SOBRECARGA EMOCIONAL E AFETIVA DO CUIDADOR FAMILIAR

Nenhum estado de saúde é permanente, e, quando pensamos nisso, percebemos que independente da idade, gênero ou etnia, qualquer pessoa está sujeita a passar por um processo de adoecimento. Com isso, os familiares que estão mais próximos acabam exercendo o papel de cuidador, tendo que atender as necessidades básicas diárias do acometido. 

Convém, no entanto, compreendermos que este cuidador muitas vezes se dedica exclusivamente aos cuidados de seu familiar, deixando por alguns momentos sua individualidade e em certos aspectos não se vê mais, pois a única pessoa que enxerga é o familiar enfermo. Além disso, notamos que seu bem-estar está atrelado ao bem-estar da pessoa cuidada.

Neste sentido, há uma grande sobrecarga emocional e afetiva que precisa ser considerada, pois quem realiza todos os cuidados, se envolve diretamente com as dores, aflições e a própria dependência e comprometimento que o familiar pode apresentar. 

Diante disto, se faz necessário que as pessoas que cercam o cuidador possam servir de apoio, ouvindo e revezando nos cuidados ao familiar a fim de aliviar a carga e dividir as responsabilidades, oportunizando momentos de cuidado de si ao cuidador, o qual renuncia para assumir tal função.

 

Autora:Yane Varela Domingues

Coautores: Lázaro Otavio Amaral Marques e Olivia Natália da Silva Velloso

 

COMPREENSÃO DOS MEMBROS DA FAMÍLIA FRENTE ÀS DIFICULDADES DO CUIDADOR

O processo de adoecimento de um membro da família é cercado de desafios, pois o núcleo familiar precisa se reorganizar e se programar para atender as demandas dessa pessoa que outrora era independente e tinha uma vida ativa, e agora precisa de auxílio em seus próprios cuidados.

Com o desenvolvimento da doença e das diversas atribuições que o cuidador assume, nota-se que a maioria das responsabilidades ficam destinadas apenas a um membro da família, tornando-se o principal representante a ter que suprir as necessidades emocionais, afetivas, cuidados em relação a higiene e alimentação do ente acometido.

Diante dessa realidade, observa-se que falta compreensão e colaboração dos demais familiares para prestar e contribuir com o cuidado necessário  ao familiar, de modo que gera uma sobrecarga emocional, psicológica e física resultando no comprometimento a saúde do cuidador e afetando nos cuidados prestados. Em outras palavras, àquele que se encontra distante do cuidado direto ao paciente, e que chega para criticar a forma de dieta, de higiene, de organização, não está contribuindo com a dinâmica do cuidado, e sim, apenas, contribuindo para a sobrecarga do cuidador.  

Convém, portanto, que a família seja a rede de apoio, para que estes membros se sintam abertos para aliviar a carga emocional de um cuidador, assumindo algumas tarefas ou turnos de cuidado, para que o cuidador principal possa também ter tempo para si.

Autora: Yane Varela Domingues

Coautores: Lázaro Otávio Amaral Marques e Olivia Natália da Silva Velloso

TESTEMUNHO DE UMA CUIDADORA

“Quando se tem saúde, nem sempre nos preocupamos em celebrar a vida de maneira a valorizar o que importa. Na vida não há retorno, e dificilmente alguém não lastima o passado que poderia ter sido diferente. Em um momento de doença, essas constatações são como ferro em brasa nas nossas mentes, acabam muitas vezes ferindo mais do que a doença em si. Conosco, eu e meu marido, foi assim também.

Eu precisei me afastar do meu trabalho de professora, pois não podia conciliar minha profissão com os cuidados ao meu marido. De professora, eu me tornei cuidadora. De ensinante, passei a aprendiz. Não foi fácil para mim, que não tinha a menor experiência com cuidados a pessoas doentes, não sabia como seria dali para frente, mas foi necessário. A pessoa que eu amava precisava de mim, era a hora de eu cuidar dele.

