Nova publicação: Research note: Bolsonaro’s firehose: How Covid-19 disinformation on WhatsApp was used to fight a government political crisis in Brazil

Publicamos na Harvard Misinformation Review um paper inicial sobre as ações no WhatsApp dos grupos que espalham desinformação sobre Covid-19.   Neste estudo, analisamos mensagens desinformativas sobre Covid-19 em grupos públicos do WhatsApp. Nossos principais resultados mostram um enquadramento político da desinformação e alta prevalência de teorias da conspiração. Em particular, esta desinformação foi utilizada para reforçar uma narrativa da extrema-direita e combater uma crise sofrida pelo governo Bolsonaro.

Os nossos resultados mostram como a desinformação sobre Covid-19 no WhatsApp conectou a pandemia a questões políticas, produzindo um conteúdo que favorecia uma narrativa de extrema-direita. De forma particular, identificamos como Bolsonaro ajudou a mobilizar esta campanha de desinformação, tendo impacto no número de compartilhamentos e nos tópicos das mensagens. Estes resultados implicam que o discurso de legitimação de líderes políticos pode influenciar diretamente o espalhamento de desinformação sobre Covid-19.

Autores e financiamento
Os autores deste artigo são Felipe Soares (MIDIARS), Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Taiane Volcan (MIDIARS), Giane Fagundes (UFPEL) e Giéle Sodré (UFPEL). O estudo contou com o apoio da CAPES, CNPq e da FAPERGS. Agradecemos a equipe do Monitor das Eleições, que permitiu o acesso aos dados utilizados no estudo.

Esta pesquisa já tem outros resultados que foram publicados em Português em preprint no Scielo.  

Artigos sobre Covid-19 e desinformação publicados em 2020

Este ano o grupo de pesquisa se concentrou bastante em pesquisar e produzir resultados sobre a questão da desinformação e o COVID-19. A seguir, uma compilação do que temos publicado, para quem quiser consultar.

  • O Discurso Desinformativo sobre a Cura do COVID-19 no Twitter: Estudo de caso (Raquel Recuero e Felipe Soares), E-Compós: https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/2127
  • Disputas discursivas e desinformação no Instagram sobre o uso da hidroxicloroquina como tratamento para o Covid-19 (Felipe Bonow Soares, Carolina Bonoto, Paula Viegas, Igor Salgueiro, Raquel Recuero), 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom: http://www.intercom.org.br/sis/eventos/2020/resumos/R15-0550-1.pdf
  • Polarização, Hiperpartidarismo e Câmaras de Eco: Como circulaa Desinformação sobre Covid-19 no Twitter (Raquel Recuero, Felipe Soares, Gabriela Zago), pré-print (SciELO): https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1154
  • Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político (Felipe Bonow Soares, Raquel Recuero, Taiane Volcan, Giane Fagundes, Giéle Sodré), pré-print (SciELO): https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1334
  • Covid-19, desinformação e Facebook: circulação de URLs sobrea hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos (Felipe Bonow Soares, Paula Viegas, Carolina Bonoto, Raquel Recuero), pré-print (SciELO): https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1476

Preprint: Covid-19, desinformação e Facebook: circulação de URLs sobrea hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos

Principais pontos

  • Analisamos a circulação de URLs sobre a hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos do Facebook entre março e julho de 2020. Nossos resultados apontam para a polarização no compartilhamento de links nos dois espaços
  • Também identificamos um contexto de assimetria, já que páginas e grupos favoráveis ao uso da hidroxicloroquina para o tratamento do Covid-19 compartilharam mais desinformação
  • Por fim, notamos diferenças entre páginas e grupos. Houve maior frequência de compartilhamento de URLs nos grupos, que também apareceram mais associados a mídias hiperpartidárias e desinformação

 

Overview

O nosso o artigo “Covid-19, desinformação e Facebook: circulação de URLs sobrea hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos” está disponível em formato preprint na SciELO. Neste estudo, discutimos como circulou a desinformação sobre a hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos no Facebook. Para isso, coletamos mais de 70 mil publicações entre março e julho de 2020, utilizando o CrowdTangle. Os nossos resultados mostram que (1) a circulação de URLs foi polarizada, tanto no contexto de páginas, quanto grupos; (2) o conteúdo desinformativo foi utilizado para reforçar uma narrativa pró-hidroxicloroquina; e (3) os grupos deram maior visibilidade a mídias hiperpartidárias e desinformação em comparação com as páginas, os grupos também registraram maior frequência no compartilhamento de URLs.

A nossa pesquisa mostra um contexto de polarização assimétrica na circulação de informações sobre a hidroxicloroquina no Facebook, com grupos e páginas favoráveis ao uso do medicamento para Covid-19 associados ao espalhamento de desinformação. Este contexto faz com que o conteúdo verificado não circule nos espaços onde circula a desinformação. Além disso, observamos diferenças entre páginas e grupos, que são importantes para pensar em estratégias no combate a desinformação na plataforma.

Método

Os resultados que apresentamos neste artigo são baseados na análise de mais de 70 mil publicações de páginas e grupos públicos no Facebook, que coletamos utilizando o CrowdTangle. Para a análise destes dados, utilizamos a Análise de Redes Sociais para mapear a circulação das URLs e Análise de Conteúdo para identificar as fontes de informação dos links mais compartilhados e a presença de desinformação.

Para a Análise de Redes Sociais, separamos páginas e grupos e criamos duas redes bipartidas. Nestas redes, temos nós que representam as URLs e nós que representam as páginas ou grupos que as compartilharam. Também utilizamos algoritmos que calculam a tendência das páginas e grupos em pertencerem ao mesmo grupo a partir das URLs que compartilham (páginas e grupos ficam mais próximo de outras páginas e grupos que compartilham os mesmos links).

Utilizamos também a Análise de Conteúdo para avaliar 400 URLs. Estas URLs representam as 50 que mais foram compartilhadas em cada cluster (pró e anti hidroxicloroquina) de cada rede (páginas e grupos). Esses links foram analisados e classificados (1) de acordo com o veículo de origem (hiperpartidários, jornalísticos, institucionais ou links de mídia social – que apontam para outro canal) e (2) de acordo com o conteúdo (se continha ou não desinformação).

Resultados

Nossos resultados mostram que as URLs sobre a hidroxicloroquina (HCQ) circularam de forma polarizada tanto nas páginas quanto nos grupos. Ou seja, nas duas redes, temos comunidades distintas, uma pró-HCQ (azul) e outra anti-HCQ (verde). Estas estruturas de redes indicam que o conteúdo que circula em um dos clusters não circula no outro.

