(por Raquel Recuero)
O MIDIARS já tem três preprints (um deles já publicado), e mais uma sequencia de artigos que estão submetidos focando a pesquisa sobre desinformação e covid-19 na mídia social. Alguns dos principais resultados:
- A desinformação relacionada à pandemia é quase na sua totalidade enquadrada como uma questão política. Trata-se de ter um “lado” político e, por isso, adotar determinadas ações que interferem na saúde pública. Exemplo: Usar ou não usar máscara é relacionado a adotar ou não a uma filiação política. Se você defende A, não pode usar, se defende B, usa. (Recuero & Soares, 2020) Do mesmo modo, grupos políticos e autoridade políticas têm um papel importantíssimo na legitimação e na circulação desse tipo de conteúdo. Também encontramos desinformação relacionada à pandemia alinhada com crises políticas no Brasil, oferecendo “histórias alternativas” sobre a crise ou atingindo diretamente adversários políticos (Resultados obtidos no Twitter, Facebook e WhatsApp em outros artigos ainda na espera para publicação.)
- A desinformação circula de forma mais forte nos grupos de extrema direita. Esses grupos também terminam “filtrando” a circulação de conteúdo que possa desmentir a desinformação. Portanto, onde circula a desinformação, não circula o fact-checking e a mídia tradicional (Recuero, Soares & Zago, 2020 e Soares, Viegas, Bonoto e Recuero, 2020). Há uma forte relação entre polarização política e circulação da desinformação, portanto.
- Quanto mais fechada a rede, mais difícil é a circulação de conteúdo que possa combater a desinformação. Particularmente, em canais onde há mais privacidade na circulação de conteúdo (WhatsApp e grupos no Facebook, por exemplo), circula mais conteúdo inteiramente fabricado, extremizado e teorias da conspiração. (Soares, Viegas, Bonoto e Recuero, 2020) Em lugares mais públicos, como o Twitter e as páginas do Facebook, circula menos conteúdo completamente falso e mais conteúdo enganoso (que tem verdades parciais).
- Notamos a presença de campanhas desinformativas, que ocorrem em determinados momentos, de forma coordenada, em vários canais, de modo a atingir algum ponto considerado relevante. Por exemplo, campanhas contra a vacinação, campanhas contra adversários políticos e instituições (particularmente STF e OMS), e etc. Essas campanhas são acionadas sempre que há uma crise política. Não são baseadas apenas no espalhamento de links únicos desinformativos, mas, igualmente, em outras estratégias, como “opiniões” de autoridades que legitimam aquela ideia, links variados (como se vários “meios” estivessem dando a mesma informação ao mesmo tempo), imagens e etc.
- Há campanhas para desacreditar a mídia tradicional e fortalecer veículos hiperpartidários (geralmente anônimos) como as “únicas fontes de informação” confiáveis. A campanha desinformativa política também “adota” pautas que são associadas a um mesmo sistema ideológico. Nesse sentido, o assunto da pandemia é sempre tratado como uma questão política e não como uma questão de saúde pública. A pauta da saúde é esvaziada e substituída por teorias da conspiração a respeito do vírus, questionamento de sua existência, discussão do vírus como um elemento de “controle” do estado, pautas antivacinas, pautas antimedicamentos, pautas que focam a auto medicação como uma ação de liberdade individual, etc.
- São usadas variadas estratégias de legitimação discursivas, notadamente autorização (pelos especialistas – “sou médico”, políticos – “autorizo”) e narrativização da pauta (como a criação de historietas que acompanham a desinformação, por exemplo: “Nos anos X e Y tivemos outras pandemias e as mesmas desapareceram naturalmente, como comprova a História, sem a necessidade de vacinas”, particularmente enquadrando questões morais como o bem x o mal, nós x o inimigo), bem como avaliação moral (pessoas “do bem” agem do modo Y). Estratégias específicas para a circulação também são adotadas (como a criação de um senso de urgência no conteúdo – “urgente”, “espalhe o máximo possível”, mobilização através de call to actions e hashtags, etc.).
Por conta desses resultados, vemos que é preciso uma ação muito maior por parte de governos, instituições e outros especialistas contra a desinformação. Não basta apenas fact- checking ou material publicado na mídia tradicional (embora essas ações sejam importantes para evitar novas radicalizações) . Há uma audiência crescente para as teorias conspiratórias e uma radicalização da população em torno dessas pautas. É preciso agir de modo coordenado, com um discurso único, utilizando estratégias semelhantes àquelas usadas pela campanhas desinformativas, sob pena de não atingir aqueles mais radicalizados. Ações das próprias plataformas de mídia social no sentido de evitar a circulação de conteúdo desinformativo e apresentar a checagem junto com a desinformação também são fundamentais.
Partes desses resultados estão submetidos e/ou publicados. Estamos concluindo um estudo sobre Instagram e um primeiro estudo sobre vacinas. Em breve vamos publicar mais conteúdo específico dos artigos que estão publicados ou em pre-prints.