Artigo novo: O Discurso Desinformativo sobre a Cura do COVID-19 no Twitter: Estudo de caso

(Por Felipe B. Soares)

Principais pontos

  • Pesquisa com análise de interações no Twitter mostra o alinhamento da desinformação sobre a “cura” do COVID-19 com o discurso político
  • Também foi observado que a desinformação sobre o tema aumentou após o pronunciamento de Jair Bolsonaro

 

Overview

O nosso o artigo “O Discurso Desinformativo sobre a Cura do COVID-19 no Twitter: Estudo de caso” já está disponível em formato Ahead of Print na E-Compós. Neste artigo, analisamos a circulação de desinformação no Twitter sobre a “cura” do COVID-19 em um período de 10 dias, que dividimos em três momentos: o período inicial de menções ao uso de cloroquina (20-22/03), um período em que Jair Bolsonaro faz declarações mais enfáticas neste sentido com pronunciamento público em 24 de março (23-25/03) e o período posterior ao pronunciamento (27-29/03). Os nossos resultados mostram (1) o alinhamento do discurso da desinformação com o discurso político de apoio ao presidente da República, Jair Bolsonaro;  (2) o espalhamento da desinformação associado à ação de influenciadores líderes de opinião notadamente alinhados à sua base de apoio; (3) o crescimento da circulação de desinformação a partir dos pronunciamentos do presidente; (4) a circulação de enquadramentos enganosos de informações verdadeiras como a estratégia-chave da disputa discursiva, buscando alinhar o discurso da “cura” com a desinformação.

Assim, o nosso estudo mostra que o discurso político tem papel importante na circulação de desinformação, mesmo sobre temas científicos e relacionados com a saúde pública, como é o caso da pandemia do COVID-19.

 

Método

Os resultados que apresentamos neste artigo são baseados na análise de quase 60 mil tweets que mencionavam os termos “coronavírus” e “cura”. Com mencionamos acima, dividimos estes tweets em três momentos para observar as dinâmicas de interações e espalhamento de desinformação ao longo do tempo. Para a análise destes dados, utilizamos dois métodos: a Análise de Redes Sociais e a Análise de Conteúdo.

 

Utilizamos a Análise de Redes Sociais para identificar os usuários mais centrais e também para observar a polarização nas conversações que analisamos. Para a análise dos usuários, observamos aqueles que mais receberam interações (RT, menções e respostas) e também os que mais participaram na conversação (os que mais retuitaram, mencionaram e responderam outros usuários). Para a análise da polarização, utilizamos algoritmos que calculam a tendência de todos os nós em pertencerem ao mesmo grupo a partir de seus retweets e citações (você tende a estar mais próximo das pessoas que retuita/comenta).

Utilizamos a Análise de Conteúdo para avaliar os tweets que mais foram compartilhados nestas conversações. Com base na Análise de Conteúdo, identificamos os tweets que espalhavam desinformação e também os que desmentiam as informações falsas. Além disso, no caso dos que espalhavam desinformação, também identificamos que tipo de desinformação era essa. Para isto, utilizamos três categorias:

  • Informação fabricada – Informação completamente falsa, fabricada ou sem nenhuma evidência como, por exemplo, teorias da conspiração.
  • Informação com enquadramento enganoso – Informações verdadeiras utilizadas para criar um sentido falso devido a forma como são apresentadas e ao tipo de conexões que é realizado a partir delas. Por exemplo: falsa conexão, falso contexto, conteúdo enganoso.
  • Informações manipuladas – Informações parcialmente verdadeiras manipuladas para construir um falso sentido. Por exemplo: imagens verdadeiras manipuladas de modo a acrescentar ou retirar uma informação essencial.