Também descobrimos que o contexto polarizado é assimétrico, ou seja, que os comportamentos no consumo de informações dos grupos são diferentes. Enquanto o cluster anti-HCQ deu preferência a veículos de imprensa e não circulou desinformação, o inverso ocorre no pró-HCQ. A maior parte da circulação de URLs neste cluster foi de desinformação, frequentemente apoiada em mídias hiperpartidárias – veículos que produzem conteúdo que dá preferência a uma narrativa política, por isso frequentemente distorcem fatos e produzem desinformação. A tabela abaixo detalha a análise das URLs que mais circularam em cada contexto.

Tabela 1. URLs mais compartilhadas

Rede Rede das páginas Rede dos Grupos
Cluster Anti-HCQ Pró-HCQ Anti-HCQ Pró-HCQ
Freq. Des. Freq. Des. Freq. Des. Freq. Des.
Imprensa 48 0 16 1 38 0 13 0
Hiperpartidário 1 0 28 22 11 0 32 25
Mídia social 1 0 1 1 0 0 2 2
Institucional 0 0 5 1 1 0 3 1
Total 50 0 50 25 50 0 50 28

Identificamos ainda dinâmicas distintas em páginas e grupos públicos. Como detalhado acima, os grupos compartilham mais URLs de mídias hiperpartidárias e mais desinformação favorável ao uso da hidroxicloroquina. Além disso, descobrimos também que a média de compartilhamento de URLs nos grupos foi mais alta nos dados analisados. Ou seja, os grupos mais frequentemente compartilhavam conteúdo sobre o tema. Em parte, isso se deve ao tipo de espaço, já que as páginas são gerenciadas por um ou poucos usuários, enquanto nos grupos qualquer participante pode publicar. Isto tem a ver, portanto, com as affordances do Facebook, ou seja, com a relação entre as ferramentas técnicas da plataforma e as ações dos usuários a partir delas.

A diferença nas dinâmicas de páginas e grupos tem impacto no número total de compartilhamento de desinformação, especialmente porque o cluster pró-HCQ foi também muito mais ativo do que o cluster anti-HCQ na rede de grupos. Na comparação entre estes dois clusters na rede de grupos, o conteúdo desinformativo do pró-HCQ foi compartilhado com maior frequência do que todas as 50 URLs mais compartilhadas naquele anti-HCQ. Na comparação entre páginas e grupos, o total de desinformação compartilhado no cluster pró-HCQ na rede de grupos é quase oito vezes maior em comparação com a desinformação compartilhada pelo mesmo cluster na rede de páginas. A tabela abaixo detalha os números de compartilhamento das URLs mais compartilhadas em cada contexto.

Tabela 2. Frequência do compartilhamento de URLs

Rede Rede das páginas Rede dos Grupos
Cluster Anti-HCQ Pró-HCQ Anti-HCQ Pró-HCQ
Desinformação 0 316 0 2509
Outro 613 299 2092 2416
Total 613 615 2092 4925

As altas frequências no compartilhamento de desinformação nos grupos possuem impacto para as estratégias de combate ao conteúdo problemático no Facebook. Ainda que a plataforma tenha iniciativas de marcar publicações de páginas como conteúdo desinformativo ou mesmo remover o conteúdo, como fez com declaração falsa de Jair Bolsonaro sobre a hidroxicloroquina, os nossos resultados apontam para a necessidade de pensar em estratégias para monitoramento de grupos públicos. Como vimos, a maior frequência de conteúdo desinformativo foi compartilhado nestes espaços.

Relevância

O acesso a informações verificadas é importante no combate ao Covid-19. O excesso de informações sobre a pandemia, a polarização nos discursos e o espalhamento de desinformação fazem parte do que a Organização Mundial da Saúde chama de “infodemia”. Assim, o nosso estudo contribui com a análise da circulação de conteúdo sobre a hidroxicloroquina no Facebook.

Os nossos resultados mostram polarização na circulação de informações, além de um contexto de assimetria, com o cluster pró-hidroxicloroquina compartilhamento mais desinformação. Além disso, identificamos o impacto dos grupos públicos no compartilhamento de desinformação. Este resultado está relacionado com as affordances do Facebook e indica a necessidade de estratégias específicas para combater a circulação de desinformação nestes espaços.

Autores e financiamento

Agradecemos ao CrowdTangle pelo acesso aos dados que utilizamos na nossa análise. Os autores deste artigo são Felipe Soares (UFRGS), Paula Viegas (UFRGS), Carolina Bonoto (UFRGS) e Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.

Estudo do MIDIARS premiado no ENPÓS/SIIEPE

 

O nosso trabalho “O Covid-19 enquadrado como tema político pela desinformação no WhatsApp” (Felipe Soares, Raquel Recuero, Taiane Volcan, Giane Fagundes, Giéle Sodré) ficou entre os destaques da área de Ciências Sociais Aplicadas do XXII Encontro de Pós-Graduação da 6ª Semana Integrada da UFPEL. O vídeo da apresentação está disponível em nosso canal no YouTube.

 

O estudo premiado é parte das pesquisas que temos desenvolvido sobre Covid-19 e desinformação na mídia social. Neste estudo, analisamos mensagens com desinformação sobre a pandemia que circularam em grupos públicos do WhatsApp em março e abril de 2020. Os nossos resultados mostram que a desinformação enquadrou a pandemia como um tema político. Descobrimos que a desinformação sobre o Covid-19 foi utilizada principalmente como forma de combate à crise do governo Bolsonaro.

 

O trabalho que apresentamos no ENPÓS explorou as análises iniciais do nosso estudo sobre Covid-19 e desinformação no WhatsApp. Nós já ampliamos a análise em um artigo completo, que está submetido para avaliação em revista acadêmica e disponível em preprint no repositório SciELO. Nós também já publicamos aqui no blog um texto de divulgação, em que discutimos os principais resultados encontrados na nossa análise.

 

Os autores deste estudo são Felipe Soares (UFRGS), Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Taiane Volcan (UFPEL), Giane Fagundes (UFPEL) e Giéle Sodré (UFPEL). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS. Agradecimentos especiais ao Fabricio Benevenuto e à equipe do Monitor de WhatsApp que muito gentilmente permitiram o acesso aos dados. Agradecimentos também à CAPES, CNPq e FAPERGS que de alguma forma apoiaram essa pesquisa.

