TESTEMUNHO DE UMA CUIDADORA

“Quando se tem saúde, nem sempre nos preocupamos em celebrar a vida de maneira a valorizar o que importa. Na vida não há retorno, e dificilmente alguém não lastima o passado que poderia ter sido diferente. Em um momento de doença, essas constatações são como ferro em brasa nas nossas mentes, acabam muitas vezes ferindo mais do que a doença em si. Conosco, eu e meu marido, foi assim também.

Eu precisei me afastar do meu trabalho de professora, pois não podia conciliar minha profissão com os cuidados ao meu marido. De professora, eu me tornei cuidadora. De ensinante, passei a aprendiz. Não foi fácil para mim, que não tinha a menor experiência com cuidados a pessoas doentes, não sabia como seria dali para frente, mas foi necessário. A pessoa que eu amava precisava de mim, era a hora de eu cuidar dele.

Quando você se torna cuidadora, tem que abrir mão de si mesma para dar atenção à pessoa que precisa de você. As coisas que você quer podem esperar; já as coisas que o paciente precisa são prioridade, não podem ser deixadas para depois. Há dias em que você se sente exausta, sem forças para prosseguir; dias em que você chora e lamenta o destino; dias em que você fica achando-se uma coitada que precisa ouvir coisas que não quer, fazer coisas que não aprendeu ou não gosta; dias em que você sonha com a vida que ficou para trás e deseja retomar; dias em que você se esforça ao máximo e nada dá certo; dias em que você precisa engolir a aflição e o choro, para não deixar transparecer ao paciente sua preocupação. São dias em que você não vai querer ser você.

Há também dias em que tudo vai parecer fácil. Nesses dias, você vai sorrir quando ver a pessoa cuidada bem disposta; vai conseguir assistir ao seu programa de tevê favorito, ler aquele livro que está empoeirado na estante esperando você; vai pensar que a cura está próxima e acreditar que a vida está lhe sorrindo novamente.

Cuidei do meu marido. Aprendi a fazer curativos, trocar e limpar bolsa de colostomia, ministrar medicação, retirar e fechar o acesso de medicação, retirar o acesso endovenoso quando acabava algum tratamento prolongado feito em casa. Aprendi também a silenciar quando ele estava irritado, buscar maneiras de dar-lhe conforto, pressentir quando ele não estava bem, fazer-lhe singelas surpresas, tentar de alguma forma amenizar a dor que ele estava passando. Aprendi ainda a sufocar a minha dor ao vê-lo perdendo suas forças, criando uma máscara imaginária que usava quando as coisas não estavam bem, mas eu não queria que ele percebesse.

Minha máscara imaginária era utilizada diariamente, pelo menos três vezes ao dia, quando tínhamos que abrir o enorme curativo em seu abdômen aberto. Era uma ferida bastante extensa, de onde saíam secreções e muitas vezes faziam parecer que os curativos não estavam sendo bem feitos. Dia após dia aquela ferida ia crescendo, os curativos ficando maiores, a doença avançando. Quando se tem uma doença interna, você não sabe o que tem dentro do seu corpo e não fica tão assustado. No nosso caso, pelo menos três vezes ao dia tínhamos que ficar frente e frente com a doença, nós víamos a doença crescendo, e não havia nada a ser feito, além de esperar e confiar que aconteceria a cura.

Sim, eu fui cuidadora por quase três anos. Fui esposa, companheira, às vezes fui bruxa, outras fui fada. Ele dizia que minhas mãos eram milagrosas e tiravam-lhe a dor quando eu o tocava; dizia também que eu era um anjo na sua vida, que sem mim ele não suportaria tanto sofrimento. Ao longo do período da doença, procurei fazer o melhor para ele. Mais do que aprender a cuidar dele, aprendi que a vida não espera, você precisa viver o que deseja, não deixar para depois, pois o depois pode não chegar.

Apenas uma coisa não aprendi, que é viver sem ele. Meus dias são tristes, saudosos de um tempo que não voltará. Uma grande amiga um dia me disse que, se pudéssemos retornar ao passado, certamente faríamos tudo igual novamente. Acredito que ela tem razão, pois a vida não tem rascunho, não podemos saber o que faremos antes de estarmos naquela situação; podemos imaginar, mas só saberemos de fato quando vivermos os acontecimentos.