 

Resultados

Nos três períodos analisados, observamos redes polarizadas das interações sobre a “cura” do COVID-19 no Twitter. Nas três redes, temos um grupo azul envolvido em desmentir a desinformação sobre a “cura” do COVID-19, composto principalmente por jornalistas e pesquisadores; e um grupo vermelho envolvido com o espalhamento da desinformação, composto principalmente por políticos e ativistas de direita

Na nossa análise, observamos que no primeiro período (20-22/03), o grupo azul é maior e os tweets que mais circulam buscam desmentir a desinformação relacionada com a “cura” do COVID-19. Já nas outras duas redes (23-25/03 e 27-29/03), ocorre o inverso e a desinformação circula mais do que o conteúdo que a desmente. Entendemos que há uma influência do pronunciamento de Jair Bolsonaro, em 24/03, que pede às pessoas que voltem a trabalhar, condena as medidas de isolamento social e se opõe diretamente ao ministro da saúde, dizendo que o COVID-19 não passa de “uma gripezinha” e que a cloroquina seria uma cura para a doença. O pronunciamento não só é refletido no aumento da desinformação, como também no tipo de conteúdo que circula, já que muitas das mensagens desinformativa repetem falas de Bolsonaro.

 

Rede de 20-22/03

Rede de 23-25/03

Rede de 27-29/03

Discurso desinformativo da “cura” do coronavírus

Datas Número tweets originais Número de retweets
20-22/03/2020 08 3161
23-25/03/2020 14 5157
27-29/03/2020 21 5935

 

Discurso relacionado ao desmentido da “cura” do coronavírus

Datas Número tweets originais Número de retweets
20-22/03/2020 18 7958
23-25/03/2020 07 989
27-29/03/2020 03 313

 

Os usuários mais centrais nas conversações também se modificam do primeiro para o segundo e o terceiro período. Enquanto na rede de 20-22/03 temos principalmente jornalistas e pesquisadores entre os usuários que mais receberam interações na rede, nas outras duas redes os usuários que mais recebem interações são principalmente políticos e ativistas políticos. Da mesma forma, mudam também os usuários que mais participaram das conversações: no primeiro período são principalmente usuários interessados em debater sobre o tema, enquanto no segundo e no terceiro período, são principalmente os ativistas políticos.

 

Quanto ao tipo de desinformação mais frequente nas mensagens que espalham informações falsas sobre a “cura” do COVID-19 no período analisado, identificamos o enquadramento enganoso como principal estratégia. O enquadramento enganoso foi principalmente utilizado para relativizar a gravidade da doença, citando pessoas que se curaram, e relatar o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina como elemento que “salvou” pessoas que foram curadas.

 

As informações fabricadas foram utilizadas principalmente para espalhar teorias da conspiração relacionadas a “esconder” a verdade da população. Em alguns casos, associam a conspiração à imprensa, veículos de comunicação ou esquerda. Em outros relata, que a “cura” está sendo escondida. Já o conteúdo manipulado não foi utilizado em nenhuma das mensagens que analisamos.

 

Relevância

O combate ao COVID-19 depende da ação coordenada entre os cidadãos. O espalhamento de desinformação é problemático porque gera percepções equivocadas sobre a pandemia e dificulta a ação coletiva. Assim, o nosso estudo contribui no entendimento de como circula a desinformação no Twitter, particularmente sobre a “cura” do COVID-19.

 

Os nossos resultados mostram que houve polarização na discussão sobre o tema e o espalhamento de desinformação cresceu ao longo do tempo. Além disso, vimos que a desinformação sobre a “cura” do COVID-19 foi influenciada pelo discurso político, especificamente pelo pronunciamento de Bolsonaro em 24 de março. Após o pronunciamento, o número de mensagens que espalhava desinformação aumentou, circulando mais do que os tweets que desmentiam as informações falas. Além disso, observamos que frequentemente as mensagens desinformativas remetiam ao discurso de Bolsonaro sobre o tema. Por fim, a polarização no discurso é problemática, porque vimos que desinformação e mensagens que a desmentiam circulavam em grupos diferentes no Twitter, dificultando o combate do discurso desinformativo.

 

Autores e financiamento

Os autores deste artigo são Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS). O estudo contou com o apoio do CNPq e da FAPERGS.