SOBRE O ACERVO DO MUSEU GRUPPELLI
O Museu Gruppelli conta em seu acervo, objetos do cotidiano rural ainda comumente encontrados nas casas nos dias de hoje. Um conjunto de objetos no Museu Gruppelli, juntos, compõe os nichos que podem ser encontrados durante as visitações. Dentro de cada nicho podemos encontrar diferentes tipos de objetos que remontam a vida rural como era conhecida a alguns anos atrás, tendo desde a nossa famosa Carroça, um meio de locomoção, até nosso tão querido Tacho, ainda usado para a fabricação de deliciosos doces em eventos feitos na colônia.
Aqui pretendemos contemplar alguns dos objetos expostos no Museu, contando o que sabemos até então sobre a sua história. Futuramente, teremos o acervo completo registrado na plataforma TAINACAN disponível para acesso!
Os Objetos
Máquina de Fazer Manteiga
A máquina de fazer manteiga que faz parte do acervo do Museu está situada no nicho “cozinha” e foi adquirida em 1998. Este objeto era muito utilizado (hoje ele ainda é utilizado, porém, em menor escala) nas colônias até meados do século XX, na fabricação de manteiga. Colocava-se o creme de leite de vaca (preferência da raça de vaca Jersey pelo fato do leite ser mais gorduroso) dentro da máquina e ao girar a alavanca do lado de fora, esta movimentava as pás internas que batiam a nata. Por uma saída lateral, escoava o soro do leite e dentro ficava a manteiga. Muitos visitantes do Museu Gruppelli narram vários momentos de interação com o artefato. Alguns relatam como trabalhavam horas a fio para a produção e venda da manteiga, outros contam como ao visitar a casa dos avós ficavam fascinados com aquela pequena máquina. Os depoentes comentam também, que quando eram crianças, ficavam responsáveis por produzir a manteiga na máquina. Para eles essa atividade não era trabalhosa, mas sim, divertida e prazerosa, tendo uma função lúdica. Muitos outros objetos que fazem parte do Museu apresentavam certa ludicidade para as crianças, como é o caso da máquina de debulhar milho e da carroça, por exemplo. Percebemos que as memórias são inúmeras, mas há algo em comum em todos os relatos: o afeto, o orgulho e a gratidão por ter uma máquina de fazer manteiga de madeira manual preservada no Museu Gruppelli.
O Galão de Vinho
O galão de vinho (apelidado carinhosamente de Gota) faz parte do acervo do Museu Gruppelli desde sua inauguração, em 1998. Segundo Ricardo Gruppelli, ele era usado para o armazenamento de água e vinho, em especial o vinho que era produzido pela própria família.
Assim como outros objetos do Museu, a Gota sobreviveu à enchente que assolou o Sétimo Distrito em 2016. Ela foi levada do Museu pela força da água e, por dois longos dias, imaginamos que não retornaria mais. Contudo, em um golpe de sorte, a Gota foi encontrada por um morador local, no meio do mato, enquanto ele ajudava a reestabelecer o cenário desanimador em que ainda se encontrava a localidade. – “Ela voltou! Ela voltou!”, provavelmente diriam os outros objetos que também conseguiram sobreviver à tragédia. Melhor ainda: a Gota retornou íntegra, sem quebras ou outras cicatrizes, senão com manchas de lama que foram facilmente retiradas com um bom banho. Em 2016, para homenagear os artefatos perdidos na enchente – como o saudoso tacho –, a Gota participou de uma exposição temporária denominada “A vida efêmera dos objetos: um olhar pós-enchente”. A exposição buscou contar a história da enchente narrada pela visão dos objetos. A exposição foi dividida em três atos: 1. Os objetos que se foram; 2. Os objetos que sobreviveram ao ocorrido e que ganharam uma segunda chance de vida (como o caso da Gota); 3. Os objetos que sobreviveram à enchente e passaram pelo processo de restauração, com o auxílio do Curso de Conservação e Restauração da UFPel. Hoje, a Gota faz parte de um singelo memorial no Museu Gruppelli, destinado a este evento traumático.
