Principais pontos
- Analisamos a circulação de URLs sobre a hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos do Facebook entre março e julho de 2020. Nossos resultados apontam para a polarização no compartilhamento de links nos dois espaços
- Também identificamos um contexto de assimetria, já que páginas e grupos favoráveis ao uso da hidroxicloroquina para o tratamento do Covid-19 compartilharam mais desinformação
- Por fim, notamos diferenças entre páginas e grupos. Houve maior frequência de compartilhamento de URLs nos grupos, que também apareceram mais associados a mídias hiperpartidárias e desinformação
Overview
O nosso o artigo “Covid-19, desinformação e Facebook: circulação de URLs sobrea hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos” está disponível em formato preprint na SciELO. Neste estudo, discutimos como circulou a desinformação sobre a hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos no Facebook. Para isso, coletamos mais de 70 mil publicações entre março e julho de 2020, utilizando o CrowdTangle. Os nossos resultados mostram que (1) a circulação de URLs foi polarizada, tanto no contexto de páginas, quanto grupos; (2) o conteúdo desinformativo foi utilizado para reforçar uma narrativa pró-hidroxicloroquina; e (3) os grupos deram maior visibilidade a mídias hiperpartidárias e desinformação em comparação com as páginas, os grupos também registraram maior frequência no compartilhamento de URLs.
A nossa pesquisa mostra um contexto de polarização assimétrica na circulação de informações sobre a hidroxicloroquina no Facebook, com grupos e páginas favoráveis ao uso do medicamento para Covid-19 associados ao espalhamento de desinformação. Este contexto faz com que o conteúdo verificado não circule nos espaços onde circula a desinformação. Além disso, observamos diferenças entre páginas e grupos, que são importantes para pensar em estratégias no combate a desinformação na plataforma.
Método
Os resultados que apresentamos neste artigo são baseados na análise de mais de 70 mil publicações de páginas e grupos públicos no Facebook, que coletamos utilizando o CrowdTangle. Para a análise destes dados, utilizamos a Análise de Redes Sociais para mapear a circulação das URLs e Análise de Conteúdo para identificar as fontes de informação dos links mais compartilhados e a presença de desinformação.
Para a Análise de Redes Sociais, separamos páginas e grupos e criamos duas redes bipartidas. Nestas redes, temos nós que representam as URLs e nós que representam as páginas ou grupos que as compartilharam. Também utilizamos algoritmos que calculam a tendência das páginas e grupos em pertencerem ao mesmo grupo a partir das URLs que compartilham (páginas e grupos ficam mais próximo de outras páginas e grupos que compartilham os mesmos links).
Utilizamos também a Análise de Conteúdo para avaliar 400 URLs. Estas URLs representam as 50 que mais foram compartilhadas em cada cluster (pró e anti hidroxicloroquina) de cada rede (páginas e grupos). Esses links foram analisados e classificados (1) de acordo com o veículo de origem (hiperpartidários, jornalísticos, institucionais ou links de mídia social – que apontam para outro canal) e (2) de acordo com o conteúdo (se continha ou não desinformação).
Resultados
Nossos resultados mostram que as URLs sobre a hidroxicloroquina (HCQ) circularam de forma polarizada tanto nas páginas quanto nos grupos. Ou seja, nas duas redes, temos comunidades distintas, uma pró-HCQ (azul) e outra anti-HCQ (verde). Estas estruturas de redes indicam que o conteúdo que circula em um dos clusters não circula no outro.
Também descobrimos que o contexto polarizado é assimétrico, ou seja, que os comportamentos no consumo de informações dos grupos são diferentes. Enquanto o cluster anti-HCQ deu preferência a veículos de imprensa e não circulou desinformação, o inverso ocorre no pró-HCQ. A maior parte da circulação de URLs neste cluster foi de desinformação, frequentemente apoiada em mídias hiperpartidárias – veículos que produzem conteúdo que dá preferência a uma narrativa política, por isso frequentemente distorcem fatos e produzem desinformação. A tabela abaixo detalha a análise das URLs que mais circularam em cada contexto.