Disputas discursivas e desinformação no Instagram sobre o uso da hidroxicloroquina como tratamento para o Covid-19

Principais pontos

  • Analisamos as publicações sobre a hidroxicloroquina que receberam mais interações no Instagram entre março e julho de 2020.
  • Identificamos o que entendemos por disputa discursiva, em que há dois grupos com discursos distintos que disputam a hegemonia da opinião pública: um discurso favorável ao uso da hidroxicloroquina para Covid-19 e outro, contrário
  • Enquanto o grupo anti-HCQ baseava seu discurso em conteúdo verificado, o grupo pró-HCQ reproduzia majoritariamente desinformação. Encontramos, portanto, assimetrias em uma disputa discursiva entre informação e desinformação

 

Overview

Na última semana, apresentamos nosso artigo “Disputas discursivas e desinformação no Instagram sobre o uso da hidroxicloroquina como tratamento para o Covid-19” no 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom). Neste estudo, analisamos a disputa discursiva sobre a hidroxicloroquina no Instagram. Apesar de ser uma plataforma popular no Brasil, ainda são poucos os estudos que olham para a desinformação no Instagram. Conforme dados da Reuters Institute, o Instagram é utilizado por 61% dos Brasileiros e quase metade destes utilizam para consumo de notícias e informações. Utilizamos o CrowdTangle para coletar publicações que mencionavam o medicamento entre março e julho de 2020 (n=5.124). Destas, selecionamos as 200 publicações com maior número de interações (=12.938.446, o que representa mais de 60% do total de curtidas e comentários do nosso conjunto de dados). Utilizamos a análise de conteúdo para identificar (1) se os discursos eram favoráveis ou contrários ao uso de hidroxicloroquina; (2) se produziram desinformação; e (3) que tipo de líder de opinião estava publicando a mensagem.

 

Identificamos um cenário de disputa discursiva que favorece a formação de discursos assimétricos. O grupo favorável ao uso do medicamento para Covid-19 (pró-HCQ) reproduz desinformação de forma articulada com líderes de opinião e conteúdo de fontes “alternativas”. O outro grupo, que se posiciona de forma contrária ao uso da droga (anti-HCQ), dá preferência ao discurso científico divulgando informações comprovadas sobre o tema. Assim, encontramos uma disputa discursiva entre informação e desinformação.

 

Método

A nossa análise foi realizada a partir da coleta de publicações do Instagram via CrowdTangle. Coletamos mais de 5 mil publicações, das quais selecionamos as 200 publicações que receberam mais interações. Para a análise destes dados, utilizamos a análise de conteúdo. Três analistas independentes classificaram as mensagens. Para a classificação final, utilizamos a concordância entre pelo menos dois analistas. Para todas as categorias, alcançamos bons níveis de concordância – calculados por meio de Kripendorff’s Alpha (entre 0,622 e 0,913).

 

Criamos três categorias de análise, em que buscamos identificar: (1) qual o discurso produzido em relação ao uso da hidroxicloroquina como tratamento para o Covid-19; (2) se a publicação continha desinformação; e (3) o tipo de usuário (líder de opinião) responsável pela publicação.

 

Para identificar tipo de discurso, dividimos as publicações em favoráveis, contrárias ou sem identificação clara. Neste último caso as mensagens apenas mencionavam a hidroxicloroquina como parte do contexto, mas não discutiam a eficácia da hidroxicloroquina. As mensagens favoráveis ao uso, reproduziam um discurso que apontava a hidroxicloroquina como tratamento eficaz para o Covid-19. Já as publicações contrárias, apontavam para estudos que atestavam a ineficácia da droga como tratamento. Para identificar a presença de desinformação, consideramos como desinformativas as publicações que incluíam informações distorcidas, manipuladas ou completamente falsas com a função de enganar.

 

Para identificar os líderes de opinião, criamos oito categorias após uma análise inicial dos dados. São elas: (1) políticos (exemplo: Jair Bolsonaro); (2) veículos de imprensa (exemplo: Estadão); (3) veículos hiperpartidários (exemplo: Conexão Política); (4) páginas de política (exemplos: Caio Coppola e Quebrando o Tabu); (5) páginas de saúde (exemplo: Medicina É); (6) jornalistas (exemplo: Luís Ernesto Lacombe); (7) páginas institucionais (exemplo: Ministério da Saúde); e (8) outros, para páginas que não se enquadravam em nenhuma das categorias acima (exemplo: Central da Fama).

 

Resultados

Nossos resultados mostram a existência de discursos assimétricos, já que o grupo favorável a hidroxicloroquina frequentemente reproduziu desinformação, enquanto o discurso contrário ao uso do medicamento para Covid-19 foi baseado em informações verificadas.

 

Encontramos uma maioria de publicações que produziam discurso favorável ao uso da hidroxicloroquina como “cura” ou profilaxia para Covid-19 (90), seguida pelas que produziam produziram discurso contrário (76) e uma minoria que não apresentava posição clara (34). Entre as mensagens pró-HCQ, quase três quartos reproduziam desinformação, o que indica a associação do discurso favorável ao medicamento a produção de conteúdo falso. Os gráficos abaixo detalham estes resultados.

 

Figura 1. Publicações pró-hidroxicloroquina

 

Alguns resultados são importantes para a nossa pesquisa. O primeiro é o enquadramento político da discussão. A apropriação da hidroxicloroquina como tema político reflete nos atores centrais da disputa discursiva. Políticos são os atores com a maior parte de interações no grupo que reproduz discurso favorável ao medicamento, enquanto páginas políticas e veículos hiperpartidários são os atores com o maior número de interações entre os que reproduzem discurso contrário ao uso da droga.

 

Os políticos são também os principais disseminadores de desinformação. Descobrimos que os políticos não só são aqueles que publicam mais mensagens desinformativas sobre o tema, mas também os que alcançam maior número de interações em suas publicações. A média de interações nas publicações de políticos que reproduzem desinformação é de quase 100 mil, o que representa a maior média entre todos os diferentes tipos de líderes de opinião que identificamos. Estes dados indicam o impacto dos políticos na disseminação de desinformação.

 

Em particular, vemos uma influência central do discurso de Jair Bolsonaro, que publicou oito mensagens sobre o tema (entre as 200 analisadas), todas favoráveis ao uso do medicamento. Destas oito mensagens, apenas uma não contém desinformação. Suas mensagens geraram 3.229.344, das quais 2.800.248 de interações são oriundas de publicações que produzem um discurso desinformativo. O discurso desinformativo também foi reproduzido em uma publicação do Ministério da Saúde, o que mostra que a própria comunicação governamental reproduz um discurso favorável ao uso do medicamento e que fortalece a desinformação.

 

De forma geral, os nossos resultados apontam para assimetrias nos discursos na disputa sobre a hidroxicloroquina. Enquanto o discurso anti-HCQ é baseado em informações verificadas, o discurso pró-HCQ majoritariamente reproduz desinformação. Além disso, identificamos como o tema foi apropriado pelo discurso político e são estes atores os principais disseminadores de informações falsas.

 

Relevância

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem destacado a relevância de acesso a informações confiáveis sobre a pandemia do Covid-19. Temos visto nas nossas pesquisas que a desinformação sobre a doença tem gerado impacto na mídia social no Brasil. Este contexto dificulta a ação coletiva, já que há excesso de informações, polarização nos discursos e mesmo circulação de desinformação.