Se me fosse dada uma chance de reviver aquele período, penso que de fato faria tudo igual e depois lamentaria os equívocos, como hoje lamento. Por isso, dirijo-me a você, que hoje é uma cuidadora ou cuidador: abrir mão de si para proteger quem você ama é a melhor coisa que você pode fazer da sua vida. Não desperdice seu tempo com lamentos, corrija seus erros enquanto é tempo, demonstre amor nos pequenos gestos, adapte-se à vida que você tem que viver, deixe seu paciente fazer o que ele considera-se capaz de fazer e não tenha medo das consequências, acumule momentos de afeto para serem relembrados nos momentos em que a saudade apertar, tenha coragem para enfrentar seus medos e incertezas, faça tudo sem reclamar, vigie suas emoções para não se deixar dominar por elas e fazer sua carga mais pesada. Acima de tudo, AME a vida que você tem, pois, por pior que ela seja, é a vida que lhe foi dada, e você precisa vivê-la da melhor forma que conseguir.” KRSC

 

DEPOIMENTO DE UMA CUIDADORA FAMILIAR

“Sempre tive esse dom de cuidar os outros, as vezes fizemos deste cuidar o que o sentimento nos faz envolvidos pela dor e sofrimento daqueles que tanto amamos e realmente esquecemos de nós mesmos. A sobrecarga emocional é muito grande, ou queremos fazer tudo sozinhos, com a melhor qualidade de vida para o doente. Ou as vezes somos abandonados pelos outros familiares, pois caem fora das responsabilidades e esquecem que qualquer ser humano tem suas fragilidades. Hoje eu cuido do outro, amanhã eu vou precisar de cuidados se eu não me cuidar em todos os aspectos. Depois que recebi orientação do Projeto de Extensão “Um olhar sobre o cuidador familiar: quem cuida merece ser cuidado”, consegui me organizar e amenizar bastante o cuidado com o ente querido, com este apoio. Gostaria de poder ajudar as pessoas que passam com seus familiares o que passei. Já me ofereci em vários lugares, para de alguma forma passar experiência da qual eu eu experimentei ao longo da enfermidade da minha querida mãe. Depois de sua partida, já cuidei dois pacientes sem nenhum vínculo familiar, mas o amor é o mesmo. Porque todo o ser humano está sujeito a passar por uma enfermidade. Então faz aos outros o que gostarias que fizeste para ti. Este é o meu lema. Beijos”. Graça Tavares Borck

Privações sociais, pessoais e ocupacionais em cuidadores familiares

Deparar-se com um familiar doente, não é algo desejado, nem algo pensado antes da situação acontecer. Entretanto, essa realidade pode ocorrer ao longo do ciclo natural da vida. Nessas circunstâncias, entra em cena o cuidador familiar. Um cuidador familiar é aquela pessoa próxima do enfermo que se responsabiliza pelos cuidados, tanto de cunho físico, como banhos, trocas de roupas, administração de medicações e outros procedimentos técnicos que podem ser realizados por cuidadores; como também, demais cuidados que envolvem aspectos mais burocráticos, como idas e vindas aos serviços de saúde, acesso a medicações, receitas, internações. Embora nem sempre aconteça, o cuidado pode ser compartilhado com mais de uma pessoa.

Por vezes, o cuidador familiar acaba mudando totalmente sua rotina, visando o atendimento das necessidades do doente. Em algumas situações, deixa o emprego (demissão, férias, licença-saúde), deixa de realizar visitas aos amigos, abdica do lazer no final de semana. Na maioria dos casos, há apenas um cuidador, porque não há outra pessoa que possa assumir essa tarefa, ou o cuidador acha que não deve solicitar ajuda. Outra questão, comum nas famílias, está relacionada aos limites financeiros, uma vez que contratar cuidadores acaba pesando no orçamento mensal.

O doente é o foco das atenções, contudo, além dele existe o cuidador, que deixou seu emprego, seus amigos, seus passeios, sua rotina e o cuidado consigo mesmo, para realizar cuidados com o próximo. Perguntas ao cuidador, que podem levar a essa reflexão são: quando foi a última vez que você realizou exames para prevenção de sua saúde? Quantas vezes no mês você dedicou um momento para si?

O cuidador acaba se privando de atenção consigo mesmo, porque pensa que poderá ser julgado por queixar-se da tarefa de cuidar. Portanto, os cuidadores precisam buscar espaços e atividades para si, delegando o cuidado a outro membro da família, pelo menos, uma vez por semana, a fim de encontrar amigos, desenvolver uma atividade de lazer, relaxar, espairecer. Tal movimento pode evitar que o cuidador venha a tornar-se um segundo paciente.

Autores: Melissa Hartmann1; Fernanda Eisenhardt de Mello1; Stefanie Griebeler Oliveira2; Franciele Roberta Cordeiro2; Adrize Rutz Porto2

  1. Acadêmicas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
  2. Professoras da Faculdade de Enfermagem/UFPEL

Lian Gong: prática terapêutica corporal

O Lian gong consiste em:

-técnica terapêutica e de cultura física, que permite o movimento pleno e harmonioso do corpo.

-O conjunto de exercícios são direcionados à prevenção e tratamento de dores no pescoço, ombros, cintura, pernas, entre outras doenças crônicas.