Tabela 1. URLs mais compartilhadas
Rede | Rede das páginas | Rede dos Grupos | ||||||
Cluster | Anti-HCQ | Pró-HCQ | Anti-HCQ | Pró-HCQ | ||||
Freq. | Des. | Freq. | Des. | Freq. | Des. | Freq. | Des. | |
Imprensa | 48 | 0 | 16 | 1 | 38 | 0 | 13 | 0 |
Hiperpartidário | 1 | 0 | 28 | 22 | 11 | 0 | 32 | 25 |
Mídia social | 1 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 2 | 2 |
Institucional | 0 | 0 | 5 | 1 | 1 | 0 | 3 | 1 |
Total | 50 | 0 | 50 | 25 | 50 | 0 | 50 | 28 |
Identificamos ainda dinâmicas distintas em páginas e grupos públicos. Como detalhado acima, os grupos compartilham mais URLs de mídias hiperpartidárias e mais desinformação favorável ao uso da hidroxicloroquina. Além disso, descobrimos também que a média de compartilhamento de URLs nos grupos foi mais alta nos dados analisados. Ou seja, os grupos mais frequentemente compartilhavam conteúdo sobre o tema. Em parte, isso se deve ao tipo de espaço, já que as páginas são gerenciadas por um ou poucos usuários, enquanto nos grupos qualquer participante pode publicar. Isto tem a ver, portanto, com as affordances do Facebook, ou seja, com a relação entre as ferramentas técnicas da plataforma e as ações dos usuários a partir delas.
A diferença nas dinâmicas de páginas e grupos tem impacto no número total de compartilhamento de desinformação, especialmente porque o cluster pró-HCQ foi também muito mais ativo do que o cluster anti-HCQ na rede de grupos. Na comparação entre estes dois clusters na rede de grupos, o conteúdo desinformativo do pró-HCQ foi compartilhado com maior frequência do que todas as 50 URLs mais compartilhadas naquele anti-HCQ. Na comparação entre páginas e grupos, o total de desinformação compartilhado no cluster pró-HCQ na rede de grupos é quase oito vezes maior em comparação com a desinformação compartilhada pelo mesmo cluster na rede de páginas. A tabela abaixo detalha os números de compartilhamento das URLs mais compartilhadas em cada contexto.
Tabela 2. Frequência do compartilhamento de URLs
Rede | Rede das páginas | Rede dos Grupos | ||
Cluster | Anti-HCQ | Pró-HCQ | Anti-HCQ | Pró-HCQ |
Desinformação | 0 | 316 | 0 | 2509 |
Outro | 613 | 299 | 2092 | 2416 |
Total | 613 | 615 | 2092 | 4925 |
As altas frequências no compartilhamento de desinformação nos grupos possuem impacto para as estratégias de combate ao conteúdo problemático no Facebook. Ainda que a plataforma tenha iniciativas de marcar publicações de páginas como conteúdo desinformativo ou mesmo remover o conteúdo, como fez com declaração falsa de Jair Bolsonaro sobre a hidroxicloroquina, os nossos resultados apontam para a necessidade de pensar em estratégias para monitoramento de grupos públicos. Como vimos, a maior frequência de conteúdo desinformativo foi compartilhado nestes espaços.
Relevância
O acesso a informações verificadas é importante no combate ao Covid-19. O excesso de informações sobre a pandemia, a polarização nos discursos e o espalhamento de desinformação fazem parte do que a Organização Mundial da Saúde chama de “infodemia”. Assim, o nosso estudo contribui com a análise da circulação de conteúdo sobre a hidroxicloroquina no Facebook.
Os nossos resultados mostram polarização na circulação de informações, além de um contexto de assimetria, com o cluster pró-hidroxicloroquina compartilhamento mais desinformação. Além disso, identificamos o impacto dos grupos públicos no compartilhamento de desinformação. Este resultado está relacionado com as affordances do Facebook e indica a necessidade de estratégias específicas para combater a circulação de desinformação nestes espaços.
Autores e financiamento
Agradecemos ao CrowdTangle pelo acesso aos dados que utilizamos na nossa análise. Os autores deste artigo são Felipe Soares (UFRGS), Paula Viegas (UFRGS), Carolina Bonoto (UFRGS) e Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.