 

Os nossos resultados mostram um contexto do que a OMS chama de “infodemia, já que encontramos uma disputa discursiva entre grupos com posições opostas e na qual o grupo pró-HCQ reproduzia desinformação. Além disso, identificamos um papel central dos políticos e outros atores políticos no espalhamento da desinformação. Além de enquadrarem o tema como disputa política, a presença destes atores legitima um discurso desinformativo. Este resultado ajuda a explicar como 18% dos brasileiros acreditam que hidroxicloroquina é a cura do Covid-19.

 

Autores e financiamento

Agradecemos ao CrowdTangle pelo acesso aos dados que utilizamos na nossa análise. Os autores deste artigo são Felipe Soares (UFRGS), Carolina Bonoto (UFRGS), Paula Viegas (UFRGS), Igor Salgueiro (UFPEL) e Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS). O estudo contou com o apoio da CAPES, do CNPq e da FAPERGS.

Alguns Resultados- Pesquisa Desinformação e COVID-19 na Mídia Social

(por Raquel Recuero)

O MIDIARS já tem três preprints (um deles já publicado), e mais uma sequencia de artigos que estão submetidos focando a pesquisa sobre desinformação e covid-19 na mídia social. Alguns dos principais resultados:

  • A desinformação relacionada à pandemia é quase na sua totalidade enquadrada como uma questão política. Trata-se de ter um “lado” político e, por isso, adotar determinadas ações que interferem na saúde pública. Exemplo: Usar ou não usar máscara é relacionado a adotar ou não a uma filiação política. Se você defende A, não pode usar, se defende B, usa. (Recuero & Soares, 2020)  Do mesmo modo, grupos políticos e autoridade políticas têm um papel importantíssimo na legitimação e na circulação desse tipo de conteúdo. Também encontramos desinformação relacionada à pandemia alinhada com crises políticas no Brasil, oferecendo “histórias alternativas” sobre a crise ou atingindo diretamente adversários políticos (Resultados obtidos no Twitter, Facebook e WhatsApp em outros artigos ainda na espera para publicação.)
  • A desinformação circula de forma mais forte nos grupos de extrema direita. Esses grupos também terminam “filtrando” a circulação de conteúdo que possa desmentir a desinformação. Portanto, onde circula a desinformação, não circula o fact-checking e a mídia tradicional (Recuero, Soares & Zago, 2020Soares, Viegas, Bonoto e Recuero, 2020). Há uma forte relação entre polarização política e circulação da desinformação, portanto.
  • Quanto mais fechada a rede, mais difícil é a circulação de conteúdo que possa combater a desinformação. Particularmente, em canais onde há mais privacidade na circulação de conteúdo (WhatsApp e grupos no Facebook, por exemplo), circula mais conteúdo inteiramente fabricado, extremizado e teorias da conspiração. (Soares, Viegas, Bonoto e Recuero, 2020) Em lugares mais públicos, como o Twitter e as páginas do Facebook, circula menos conteúdo completamente falso e mais conteúdo enganoso (que tem verdades parciais).
  • Notamos a presença de campanhas desinformativas, que ocorrem em determinados momentos, de forma coordenada, em vários canais, de modo a atingir algum ponto considerado relevante. Por exemplo, campanhas contra a vacinação, campanhas contra adversários políticos e instituições (particularmente STF e OMS), e etc. Essas campanhas são acionadas sempre que há uma crise política. Não são baseadas apenas no espalhamento de links únicos desinformativos, mas, igualmente, em outras estratégias, como “opiniões” de autoridades que legitimam aquela ideia, links variados (como se vários “meios” estivessem dando a mesma informação ao mesmo tempo), imagens e etc.
  • Há campanhas para desacreditar a mídia tradicional e fortalecer veículos hiperpartidários (geralmente anônimos) como as “únicas fontes de informação” confiáveis. A campanha desinformativa política também “adota” pautas que são associadas a um mesmo sistema ideológico. Nesse sentido, o assunto da pandemia é sempre tratado como uma questão política e não como uma questão de saúde pública. A pauta da saúde é esvaziada e substituída por teorias da conspiração a respeito do vírus, questionamento de sua existência, discussão do vírus como um elemento de “controle” do estado, pautas antivacinas,  pautas antimedicamentos, pautas que focam a auto medicação como uma ação de liberdade individual, etc.
  • São usadas variadas estratégias de legitimação discursivas, notadamente autorização (pelos especialistas – “sou médico”, políticos – “autorizo”) e narrativização da pauta (como a criação de historietas que acompanham a desinformação, por exemplo: “Nos anos X e Y tivemos outras pandemias e as mesmas desapareceram naturalmente, como comprova a História,  sem a necessidade de vacinas”, particularmente enquadrando questões morais como o bem x o mal, nós x o inimigo), bem como avaliação moral (pessoas “do bem” agem do modo Y). Estratégias específicas para a circulação também são adotadas (como a criação de um senso de urgência no conteúdo – “urgente”, “espalhe o máximo possível”, mobilização através de call to actions e hashtags, etc.).

 

Por conta desses resultados, vemos que é preciso uma ação muito maior por parte de governos, instituições e outros especialistas contra a desinformação. Não basta apenas fact- checking ou material publicado na mídia tradicional (embora essas ações sejam importantes para evitar novas radicalizações) . Há uma audiência crescente para as teorias conspiratórias e uma radicalização da população em torno dessas pautas. É preciso agir de modo coordenado, com um discurso único, utilizando estratégias semelhantes àquelas usadas pela campanhas desinformativas, sob pena de não atingir aqueles mais radicalizados. Ações das próprias plataformas de mídia social no sentido de evitar a circulação de conteúdo desinformativo e apresentar a checagem junto com a desinformação também são fundamentais.

Partes desses resultados estão submetidos e/ou publicados. Estamos concluindo um estudo sobre Instagram e um primeiro estudo sobre vacinas. Em breve vamos publicar mais conteúdo específico dos artigos que estão publicados ou em pre-prints.

Monitor das Eleições: primeiro turno em Porto Alegre

(por Felipe Soares)

Como parte do Monitor das Eleições, do MIDIARS, temos acompanhado as campanhas digitais e realizado o monitoramento de suas páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Ontem, publicamos uma análise sobre os dados de mídias sociais no primeiro turno em Pelotas. Hoje, é a vez de Porto Alegre.

Na capital gaúcha, o segundo turno será entre Sebastião Melo (MDB), que recebeu 31,01% dos votos, e Manuela D’Ávila (PC do B), que alcançou 29%. Utilizamos o CrowdTangle para monitorar as páginas dos candidatos no Facebook e no Instagram. Nas mídias sociais, Manuela D’Ávila foi líder absoluta. Com quase 10 milhões de interações em suas publicações, Manuela foi responsável por mais de 77% do total de interações entre todos os candidatos. Quem também recebeu muitas interações nas mídias sociais, foi Fernanda Melchionna (PSOL), com um total de quase 1,4 milhão – mais de 11% do total de interações entre os candidatos. Apesar dos bons números nas mídias sociais, ela recebeu 4,34% dos votos e terminou a disputa em quinto lugar.