Quando você se torna cuidadora, tem que abrir mão de si mesma para dar atenção à pessoa que precisa de você. As coisas que você quer podem esperar; já as coisas que o paciente precisa são prioridade, não podem ser deixadas para depois. Há dias em que você se sente exausta, sem forças para prosseguir; dias em que você chora e lamenta o destino; dias em que você fica achando-se uma coitada que precisa ouvir coisas que não quer, fazer coisas que não aprendeu ou não gosta; dias em que você sonha com a vida que ficou para trás e deseja retomar; dias em que você se esforça ao máximo e nada dá certo; dias em que você precisa engolir a aflição e o choro, para não deixar transparecer ao paciente sua preocupação. São dias em que você não vai querer ser você.

Há também dias em que tudo vai parecer fácil. Nesses dias, você vai sorrir quando ver a pessoa cuidada bem disposta; vai conseguir assistir ao seu programa de tevê favorito, ler aquele livro que está empoeirado na estante esperando você; vai pensar que a cura está próxima e acreditar que a vida está lhe sorrindo novamente.

Cuidei do meu marido. Aprendi a fazer curativos, trocar e limpar bolsa de colostomia, ministrar medicação, retirar e fechar o acesso de medicação, retirar o acesso endovenoso quando acabava algum tratamento prolongado feito em casa. Aprendi também a silenciar quando ele estava irritado, buscar maneiras de dar-lhe conforto, pressentir quando ele não estava bem, fazer-lhe singelas surpresas, tentar de alguma forma amenizar a dor que ele estava passando. Aprendi ainda a sufocar a minha dor ao vê-lo perdendo suas forças, criando uma máscara imaginária que usava quando as coisas não estavam bem, mas eu não queria que ele percebesse.

Minha máscara imaginária era utilizada diariamente, pelo menos três vezes ao dia, quando tínhamos que abrir o enorme curativo em seu abdômen aberto. Era uma ferida bastante extensa, de onde saíam secreções e muitas vezes faziam parecer que os curativos não estavam sendo bem feitos. Dia após dia aquela ferida ia crescendo, os curativos ficando maiores, a doença avançando. Quando se tem uma doença interna, você não sabe o que tem dentro do seu corpo e não fica tão assustado. No nosso caso, pelo menos três vezes ao dia tínhamos que ficar frente e frente com a doença, nós víamos a doença crescendo, e não havia nada a ser feito, além de esperar e confiar que aconteceria a cura.

Sim, eu fui cuidadora por quase três anos. Fui esposa, companheira, às vezes fui bruxa, outras fui fada. Ele dizia que minhas mãos eram milagrosas e tiravam-lhe a dor quando eu o tocava; dizia também que eu era um anjo na sua vida, que sem mim ele não suportaria tanto sofrimento. Ao longo do período da doença, procurei fazer o melhor para ele. Mais do que aprender a cuidar dele, aprendi que a vida não espera, você precisa viver o que deseja, não deixar para depois, pois o depois pode não chegar.

Apenas uma coisa não aprendi, que é viver sem ele. Meus dias são tristes, saudosos de um tempo que não voltará. Uma grande amiga um dia me disse que, se pudéssemos retornar ao passado, certamente faríamos tudo igual novamente. Acredito que ela tem razão, pois a vida não tem rascunho, não podemos saber o que faremos antes de estarmos naquela situação; podemos imaginar, mas só saberemos de fato quando vivermos os acontecimentos.

Se me fosse dada uma chance de reviver aquele período, penso que de fato faria tudo igual e depois lamentaria os equívocos, como hoje lamento. Por isso, dirijo-me a você, que hoje é uma cuidadora ou cuidador: abrir mão de si para proteger quem você ama é a melhor coisa que você pode fazer da sua vida. Não desperdice seu tempo com lamentos, corrija seus erros enquanto é tempo, demonstre amor nos pequenos gestos, adapte-se à vida que você tem que viver, deixe seu paciente fazer o que ele considera-se capaz de fazer e não tenha medo das consequências, acumule momentos de afeto para serem relembrados nos momentos em que a saudade apertar, tenha coragem para enfrentar seus medos e incertezas, faça tudo sem reclamar, vigie suas emoções para não se deixar dominar por elas e fazer sua carga mais pesada. Acima de tudo, AME a vida que você tem, pois, por pior que ela seja, é a vida que lhe foi dada, e você precisa vivê-la da melhor forma que conseguir.” KRSC

