ANÁLISE DE CONJUNTURA 01/2016: O MERCOSUL E OS SEUS NOVOS DESAFIOS

Dr. Charles Pennaforte*

O possível afastamento da presidente Dilma Rousseff em decorrência da crise política brasileira, em maio de 2016, oferece um quadro de variáveis a serem consideradas para o país até 2018. Iremos nos deter na questão específica do MERCOSUL.

A possível ascensão do senador José Serra (PSDB) pode ocasionar uma guinada considerável nos rumos da política externa brasileira, com reflexos sobre o MERCOSUL, caso se confirme a sua liderança nas relações exteriores e no comércio exterior no governo Temer (PMDB). Aspecto que seria emblemático no ano em que o bloco sul-americano completa os seus vinte e cinco anos de existência sob severa crítica de setores empresariais e da mídia brasileira.

Sintomático que aqueles que criticam a “ideologia” da política externa dos governos petistas ― como se fosse possível uma política externa “a-ideológica” ―, cogitem indicar um quadro essencialmente político e sem vinculação com a pasta (e sem conhecimento técnico). Deve-se lembrar que durante os governos Lula e Dilma todos os chanceleres eram diplomatas de carreira. A indicação de Serra traz elementos ideológicos controversos de um pragmatismo tecnocrata e uma inserção internacional subordinada.

No curto prazo é possível traçar um panorama importante do que representará a liderança de José Serra à frente de uma pasta que envolva a diplomacia e o comércio para o MERCOSUL.  Isso pode ser visualizado pelas declarações do senador no Senado Federal. Em março de 2015, por exemplo, o senador declarou que “O Mercosul foi um delírio megalomaníaco, e olha que atravessou vários governos, que pretendeu promover uma união alfandegária entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Sabe o que é uma união alfandegária? É uma renúncia à soberania da política comercial”.

Mas à frente disse que “O Brasil está, isoladamente, defendendo a posição hoje mais ortodoxa e reacionária em matéria de comércio internacional. Isso só tem uma vantagem: exime o Itamaraty de trabalhar – opa, para o Ministério do Desenvolvimento e para o Itamaraty, é uma folga, porque fazer acordos bilaterais de comércio dá muito trabalho”[1].

Logicamente sabemos que a retórica é importante para se alcançar os objetivos políticos e que o partido político do senador José Serra defende interesses políticos e econômicos empresariais específicos e até mesmo antagônicos, no qual o MERCOSUL não é necessariamente uma prioridade.

Certamente o fim ou o desmantelamento do MERCOSUL não será possível, como o senador almeja por meio de sua retórica, mesmo refletindo o anseio de alguns setores empresariais, em decorrência do nível de institucionalização alcançado pelo bloco e do comércio durante esse primeiro quarto de século. Por outro lado, tais declarações refletem o estado de ânimo que será colocado em prática no governo Temer, sob a batuta de José Serra, em relação ao MERCOSUL.

Se a dinâmica comercial não alcançou os resultados esperados por alguns segmentos do empresariado brasileiro ― mesmo que os dados do comércio intra-regional demonstrem o contrário ― é preciso ter em mente a dimensão geopolítica do MERCOSUL para os interesses estratégicos brasileiros.

[1]Cotado para o Itamaraty, José Serra considera Mercosul um ‘delírio megalomaníaco’. http://www.brasilpost.com.br/2016/05/03/serra-mercosul-delirio_n_9829396.html 03/05/2016

* Pós-doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM) da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Relações Internacionais pela Universidad Nacional de La Plata (Argentina). Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Coordenador do Grupo de Pesquisa CNPq Geopolítica e MERCOSUL: o Processo de Integração no Sistema Mundo Contemporâneo.

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