Sebastião Melo, candidato mais votado no primeiro turno, foi apenas o sexto em número de interações nas mídias sociais (o quinto, desconsiderando José Furtunati, do PTB, que retirou a candidatura na véspera do pleito). Melo recebeu aproximadamente 150 mil interações em suas publicações no Facebook e Instagram. O gráfico abaixo detalha os números de interações dos candidatos.

Para analisar como as interações nas mídias sociais se relacionam com a votação nas urnas, foi realizado um teste de correlação comparando o total de interações e o total de votos dos candidatos. O coeficiente de correlação Pearson serve para analisar as correlações entre duas variáveis, ou seja, para identificar se quando uma aumenta, a outra também aumenta. O índice Pearson vai de – 1 (quando há uma correlação negativa perfeita, sempre que uma variável aumenta, a outra diminui) a 1 (quando há uma correlação positiva perfeita, sempre uma variável aumenta, a outra também aumenta), enquanto números próximos de 0 mostram independência entre as variáveis.

No geral, os testes apontaram uma correlação moderada entre interações nas mídias sociais e o resultado nas urnas. Os altos números de interações nas mídias sociais de Manuela e Fernanda em comparação com os outros candidatos podem ter afetado os resultados. No Instagram, a correlação foi de 0,560. No Facebook, 0,584. Já considerando o total de interações nas duas plataformas, a correlação foi de 0,570. Estes resultados mostram que há uma tendência de que candidatos com mais interações nas mídias sociais também recebam mais votos, mas que essa tendência nem sempre se concretiza. Por exemplo, Fernanda Melchionna foi a segunda com mais interações nas mídias sociais e ficou em quinto no pleito eleitoral, enquanto Sebastião Melo foi o mais votado, mesmo aparecendo apenas em quinto no número de interações nas mídias sociais. O gráfico abaixo mostra os percentuais de interações totais e de votos, ilustrando a relação entre as duas variáveis.

Também analisamos que tipo de publicação funcionou melhor para os candidatos que vão disputar o segundo turno. A maioria dos posts dos candidatos no Facebook foram fotos e vídeos nativos. Manuela postou 455 fotos e 239 vídeos nativos. Ela ainda publicou 27 links, realizou sete lives, publicou cinco vídeos do YouTube e compartilhou dois status (somente texto). Melo publicou 217 fotos e 139 vídeos nativos. Ele também publicou três vídeos do Youtube, realizou duas lives e publicou dois links. Manuela teve uma média de 5090 interações em suas 735 publicações. Melo teve média de aproximadamente 326 interações em suas 363 publicações.

As fotos foram o tipo de publicação com maior média para Manuela, com aproximadamente 6557 interações por foto. Em seguida, foram os links, com aproximadamente 5756 interações por publicação. Com médias mais baixas, aparecem os status (2696), os vídeos (2442), as lives (1683) e os vídeos do YouTube (272).

Para Melo, a maior média ocorreu nas lives, com aproximadamente 903 interações por live. Na sequência, foram as fotos, com aproximadamente 408 interações, e os links, com 378. Vídeos nativos (194) e do YouTube (106) foram as médias mais baixas. O gráfico abaixo detalha as médias por tipo de publicação no Facebook.

No Instagram, Manuela alcançou uma média de aproximadamente 9118 interações por publicação (em 697 publicações) e Melo, de 150 interações por publicação (em 256 publicações). Os candidatos fizeram quatro tipos de publicações no Instagram: fotos, quando apenas uma foto era publicada; álbuns, com um conjunto de fotos; vídeos, com vídeos curtos publicados na linha do tempo; e IGTV, ferramenta do Instagram que permite a publicação de vídeos mais longos em espaço específico.

Foram as fotos (474 publicações) que geraram mais interações para Manuela no Instagram, com uma média de aproximadamente 10041 interações por foto. Na sequência, aparecem os vídeos (108 publicações), com uma média de aproximadamente 7418 interações. Em seguida, são as publicações no IGTV (100) com média de quase 7038. Por fim, os álbuns (15) com aproximadamente 6060 interações de média.

Para Melo, ao contrário, os álbuns (39 publicações) geraram maior média de interações, com 241 por publicação. Eles foram seguidos pelas fotos (111) com média de 183 interações. As publicações de IGTV (44) alcançaram média de quase 90 interações e os vídeos (62), de aproximadamente 77 interações.  O gráfico abaixo detalha as comparações entre os candidatos no Instagram.

Quer saber mais sobre as propostas de Melo e Manuela e como vai a campanha durante o segundo turno? Temos um live display com monitoramento em tempo real das páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Acompanha lá!

 

Monitor das Eleições: primeiro turno em Pelotas

(por Felipe Soares)

 No projeto Monitor das Eleições, do MIDIARS, temos acompanhado as campanhas digitais e realizado o monitoramento de suas páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Por isso, trazemos algumas análises sobre as eleições pelotenses e o que aconteceu nas mídias sociais durante o primeiro turno.

Com todas as urnas apuradas, teremos segundo turno em Pelotas. A atual prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) alcançou 49,74% dos votos e o segundo lugar foi de Ivan Duarte (PT), com 14,49%. Por meio do CrowdTangle, acompanhamos as páginas dos candidatos no Facebook e no Instagram. Nas mídias sociais, Paula Mascarenhas também foi a candidata que recebeu mais interações. Paula foi líder nas duas plataformas e recebeu mais de 135 mil interações.

Nas mídias sociais, o segundo lugar ficou com Fetter Jr., que foi o terceiro candidato mais votado (13,63%). Ele recebeu quase 80 mil interações na soma de Facebook e Instagram. Ivan Duarte, que está no segundo turno, foi o terceiro candidato com mais interações no Facebook e Instagram, com quase 40 mil. O gráfico abaixo detalha as interações de todos os candidatos no Facebook e no Instagram (Eduardo Ligabue, do PCO, não foi monitorado porque não possuía páginas públicas nas plataformas durante a campanha).

Como as interações nas mídias sociais se relacionam com votos? Para descobrir isso, fizemos um teste de correlação entre o total de interações e o total de votos dos candidatos. O coeficiente de correlação Pearson serve para analisar as correlações entre duas variáveis, ou seja, para identificar se quando uma aumenta, a outra também aumenta. O índice Pearson vai de – 1 (quando há uma correlação negativa perfeita, sempre que uma variável aumenta, a outra diminui) a 1 (quando há uma correlação positiva perfeita, sempre uma variável aumenta, a outra também aumenta), enquanto números próximos de 0 mostram independência das variáveis.