O Pilão
Dentre os objetos mais queridos do museu, podemos destacar o pilão; objeto que era utilizado, por exemplo, para triturar arroz, café e milho. Os alimentos triturados no pilão eram usados, e em certa medida ainda são, para consumo das famílias rurais e para a alimentação dos animais (galinha, porco, vaca, cavalo…). O pilão é um objeto que faz parte de um ciclo de produção rural. O milho é colhido na lavoura, trazido na carroça para casa, retirado do sabugo no debulhador de milho, quebrado no pilão. O que sobra desse processo, a palha, segue para ser triturado no picador de pasto que acaba servindo de “cama” para os animais. O pilão que faz parte do Museu Gruppelli tem uma história de sobrevivência. Em 2016, a comunidade do Sétimo Distrito de Pelotas sofreu uma enchente de proporções inéditas (mencionada anteriormente). Casas e comércios da região sofreram danos irreparáveis que, com o Museu, não foi diferente. Nesta enchente, nosso espaço museal perdeu vários objetos, dentre eles o tacho de cobre (outro dos objetos mais amado pelos visitantes). O pilão, por sua vez, sobreviveu a enchente mesmo sendo arrastado para fora do Museu com a força da água. Ele foi achado no meio do mato por um membro da família Gruppelli e devolvido para a sua casa (o museu), local em que permanece até hoje. Graças a essa sobrevivência, ele (o pilão) consegue se conectar com o imaginário de várias pessoas, como coadjuvante, como cenário e como sujeito. Vale a pena lembrar do caso da Sra. Maria que, ao entrar no Museu, se direcionou até o pilão, o acariciou e começou a chorar. Em depoimento para a equipe, disse que ele trazia memórias cheias de afeto do seu avô. Tocar o pilão era como trazer o avô de volta à vida, mesmo em sua ausência física.
O Picador de Pasto
O picador de pasto está entre os objetos que mais chamam atenção no Museu Gruppelli. Sendo feito para o corte de pasto com cana de açúcar que eram trazidas da lavoura, o picador tem um importante papel no desenvolvimento da produção na região. O senhor Ari Thiel, neto do doador do objeto, nos conta que vivenciou o picador ainda em uso. Segundo Ari, o picador tem cerca de 100 anos. Ele sempre foi utilizado nas terras de sua família na Colônia Triunfo (interior de Pelotas). O objeto era manuseado por duas pessoas: Enquanto uma colocava o pasto e a cana e girava a manivela, a outra já recolhia a silagem recém feita e juntava para depois dar de alimento aos animais. Antigamente a máquina era muito moderna para seu tempo, vindo para agilizar o processo de preparo da silagem. Seu Ari nos comenta que vai constantemente ao Museu Gruppelli visitar o picador de pasto. Para ele, é como se estivesse mais próximo da família, próximo do seu avô que hoje já não está mais presente. Vemos que o objeto funciona como uma extensão de memória, motivo que faz com que ele vá ao Museu no sentido de remediar a saudade, no sentido de relembrar os membros da família que hoje não estão mais vivos. Hoje, o picador de pasto ocupa o nicho do trabalho rural juntamente com outros objetos relacionados com ele, como é o caso do debulhador de milho, a carroça, a foice, entre muitos outros. Na foto a seguir está um anúncio que se encontra exposto no Museu Gruppelli falando sobre o lançamento deste picador na Suíça. O anúncio fala o seguinte (tradução do professor e pesquisador Danilo Kunh):
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O Debulhador de Milho
É muito comum ouvirmos no Museu Gruppelli a seguinte frase: “Esse debulhador de milho foi uma invenção e tanto”. E as pessoas não estão equivocadas! O debulhador de milho foi reconhecido como uma das maiores invenções da humanidade, sendo listado no livro “As cem maiores invenções da história”, escrito por Tom Philbin. Na prática, este instrumento serve para separar os grãos de milho da espiga (debulho). A novidade, contudo, foi o tempo do processo. O que poderia levar dias para ser feito, depois da invenção, levaria apenas algumas horas. O debulhador de milho que compõe o acervo do Museu Gruppelli está lá desde sua abertura, em 1998. Ele, o debulhador, pertenceu anteriormente a Vicente Ferrari, o antigo barbeiro da região. Segundo sua filha, Silvana Gruppelli Ferrari, o debulhador era muito utilizado por sua família para agilizar a alimentação dos animais que tinham em casa (porcos, vacas, cavalos, galinhas…). Diz ela: “A gente utilizava. Funciona assim: a gente bota a espiga de milho ali em cima, toca naquela roda e o milho sai, sabugo para um lado e milho para o outro.” Durante as visitas é fácil perceber que este é um dos objetos mais queridos do espaço museológico. Ouvimos muitos relatos sobre os usos deste instrumento nos afazeres de casa. Certa vez, um senhor nos contou o seguinte: “Meu neto um dia me disse que o homem havia pisado na Lua. Eu respondi a ele que, depois da invenção do debulhador de milho, eu acredito em qualquer coisa”.
Deseja ver como o debulhador era utilizado? Clique aqui!
Vídeo/Reprodução: Gugu Gaiteiro – Debulhador de Milho.
Duração: 02:14 min.