-A técnica está ligada a antigos exercícios terapêuticos, artes guerreiras tradicionais, técnicas de massagem e manobras manuais aos conhecimentos da medicina moderna e atual. Mobiliza o Nei jing (força interna) e ajuda a obter a percepção sensorial do Qi (energia) (YAEDU, 2007).

Nei jing não pode ser visto, mas sentido.

Ele em movimento gera calor, ardume, cansaço na região trabalhada, indicando a atuação terapêutica de desbloqueamento do Qi e Xue.

Esta prática é ofertada na Unidade Cuidativa, nas quintas-feiras as 17:10. Não precisa de agendamento, pois a prática em grupo. O enderenço da Unidade Cuidativa é na Av. Duque de Caxias, 112 (antiga Laneira).

Para acessar um vídeo da prática realizada lá, clique em: https://www.youtube.com/watch?v=vPqMhNwxfZQ

Referências

Yaedu SY. Curso de Atualização em Lian Gong. Porto Alegre: Faculdade Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos (CBES), 2007.

A sobrecarga do cuidador familiar no cuidado domiciliar

A necessidade de um cuidador familiar no domicílio, atualmente, é bastante presente na sociedade, especialmente quando há algum membro da família doente em acompanhamento por equipes da atenção domiciliar. Tal fato deve-se ao aumento da expectativa de vida nos últimos anos. Esse fenômeno impacta na qualidade de vida de adultos e idosos, que necessitam cada vez mais de cuidados devido o aumento das doenças crônicas.

As pessoas que se disponibilizam para realizar o cuidado no domicílio, por vezes, possuem pouco acesso às informações e capacitações. Quando isso ocorre, antes de uma alta hospitalar, por exemplo, pode haver dificuldade de entendimento de todas as informações fornecidas acerca do cuidado a ser prestado, uma vez que o possível cuidador está assimilando as notícias sobre a doença e a situação do paciente, refletindo sobre como será a (re)organização para o cuidado domiciliar. Assim, a transformação na vida do novo cuidador faz com que ele tente se adaptar a rotina e aos encargos do dia a dia, relegando a segundo plano o cuidado de si.

Com isso, a qualidade de vida do cuidador é afetada, envolvendo fatores como a saúde física, o estado psicológico, os níveis de independência, os relacionamentos sociais, o padrão espiritual, entre outros, implicando em diferentes tipos de sobrecargas. Estudos recentes indicam três principais tipos de sobrecargas que afetam a qualidade de vida dos cuidadores: a física, a emocional e a social.

A sobrecarga física refere-se a grande demanda de cuidados prestados ao paciente, que exige esforço físico e muitas horas do dia para o cuidado. Por exemplo, pode-se destacar atividades como levar ao banheiro, fazer mudanças de posição no paciente acamado, entre outras. A sobrecarga emocional trata do apoio que o cuidador presta a pessoa que está sendo cuidada. Em algumas situações, o adoecimento faz com que o estado psicológico do familiar seja afetado. Por último, a sobrecarga social se torna nítida, quando o cuidador começa a deixar de lado questões como o trabalho, o convívio com a família e os amigos por falta de tempo livre.

As três sobrecargas citadas não são explícitas nos cuidadores, por que esses não se sentem confortáveis em admitir o excesso de trabalho que estão passando. Fontes de apoio, suporte e a realização de pesquisas são essenciais para achar meios de aliviar a sobrecarga das pessoas que fornecem o cuidado, evitando que o cuidador se torne um segundo paciente.

Autores: Fernanda Eisenhardt de Mello1; Melissa Hartmann1; Stefanie Griebeler Oliveira2; Franciele Roberta Cordeiro2; Adrize Rutz Porto2

  1. Acadêmicas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
  2. Professoras da Faculdade de Enfermagem/UFPEL

 

Não tenho medo da morte – Gilberto Gil

 

Não tenho medo da morte
Mas sim medo de morrer
Qual seria a diferença
Você há de perguntar
É que a morte já é depois
Que eu deixar de respirar
Morrer ainda é aqui
Na vida, no sol, no ar
Ainda pode haver dor
Ou vontade de mijar

A morte já é depois
Já não haverá ninguém
Como eu aqui agora
Pensando sobre o além
Já não haverá o além
O além já será então
Não terei pé nem cabeça

Nem fígado, nem pulmão
Como poderei ter medo
Se não terei coração?

Não tenho medo da morte
Mas medo de morrer, sim
A morte e depois de mim
Mas quem vai morrer sou eu
O derradeiro ato meu
E eu terei de estar presente
Assim como um presidente
Dando posse ao sucessor
Terei que morrer vivendo
Sabendo que já me vou

Então nesse instante sim
Sofrerei quem sabe um choque
Um piripaque, ou um baque
Um calafrio ou um toque
Coisas naturais da vida
Como comer, caminhar
Morrer de morte matada
Morrer de morte morrida
Quem sabe eu sinta