Os resultados do teste de correlação mostram que candidatos que receberam mais interações nas mídias sociais também receberam mais votos. A correlação entre a votação final e as interações no Instagram foi 0,877, que é considerada uma relação forte. No Facebook foi de 0,937, uma correlação muito forte. Considerando o total de interações nas duas plataformas a correlação foi ainda mais alta, 0,947. O teste de correlação não serve para apontar causa e efeito e nem para predizer resultados, mas apenas para mostrar que duas variáveis tendem a aumentar ou diminuir de maneira semelhante. Assim, interações nas mídias sociais não servem para prever os resultados, mas são bons indicadores dos candidatos que se destacam nas campanhas. O gráfico abaixo mostra os percentuais de interações totais e de votos, ilustrando a relação entre as duas variáveis.

Também analisamos que tipo de publicação funcionou melhor para os candidatos que vão disputar o segundo turno. No Facebook, Paula utilizou três tipos de publicações: fotos, vídeos nativos e lives. A maioria das publicações de Ivan também foram nestes três tipos, mas o candidato também publicou um link, um vídeo do YouTube e teve uma publicação apenas com status (texto). No total, Paula teve uma média de aproximadamente 685 interações por publicação no Facebook (em 159 publicações) e Ivan, de quase 160 interações (em 157 publicações).

Os dois candidatos registraram maior média de interações nas lives, mais de mil interações de média para Paula (em 9 lives) e aproximadamente 271 interações para Ivan (em 5 lives). Na relação entre fotos e vídeo, as fotos levaram vantagem, com média de quase 770 interações para Paula (94 publicações) e aproximadamente 163 interações para Ivan (82 publicações). Os vídeos nativos tiveram média de aproximadamente 492 interações para Paula (56 vídeos) e quase 149 interações para Ivan (67 vídeos). O gráfico abaixo detalha as médias por tipo de publicação.

No Instagram, Paula recebeu uma média de aproximadamente 462 interações por publicação (em 71 publicações) e Ivan, de 100 interações por publicação (em 149 publicações). Os candidatos fizeram quatro tipos de publicações no Instagram: fotos, quando apenas uma foto era publicada; álbuns, com um conjunto de fotos; vídeos, com vídeos curtos publicados na linha do tempo; e IGTV, ferramenta do Instagram que permite a publicação de vídeos mais longos em espaço específico.

Para Paula, foram as fotos (10 publicações) que geraram mais interações, com aproximadamente 714 de média. Em seguida, aparecem os álbuns (28 publicações), com aproximadamente 525 interações de média. As publicações de IGTV (22) geraram quase 371 interações de média e os vídeos (11), aproximadamente 255 interações de média.

Para Ivan, foram os álbuns (22 publicações) que alcançaram maior média de interações, com aproximadamente 159 de média. Eles foram seguidos pelos vídeos (28 publicações) com média de 104 interações, fotos (63) com média de quase 90 interações e IGTV (36), com média de quase 80 interações. O gráfico abaixo detalha as comparações entre os candidatos.

Quer saber mais sobre as propostas de Paula e Ivan e como vai a campanha durante o segundo turno? Temos um live display com monitoramento em tempo real das páginas dos candidatos no Facebook e Instagram. Acompanha lá!

Preprint: Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político

(por Felipe Soares e Raquel Recuero)

Principais pontos

  • Analisamos mais de 800 mensagens desinformativas que circularam em grupos públicos do WhatsApp em março e abril de 2020 e descobrimos que a desinformação enquadrou a pandemia como debate político.
  • Particularmente, descobrimos que a desinformação nesses grupos foi utilizada para fortalecer uma narrativa pró-Bolsonaro em meio a crises que o governo enfrentava.
  • A principal estratégia para isso foi o uso de teorias da conspiração,  o tipo de desinformação mais comum nas mensagens que analisamos, o que indica que as características da plataforma (no caso do WhatsApp, o fechamento da mesma, o que torna mais difícil contrapor a desinformação) podem influenciar o conteúdo desta desinformação.

 

Overview

O nosso o artigo “Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político” está disponível em formato preprint na SciELO. Neste estudo, discutimos como é enquadrada a desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp no Brasil. Para isso, analisamos 802 mensagens que circularam em grupos públicos da plataforma nos meses de março e abril de 2020. Para coletar estas mensagens, utilizamos o Monitor do WhatsApp. As mensagens que analisamos foram compartilhadas quase 35 mil vezes somente nos grupos monitorados pelo Monitor do WhatsApp, o que indica o impacto social que tiveram. Os nossos resultados mostram que (1) a pandemia foi enquadrada como debate político e a desinformação foi utilizada para fortalecer uma narrativa pró-Bolsonaro em momento de crise do governo; e (2) as características do WhatsApp parecem afetar o conteúdo das mensagens, já que houve grande circulação de teorias da conspiração – que são menos frequentes em plataformas mais públicas, como Twitter, Facebook e YouTube.

 

A nossa pesquisa mostra que a desinformação utiliza o discurso político, particularmente declarações de Bolsonaro, para enquadrar o Covid-19 como um tema político. Isto pode ter como consequências o aumento da polarização nos discursos sobre a pandemia e a falta de coordenação social nas medidas de combate ao vírus. Além disso, destacamos a necessidade de considerar as características das plataformas no estudo da desinformação.

 

Método

Os resultados que apresentamos neste artigo são baseados na análise de 802 mensagens que coletamos utilizando o Monitor do WhatsApp. Para a análise destes dados, utilizamos a Análise de Conteúdo como método. Observamos (1) qual o tipo de desinformação presente nas mensagens e (2) quais os temas mencionados nas mensagens. Dividimos os tipos de desinformação em três:

 

(1)   Distorção: conteúdo baseado em informações parcialmente verdadeiras, que são distorcidas para gerar conclusões equivocadas. Inclui conexões falsas, informações fora de contexto, enquadramentos enganosos e informações reconfiguradas de alguma forma para enganar.

(2)   Informação fabricada: informações completamente falsas, criadas para enganar. Incluem, por exemplo, áudios falsos, dados criados sem base em evidências, entre outras estratégias.

(3)   Teorias da conspiração: narrativas sem qualquer evidência comprovada que falam sobre alguma forma de conspiração ou plano obscuramente orquestrado por indivíduos ou grupos com objetivos de manipulação social.

 

As categorias de desinformação eram mutuamente exclusivas, enquanto as categorias de tópicos das mensagens não eram exclusivas (mais de um tema poderia ser identificado em uma mesma mensagem). Foram definidos quinze temas a partir de uma pré-análise dos dados: Bolsonaro, China, congresso, cura, distanciamento social, economia, esquerda, governadores e prefeitos, Henrique Mandetta, hospitais, mídia, ministros (exceto Mandetta), Organização Mundial da Saúde, países do exterior (exceto China), Supremo Tribunal Federal.