Objetos da Barbearia
Os objetos que compõe o cenário da barbearia no Museu Gruppelli possuem uma biografia e tanto. Antes de terem uma vida museológica, esses objetos foram muito utilizados pelo Sr. João Petit. Um fato curioso que merece destaque, é a doação dos objetos para o Museu antes mesmo de sua inauguração, em 1998; contudo, João Petit continuou os usando para cortar cabelos dentro do Museu, mesmo após sua inauguração. Durante um período de tempo, até finalmente deixarem de ser usados, os objetos eram utilitários e museológicos, verdadeiros híbridos. No entanto, a vida desses objetos é mais longa do que parece. Eles (os objetos) pertenceram inicialmente ao Sr. Vicente Ferrari, um homem muito habilidoso com trabalhos manuais. Ele era conhecido como um “gênio da região”. Em entrevista com Victor Ferrari, neto de Vicente Ferrari, ele conta que seu avô tinha muitas profissões: além de barbeiro, era relojoeiro, carpinteiro, ferreiro, bem como fabricava instrumentos musicais, como violinos e violões. Ainda segundo Victor Ferrari, seu avô mesmo teria fabricado a cadeira e o balcão que utilizava na barbearia. Vicente Ferrari utilizou esses objetos ao longo de sua vida, até passar o ofício de barbeiro para Sr. João Petit Dias, para quem doou os objetos. João Petit utilizou esses objetos em algumas regiões próximas, de forma itinerante, até que criou suas raízes na Colônia Municipal, na década de 1980. João Petit conta, em entrevista com a equipe do Museu, que cortou cabelo dentro do espaço que hoje é o Museu Gruppelli por cerca de 20 anos, e ainda se emociona muito ao falar da sua profissão e da importância desses objetos.
“[…] eu cortei muito cabelo com essas máquinas aqui e com essas maquinazinhas; me deu muito sustento para minha alimentação em casa. […] Têm duas maquinazinhas aqui que muito eu peguei elas na mão pra fazer serviço e que hoje em dia não existe mais máquina manual: tudo é elétrica. Hoje não tem mais navalha; hoje não tem mais nada; hoje é tudo diferente, né? E eu tenho muito orgulho até de vocês me chamarem aqui pra fazer essa entrevista pra mostrar o que eu tinha, o que eu fiz na vida, né?”
Com os avanços tecnológicos, e com a obsolescência do seu equipamento, João Petit Dias acabou doando seus objetos de trabalho ao Museu, com o objetivo de que sua história fosse preservada. Atualmente o cenário da barbearia é um dos objetos mais admirados pelo público. Apesar de doados os objetos, essa história não chegou ao fim. Ainda hoje, Sr. João Petit continua cortando barba e cabelo na região, bem ao lado da Casa Gruppelli.
* Entrevista com João Petit Dias realizada em 2016.
* Entrevista com Victor Ferrari Veiga realizada em 2018.
O Tacho
Não sabemos exatamente quando o tacho chegou ao Museu, mas sua história é muito curiosa. Claro, esta é uma das versões…
Ricardo Gruppelli conta que certa vez o tacho apareceu nas redondezas da Casa Gruppelli, em um dia de muita chuva, levado pela enxurrada. Durante muito tempo, o tacho foi utilizado pela família para fazer doces, até que, em certo momento, a ele foi atribuído um genuíno valor simbólico, afetivo, que justificou seu deslocamento para o Museu, onde permaneceu até 2016. Neste ano (2016), a localidade foi tomada por uma grande enchente, que acabou destruindo e danificando muitos objetos do Museu. O tacho, por uma ironia do destino (ou não), foi levado pela força da água. Da água veio, para a água retornou. No mesmo ano, foi inaugurada a exposição de curta duração intitulada “A vida efêmera dos objetos: um olhar pós-enchente”, na qual o evento da enchente foi contado em verso e prosa. Na exposição, os objetos sobreviventes assumiram o papel de narradores, em primeira pessoa, do que sucedeu naquele dia. Apesar das difíceis memórias em torno do tacho, há um desfecho interessante: O Museu adotou um novo tacho que, segundo Ricardo Gruppelli, foi permutado por um porca camaleônica – diz ele que os olhos da porca mudavam de cor de acordo com a luz, por isso a designação de camaleão. Assim como seu antecessor, este tacho também serve para evocar memórias, que são mediadas por afetos e emoções. O novo tacho foi utilizado na festa de 20 anos do Museu para o preparo do doce de melancia de porco, e até já participou de uma exposição de curta duração no Museu do Doce , intitulada “A tradição dos doces coloniais de Pelotas”, em 2019. O tacho mostrado na foto é o que está atualmente no museu.
A Carroça
Datada dos anos de 1930, esta charmosa carroça pertencia a Adolfo Weber. Um fato curioso: Quando o Sr. Weber faleceu, seu caixão foi transportado nela até o cemitério, onde deram o último adeus. Alguns anos mais tarde, a carroça foi passada para o seu filho, Rodolfo Weber, que a utilizou durante todo período em que morou na colônia. Ela (a carroça) tornou-se obsoleta e se aposentou quando Rodolfo se mudou para a cidade de Pelotas. Cláudia Eliane Weber, filha de Adolfo Weber, nos contou que a carroça foi muito utilizada para o trabalho no campo, para levar suprimentos (lenha, carvão e batata) da colônia para cidade, além de ser usada como veículo de passeio (para transportá-los à casa de parentes, por exemplo). A carroça ganhou nova vida, agora patrimonial, quando foi doada ao Museu Gruppelli, aproximadamente em 2002, onde permanece até hoje.
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