Por Taiane Volcan
Nos dias 21 e 22 de setembro, apresentamos os resultados de alguns dos trabalhos desenvolvidos nos últimos meses pelo grupo, relacionados ao tema da desinformação, no Multidisciplinary International Symposium on Disinformation in Open Online Media (MISDOOM), organizado pela Universidade de Oxford.
O MISDOOM é um importante evento internacional para divulgação dos estudos sobre desinformação no país e também um espaço fundamental para a publicização e para o registro histórico sobre as características e práticas relacionadas à desinformação no contexto brasileiro.
Conheça os trabalhos apresentados:
Disinformation, Fact-Checking and the Far-Right: The Covid-19 pandemic on Facebook in Brazil:
(Raquel Recuero, Felipe Soares, Taiane Volcan, Otávio Vinhas, Ricardo Huttner e Victória Silva)
No primeiro dia, a coordenadora do Midiars, Raquel Recuero apresentou uma análise comparativa sobre a circulação de conteúdos desinformativos e de checagem de fatos sobre Covid-19 em páginas e grupos públicos do Facebook. O objetivo do estudo foi compreender como estes conteúdos circulam na plataforma, em quais grupos e páginas circulam mais e quais os efeitos da ideologia política no compartilhamento de links sobre Covid-19 no Facebook.
Para este estudo, usamos um conjunto de dados de 568 links de desinformação verificados sobre a Covid-19 fornecidos pela International Fact-Checking Network (IFCN)/Poynter, que foram analisados com o suporte do CrowdTangle. Os resultados demonstram que a desinformação circulou quase quatro vezes mais do que a verificação de fatos e que apenas 10% dos grupos que compartilharam desinformação também compartilharam um link de verificação de fatos.
Observamos, também, que a questão socioeconômica tem um papel fundamental na circulação da desinformação e na limitação do acesso a dados verificados. A maior parte da desinformação era composta por conteúdo nativo do Facebook, ou seja, os usuários não precisavam acessar outras páginas para ler o material completo. Já a checagem de fatos, normalmente, direcionava os usuários para outros sites, o que pode representar a cobrança pelo uso de dados móveis.
Por fim, identificamos que grupos e páginas políticos (principalmente de extrema direita), de mídia alternativa (hiperpartidários) e religiosos desempenham um papel importante na circulação de desinformação. Estes grupos eram, em sua maioria, ligados ao presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o compartilhamento seguiu um padrão de cluster, ou seja, os mesmos usuários publicaram a maior parte das desinformações encontradas na rede. Com isso, consideramos que a disseminação de desinformação no Facebook sobre a pandemia da Covid-19 apresentou um caráter extremamente político e polarizado.
“Made in China”: Disinformation and Sinophobia on Facebook during the Covid19 pandemic in Brazil:
(Elisa Stumpf, Felipe Soares, Taiane Volcan)
Neste estudo, analisamos postagens de páginas e grupos públicos do Facebook para explorar o papel da desinformação e da sinofobia no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil. Fizemos duas coletas de dados, em março e novembro de 2020. Em março, momento em que o termo “vírus chinês” foi reproduzido por políticos brasileiros, em particular pelo filho do presidente da república e deputado federal, Eduardo Bolsonaro. Em novembro, quando novamente Eduardo Bolsonaro divulgou uma teoria da conspiração sobre a Coronavac (a vacina Covid-19 desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan do Brasil), alegando que havia sido criada para fins de espionagem.
Para a análise de dados, criamos redes bipartidas para os dois grupos observados (páginas e grupos pró-Bolsonaro e anti-Bolsonaro). O grupo pró-Bolsonaro apresentou um discurso alinhado com a extrema-direita, com ampla reprodução de narrativas desinformativas e sinofóbicas. Já no grupo anti-Bolsonaro, temos veículos de mídia tradicional retratando os eventos e de políticos da oposição criticando Eduardo Bolsonaro.
Através da Análise de Conceitos Conectados (CCA – Lindgren, 2016), analisamos as postagens do Facebook contendo links que foram compartilhadas pelo menos 10 vezes em cada grupo. Observamos que os links compartilhados dentro do grupo classificado como pró-Bolsonaro reproduziam narrativas de desinformação, como culpar a China pela pandemia e acusar o país de criar intencionalmente o vírus. Já no grupo anti-Bolsonaro, as publicações reverberam a crise política e diplomática criada pelo governo federal com a China, além de críticas de lideranças de oposição ao comportamento de Eduardo Bolsonaro.
Concluímos que os materiais desinformativos sobre a pandemia circularam predominantemente no grupo pró-Bolsonaro e apresentaram um caráter sinofóbico evidente. Esse discurso, especialmente conspiratório, legitima o discurso de ódio e o preconceito contra a China e o povo asiático. Observamos também a relevância dos agentes políticos para a disseminação e legitimação do discurso sinofóbico.
Disinformation, social networks and cancel culture: notes on pop culture:
(Calvin Cousin)
Neste artigo, buscou-se debater o papel da desinformação na chamada “cultura de cancelamento”, tema frequente em debates contemporâneos relacionados à cultura pop e que envolve uma perseguição orquestrada contra determinados sujeitos nas redes. Considerando o contexto brasileiro extremamente polarizado, que atravessa as mais diversas esferas da sociedade, a prática do cancelamento pode decorrer de disputas entre sujeitos e envolver o compartilhamento de desinformação com o objetivo de estimular o cancelamento de adversários ou desafetos.
Para este trabalho, analisamos a 21ª edição do reality show Big Brother Brasil no Twitter, que em sua última semana teve os perfis na plataforma de dois dos mais populares participantes mobilizando seus fãs para lutarem contra as supostas “notícias falsas” espalhadas sobre cada um.
Na análise, observamos que o foco das desinformações espalhadas sobre os participantes teve caráter homofóbico e xenofóbico. Assim, o discurso de ódio foi adotado como uma importante estratégia de mobilização dos fandoms dos participantes para sabotar a vitória do adversário. As publicações apresentavam um forte caráter conspiratório com estímulo à intolerância e discurso de ódio contra os participantes em função de questões como origem (xenofobia) e sexualidade (homofobia). Com isso, foi possível refletir sobre as relações entre os fandoms da cultura pop, o discurso de ódio e a circulação da desinformação nas redes sociais.