 

Resultados

Nossos resultados mostram que a desinformação enquadrou o Covid-19 como debate político. A partir do meio do mês de março, o governo de Bolsonaro enfrentou crises em função da como tratava a pandemia. Brasileiros bateram panelas em suas janelas e pediram o impeachment do presidente. No mesmo período, Henrique Mandetta, então Ministro da Saúde, e governadores apoiavam as medidas de distanciamento social sugeridas pela Organização Mundial da Saúde como forma de controlar o espalhamento do vírus. Enquanto a popularidade de Bolsonaro diminuía, Mandetta e governadores eram mais bem avaliados pelos brasileiros.

 

Como resposta a esta crise, Bolsonaro realizou um pronunciamento na televisão aberta no dia 24 de março. No pronunciamento, Bolsonaro criticou as medidas adotadas por governadores, minimizou a ameaça do Covid-19, culpou a mídia por “histeria” e defendeu a “volta a normalidade” com reabertura de escolas e o fim do isolamento social. Em novo pronunciamento, no dia 31 de março, Bolsonaro defendeu que era necessário garantir a estabilidade da economia e que as pessoas necessitavam voltar a trabalhar para evitar o aumento do desemprego e dificuldades econômicas individuais. Quando observamos a distribuição do compartilhamento das mensagens que analisamos, identificamos o pico de compartilhamentos logo após o pronunciamento do dia 24. Além disso, também o pronunciamento do dia 31 coincide com novo aumento no compartilhamento de desinformação sobre o Covid-19 nos grupos monitorados.

 

 

Figura 1. Distribuição do compartilhamento de mensagens ao longo do tempo

 

Também observamos o impacto dos pronunciamentos de Bolsonaro nas temáticas mais centrais nas mensagens. Dentre os tópicos mais mencionados, por exemplo, temos economia (42%), governadores e prefeitos (36%), distanciamento social (27%) e mídia (21%), todos mencionados por Bolsonaro em seu pronunciamento. Também analisamos as correlações entre os temas, isto é, quais os tópicos eram mais frequentemente mencionados nos mesmos contextos. Identificamos que o tema mais central foi “esquerdistas”, que era a forma de categorizar os opositores de Bolsonaro nas mensagens com desinformação. Além disso, “Bolsonaro” também aparece como tema central, associado a autoridades políticas e medidas como distanciamento social (as quais o político criticava). Estes resultados mostram como a desinformação enquadra a pandemia como debate político e utiliza uma estratégia de opor “nós” (o lado “bom”, que apoia a atuação de Bolsonaro) a “eles” (o lado “mau”, que busca conspirar contra o presidente e contra o país), reforçando um contexto de polarização.

 

Figura 2. Frequência dos tópicos nas mensagens

Figura 3. Rede de correlações entre os temas

 

Por fim, descobrimos que as teorias da conspiração foram o tipo de desinformação mais comum nas mensagens que analisamos (41%). Outros estudos que classificaram os tipos de desinformação sobre o Covid-19 em outras plataformas identificaram a distorção como o tipo de desinformação mais comum. O nosso resultado aponta para a importância de considerar as características das plataformas na análise da desinformação. Entendemos que as teorias da conspiração são mais comuns no WhatsApp em função do caráter mais privado das conversações na plataforma. Vimos, ainda, que as teorias da conspiração foram utilizadas principalmente para culpar a China (comunista) pela criação do vírus e para criar narrativas de conspirações contra Bolsonaro – novamente, reforçando o enquadramento político da desinformação sobre o Covid-19.

Figura 4. Exemplo de teoria da conspiração

Figura 5. Exemplo de teoria da conspiração

 

As mensagens com distorção (39%) frequentemente eram utilizadas para criticar as medidas de distanciamento social, ecoando as manifestações de Bolsonaro contrárias a medidas adotadas por governadores e prefeitos. Já as mensagens com informações fabricadas (20%) foram utilizadas para apontar curas para a doença e mencionavam, por exemplo, o uso da hidroxicloroquina. Estudos científicos já comprovaram que o medicamento é ineficaz no tratamento da doença, mas Bolsonaro inúmeras vezes mencionou a hidroxicloroquina como “cura” para o vírus.

Figura 6. Exemplo de distorção

Figura 7. Exemplo de informação fabricada

 

Relevância

O combate ao Covid-19 depende da ação coordenada entre os cidadãos. O espalhamento de desinformação e o acirramento da polarização nos discursos sobre a pandemia são problemáticos porque geram percepções equivocadas sobre a pandemia e dificultam a ação coletiva de combate ao vírus. Assim, o nosso estudo contribui no entendimento de como foi enquadrada a desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp.

Os nossos resultados reforçam resultados anteriores, onde mostramos que a pandemia foi tratada como debate político, porém desta vez, mostramos o mesmo nas mensagens desinformativas no WhatsApp. Particularmente, vimos que este enquadramento foi utilizado para favorecer uma narrativa pró-Bolsonaro e combater crises políticas sofridas pelo governo. Além do reflexo do discurso de Bolsonaro nos tópicos mais mencionados nas mensagens com desinformação no WhatsApp, também identificamos que o pico no compartilhamento de mensagens desinformativas se dá logo após o pronunciamento de Bolsonaro na televisão aberta.

 

Autores e financiamento

Os autores deste artigo são Felipe Soares (UFRGS), Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Taiane Volcan (UFPEL), Giane Fagundes (UFPEL) e Giéle Sodré (UFPEL). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.

Agradecimentos:

Agradecimentos especiais ao Fabricio Benevenuto e à equipe do Monitor de WhatsApp que muito gentilmente permitiram o acesso aos dados. Agradecimentos também à CAPES, CNPq e FAPERGS que de alguma forma apoiaram essa pesquisa.

 

Preprint: Polarização, Hiperpartidarismo e Câmaras de Eco: Como circula a Desinformação sobre Covid-19 no Twitter

(Por Felipe B. Soares)

Principais pontos

  • Nesta pesquisa, analisamos a circulação de links sobre a hidroxicloroquina no Twitter e identificamos polarização na circulação de informações, ou seja, as informações que circulam em um grupo não circulam no outro. Isso significa que links informativos, que poderiam desmentir a desinformação não circulam onde circulou a desinformação.
  • O grupo favorável ao uso da hidroxicloroquina como profilaxia e cura do Covid-19 está associado à desinformação e mídias hiperpartidárias, o que também salienta o alinhamento político da desinformação.

