importante.

Então eu consegui aprender isso muito rápido, de analisar todas as situações, de segurar o tranco na adversidade. Pois nos teus acertos, poucos reconhecem, mas quando se erra, as críticas são duras, são fortes e doídas. Eu consigo suportar bem essas situações, e tento não levar para o lado pessoal. Pois muitos que criticam muito ou todas as tuas ações, não fizeram ou construíram uma carreira sólida e bem sucedida como a minha. Pois eu estou com mais de 30 anos trabalhando como gestora (sendo 20 anos no setor privado e agora mais de 10 no Público), com a gestão de pessoas e para as pessoas, de processos, de recursos, e isso só se constrói sendo competente no que se faz.

Eu estou muito feliz como gestora na UFPEL, me sinto realizada, plena, eu sei qual é o meu papel e o que me compete. Tenho muito apoio e tento construir um bom ambiente de trabalho, com um trabalho em equipe, transparente e dialogado. […]

O que eu aprendi com tudo isso… que ser gestora requer humildade, trabalhar para as pessoas e com as pessoas, que não se detém o conhecimento de todas as coisas e situações, e que precisamos buscar entender em conjunto aos envolvidos, com discussão e diálogo sempre. Mas que cabe a gestão se posicionar, tomar as decisões necessárias e assumir o ônus e o bônus do cargo que ocupa. Fazer as coisas acontecerem no dia-a-dia da melhor forma para todos(as).

[…] Se eu fosse dizer uma qualidade minha […] é ser uma pessoa extremamente determinada e proativa, que consegue resolver problemas e conflitos com facilidade. Não estou dizendo que eu me saio bem em todas as situações, mas não me afeto psicologicamente com elas e isso foi um aprendizado de longos anos. Adoro trabalhar em equipe e aprender sempre.

Alisson Maehler: E quais as principais oportunidades que você teve e foram vivenciadas por ti na gestão, que tu tiveste e aproveitaste?

Isabel Rasia: Eu aproveito todas as oportunidades, isso é uma característica minha. Se tem uma oportunidade por aí e eu vejo que naquilo eu poderia contribuir, poderia desempenhar/fazer bem, ou é um upgrade enquanto profissional, enquanto ser humano que precisa evoluir, eu não vou deixar passar. Eu sou uma pessoa que não perde oportunidades, quando elas aparecem eu analiso a situação: “Isso me faz feliz? Poderia fazer? Eu vou conseguir desempenhar essa função? Eu encaro na hora. Desafios novos me estimulam.

Alisson Maehler: E quais as principais (oportunidades) que tu tiveste nessa área de gestão?

Isabel Rasia: Acho que todas as coisas que construí e que não foram poucas, as mudanças e desafios que encarei, os cargos que eu ocupei e me mantive por longos períodos […] também sou vista dentro da UFPEL, pois fui convidada por duas frentes para compor chapa para Reitoria no passado. Isso mostra que o meu trabalho aparece não só no CCSO, mas também pra toda uma comunidade. Percebo que nossas ações reverberam….. as pessoas comentam “ó lá funciona, lá tem isso, lá é assim” e isso vai tomando uma proporção que a gente não tem conhecimento, só se percebe quando acontecem convites e comentários pelo trabalho realizado. Mas eu estou muito feliz na Direção do CCSO, e aqui ficarei até quando a unidade quiser.

Alisson Maehler: E como é assim, pra ti, ser mulher em cargo de gestão, consegue perceber diferenças ou semelhanças até pelo o que você já falou um pouco no começo, era por ser mais nova, e por ser mulher em cargo de gestão, como é que tu vês isso?

Isabel Rasia: Por ser mulher em cargo de gestão, eu acho que somos mais fragilizadas, não no sentido de competência ou de conhecimento, mas no sentido de que ainda existe um machismo estrutural nessa sociedade que sempre está velado, temos que provar o nosso valor, conhecimento, competência muito mais que um homem no mesmo lugar, […], quando jovem eu só conseguia ser respeitada quando eu mostrava muito conhecimento, ética e muito profissionalismo. A formalidade que trabalho vem disso. Aprendi que a formalidade é uma forma de proteção e que me garante um espaço de discussão.

Alisson Maehler: E você acha que essas barreiras foram diminuindo ao longo do tempo de forma geral?

Isabel Rasia: Sim, diminuíram bastante, hoje a mulher ocupa os cargos que ela quiser concorrer. Ainda existe situações de machismo, existe. […] Mas estamos mostrando nossa competência e visão, com maior facilidade do que a 30 anos atrás.

[…]. Enfim, a gente tem que lutar mais, sempre. A mulher se esforça mais, se esforça para falar a mesma coisa que o homem – para ser realmente ouvida -, as vezes precisa ser muito insistente… […].

Alisson Maehler: E pra finalizar a nossa entrevista, gostaria de deixar algum recado aos nossos futuros gestores ou sobre gestão de forma geral?

Isabel Rasia: […] SIM! Acredite nos seus sonhos, não percam as oportunidades que se apresentarem, se capacitem ao longo do caminho, e coloquem muita dedicação e esforço em tudo o que forem fazer.

Sempre fiquei muito feliz com as minhas conquistas, por menores que fossem, aliás, eu bato palmas pra mim […] me dou um momento de comemoração, pode ser bem pequenininho, porque isso me motiva a seguir em frente. Me permito errar, e tento aprender com os erros. Tento melhorar dentro do possível sempre, busco apoio e trabalhar em parceria com outras pessoas, pois sozinha não se consegue nada.

Nessa minha história até esse momento, tive a felicidade de encontrar pessoas maravilhosas com quem eu trabalhei, aprendi e me ajudaram. Eu adorei todos os locais em que trabalhei, eu não sei se é porque gosto do que eu faço, mas sempre me senti bem no trabalho […].

Francielle Molon: Vou aproveitar pra fazer uma última pergunta, como é que tu dirias ou caracterizarias a Isabel gestora, quem é a Isabel gestora?

Isabel Rasia: A Isabel gestora é uma pessoa que gosta do trabalho que faz, é muito determinada, proativa, que tem uma capacidade de trabalho muito grande […] que gosta de trabalhar com pessoas e para as pessoas, que tem facilidade de resolver conflitos e situações difíceis e é uma pessoa que está sempre aberta a aprender.

Alisson Maehler: e quando se aposentar?

Isabel Rasia: Pois é, eu nem fiz um (plano) pra aposentadoria, eu sou meio “workaholic”, não vislumbro ainda a aposentadoria, mas um dia eu vou ter que me aposentar, a gente envelhece. Mas eu gosto muito do meu trabalho, adoro estar em cargo de gestão e acho que eu faço bem o que eu faço né, é o que sei fazer, é parte de quem eu sou….

Francielle Molon: Então é isso, muitíssimo obrigada!!

Isabel Rasia: Obrigada!!