 

DEPOIMENTO DE UMA CUIDADORA FAMILIAR

“Sempre tive esse dom de cuidar os outros, as vezes fizemos deste cuidar o que o sentimento nos faz envolvidos pela dor e sofrimento daqueles que tanto amamos e realmente esquecemos de nós mesmos. A sobrecarga emocional é muito grande, ou queremos fazer tudo sozinhos, com a melhor qualidade de vida para o doente. Ou as vezes somos abandonados pelos outros familiares, pois caem fora das responsabilidades e esquecem que qualquer ser humano tem suas fragilidades. Hoje eu cuido do outro, amanhã eu vou precisar de cuidados se eu não me cuidar em todos os aspectos. Depois que recebi orientação do Projeto de Extensão “Um olhar sobre o cuidador familiar: quem cuida merece ser cuidado”, consegui me organizar e amenizar bastante o cuidado com o ente querido, com este apoio. Gostaria de poder ajudar as pessoas que passam com seus familiares o que passei. Já me ofereci em vários lugares, para de alguma forma passar experiência da qual eu eu experimentei ao longo da enfermidade da minha querida mãe. Depois de sua partida, já cuidei dois pacientes sem nenhum vínculo familiar, mas o amor é o mesmo. Porque todo o ser humano está sujeito a passar por uma enfermidade. Então faz aos outros o que gostarias que fizeste para ti. Este é o meu lema. Beijos”. Graça Tavares Borck

Privações sociais, pessoais e ocupacionais em cuidadores familiares

Deparar-se com um familiar doente, não é algo desejado, nem algo pensado antes da situação acontecer. Entretanto, essa realidade pode ocorrer ao longo do ciclo natural da vida. Nessas circunstâncias, entra em cena o cuidador familiar. Um cuidador familiar é aquela pessoa próxima do enfermo que se responsabiliza pelos cuidados, tanto de cunho físico, como banhos, trocas de roupas, administração de medicações e outros procedimentos técnicos que podem ser realizados por cuidadores; como também, demais cuidados que envolvem aspectos mais burocráticos, como idas e vindas aos serviços de saúde, acesso a medicações, receitas, internações. Embora nem sempre aconteça, o cuidado pode ser compartilhado com mais de uma pessoa.

Por vezes, o cuidador familiar acaba mudando totalmente sua rotina, visando o atendimento das necessidades do doente. Em algumas situações, deixa o emprego (demissão, férias, licença-saúde), deixa de realizar visitas aos amigos, abdica do lazer no final de semana. Na maioria dos casos, há apenas um cuidador, porque não há outra pessoa que possa assumir essa tarefa, ou o cuidador acha que não deve solicitar ajuda. Outra questão, comum nas famílias, está relacionada aos limites financeiros, uma vez que contratar cuidadores acaba pesando no orçamento mensal.

O doente é o foco das atenções, contudo, além dele existe o cuidador, que deixou seu emprego, seus amigos, seus passeios, sua rotina e o cuidado consigo mesmo, para realizar cuidados com o próximo. Perguntas ao cuidador, que podem levar a essa reflexão são: quando foi a última vez que você realizou exames para prevenção de sua saúde? Quantas vezes no mês você dedicou um momento para si?

O cuidador acaba se privando de atenção consigo mesmo, porque pensa que poderá ser julgado por queixar-se da tarefa de cuidar. Portanto, os cuidadores precisam buscar espaços e atividades para si, delegando o cuidado a outro membro da família, pelo menos, uma vez por semana, a fim de encontrar amigos, desenvolver uma atividade de lazer, relaxar, espairecer. Tal movimento pode evitar que o cuidador venha a tornar-se um segundo paciente.

Autores: Melissa Hartmann1; Fernanda Eisenhardt de Mello1; Stefanie Griebeler Oliveira2; Franciele Roberta Cordeiro2; Adrize Rutz Porto2

  1. Acadêmicas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
  2. Professoras da Faculdade de Enfermagem/UFPEL