 

Overview

O nosso o artigo “Polarização, Hiperpartidarismo e Câmaras de Eco: Como circula a Desinformação sobre Covid-19 no Twitter” está disponível em Preprint na SciELO. Neste artigo, analisamos a circulação de desinformação sobre o Covid-19 no Twitter, analisando especificamente links relacionadas com o uso da hidroxicloroquina como tratamento da doença. A nossa análise foi realizada a partir de um conjunto de 159.560 links que circularam no Twitter entre os meses de março e julho de 2020.

Através de um mapeamento da rede e da observação da vizinhança dos links e dos links mais compartilhados, observamos uma polarização da circulação dos links de acordo com seu sentido (pró-hidroxicloroquina ou anti-hidroxicloroquina). Os resultados também apontam para uma maior atividade na divulgação de links pró-hidroxicloroquina, grupo onde também circula a maior quantidade de desinformação e de mídias hiperpartidárias.

 

Método

Para a nossa análise, coletamos um total de 925.537 tweets que continham a combinação de palavras “hidroxicloroquina + coronavírus” (302.897) e “cloroquina + coronavírus” (622.640) de 01 de março de 2020 a 20 de julho do mesmo ano. Deste total, filtramos um total de 159.560 tweets que continham URLs (links), com um total de 106.222 links únicos.

Utilizamos a Análise de Redes Sociais para analisar como os links foram compartilhados e identificar a presença de clusters polarizados, ou seja, mapear quais grupos de usuários compartilham links semelhantes sobre o tema. Criamos uma rede bipartida, com nós em que representavam as URLs e nós que representavam os usuários que as compartilharam. Também utilizamos algoritmos que calculam a tendência dos nós em pertencerem ao mesmo grupo a partir das URLs que compartilham (os usuários ficam mais próximo de outros usuários que compartilham os mesmos links).

Utilizamos também a Análise de Conteúdo para avaliar as 100 URLs que mais circularam nos clusters principais da rede. Esses links foram analisados e classificados (1) de acordo com o veículo de origem (hiperpartidários, jornalísticos, institucionais ou links de mídia social – que apontam para outro canal); (2) de acordo com o conteúdo (se continha ou não desinformação); (3) se apoiavam ou não o discurso do uso da hidroxicloroquina como cura ou profilaxia para o Covid-19.

 

Resultados

Na análise, nós marcamos as URLs em azul e os usuários em vermelho, assim podemos identificar os diferentes tipos de nós na nossa rede bipartida. A primeira coisa que observamos é a presença de duas comunidades (dois clusters) fortemente demarcados na rede. Isto indica que as URLs que circulam em um grupo não circulam no outro.

 

Figura 1: Rede do compartilhamento de links (azul) por usuários do Twitter (vermelho)

Para compreender o conteúdo que circulava na rede, analisamos as 100 URLs mais compartilhadas em cada um dos grupos. O grupo da parte de cima da rede era favorável a liberação do uso do remédio para tratamento do coronavírus. Do total de 100 links, 97 defendiam de algum modo o uso do remédio, seja como cura ou como tratamento, ou implicavam que pessoas que tinham se tratado com hidroxicloroquina teriam sobrevivido apenas pelo uso do remédio. Neste cluster, dentre as 100 URLs com maior circulação, temos 72 que continham algum tipo de desinformação e 28 que não continham. Todas as URLs que continham desinformação vinham de veículos hiperpartidários e mídia social.

No outro cluster, predomina o discurso que desacredita o uso do remédio no tratamento do coronavírus. Neste grupo, observamos uma maior circulação de veículos jornalísticos e institucionais. Há também uma quantidade muito menor de desinformação circulando (apenas sete links), dos quais quatro links vêm de veículos hiperpartidários, dois de veículos institucionais (que republicaram conteúdo desinformativo de sites hiperpartidários) e um de conteúdo publicado em mídia social.

A tabela abaixo sumariza estes resultados.

Dados de conteúdo e dos veículos

Tipos de Conteúdo Cluster pró hidroxicloroquina Cluster anti hidroxicloroquina
Desinformação 72 7
Conteúdo verificado 28 93
Tipos de Veículo
Veículos hiperpartidários 64 5
Veículos jornalísticos 20 80
Veículos institucionais 2 10
Mídia Social 14 5

 

Dentre os links que apoiam o uso da hidroxicloroquina, vemos principalmente referências à declarações do presidente Bolsonaro, ministros da saúde e outras autoridades, e conteúdo sob o formato que aponta para estudos que supostamente mostrariam que o medicamento “mata” o vírus. Já entre os links que desmentem este uso, vemos principalmente conteúdo factual, como o a retirada do estudo francês que teria supostamente comprovado a eficácia da hidroxicloroquina do ar e a não recomendação do uso do medicamento em testes pela OMS, além de links para periódicos científicos.

Também observamos diferenças importantes na estrutura dos dois clusters. O primeiro cluster, pró-hidroxicloroquina, por exemplo, é maior que o segundo (respectivamente 41.601 nós e 25.849 nós). O grupo que defende o uso da hidroxicloroquina tem 41.601 nós e 70.030 conexões, enquanto o outro grupo tem 25.849 nós e 38.954 conexões. Isso indica que há mais nós compartilhando os mesmos links no primeiro cluster em comparação com o segundo grupo. Ou seja, há uma maior concentração de conexões para as mesmas URLs compartilhadas no grupo pró-hidroxicloroquina.

 

Relevância

Os nossos resultados sinalizam assimetrias importantes na “dieta informativa” de quem consome e compartilha conteúdo relacionado ao Covid-19 no Twitter. No grupo favorável ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19, a desinformação está bastante associada ao consumo de veículos hiperpartidários (uma vez que quase toda a desinformação encontrada está relacionada a eles) e à conteúdo de mídia social (notadamente o YouTube). Por outro lado, no contrário ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19, a maior parte dos links circulados são de veículos jornalísticos ou noticiosos e veículos institucionais (por exemplo, sites de empresas, universidades e ministérios). Neste grupo, há um consumo e circulação muito menor de veículos hiperpartidários que, embora também sejam tipicamente associados a desinformação, também circulam conteúdo verdadeiro.  Este grupo está menos exposto à desinformação que o primeiro.

A estrutura da rede de links sobre o Covid-19, em conjunto com o tipo de URLs que circulam em cada grupo, indica que temos dois “ecossistemas” de informação distintos sobre o tema no Twitter. Assim, o que circula em um grupo não circula no outro. Isto é, links favoráveis ou contrários ao uso da hidroxicloroquina como tratamento do Covid-19 praticamente não circulam no cluster com opinião contrária. Isto dificulta o combate a desinformação, que está associada ao discurso pró-hidroxicloroquina, já que os usuários deste grupo não compartilham URLs que desmentem a desinformação.

 

Autores e financiamento

Os autores deste artigo são Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS) e Gabriela Zago (MIDIARS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.