Trote Solidário: acadêmicos de medicina estimulam a doação de sangue
Já ouvistes falar em trotes abusivos, nos quais os ingressantes nos cursos de graduação passam por humilhações e, até mesmo, agressões? Provavelmente, sim, não é mesmo? Essa é uma triste realidade que, apesar de proibida por muitas universidades, ainda ocorre no Brasil afora de maneira clandestina, inclusive em faculdades de medicina. Felizmente, aos poucos, essa prática vem sendo abolida e substituída por campanhas sociais, denominadas de “trotes solidários”.
Os trotes solidários, além de preencherem essa lacuna de evento de confraternização entre “bixos” (ingressantes) e veteranos, cumprem papel social, sendo, muitas vezes, a porta de entrada para jovens que nunca haviam participado de ações beneficentes. Dentre as atividades realizadas pelo país, podem ser citadas visitas a orfanatos e asilos, doação de roupas, distribuição de preservativos e arrecadação de brinquedos.
Por todo o Rio Grande do Sul, existe uma campanha já bem estruturada pelo Núcleo Acadêmico do Sindicato Médico do RS (NAS-SIMERS), que ocorre semestralmente em diversas faculdades de medicina do estado, desde 2008 e, em Pelotas, desde 2017. O Trote Solidário do SIMERS é composto por duas ações: doação de sangue para os bancos locais e arrecadação de alimentos e produtos de higiene nos supermercados da cidade. O projeto, desde a sua fundação, já alcançou mais de 590 mil pessoas através da doação de alimentos e mais de 23 mil vidas com todo o sangue doado. Com números tão expressivos, não é à toa que o Trote Solidário já foi premiado em eventos nacionais, como o TOP Ser Humano, da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
O representante do NAS no interior do estado, da UFPel, Pedro Martinez, contou um pouco sobre o papel do Núcleo Acadêmico e da ação social perante os ingressantes no curso de medicina. “O NAS busca criar um elo entre os estudantes de medicina e o sindicato da classe. Uma das ações do núcleo é o Trote Solidário, realizado semestralmente ou anualmente, a depender da faculdade, que é uma gincana e uma competição entre as instituições participantes. Na edição atual do trote (2021.2), são 12 universidades participando. A UFPel, infelizmente, não tem uma tradição tão grande no Trote Solidário, mas, em alguns outros locais, a ação é muito grande. O SIMERS enxerga o trote como uma forma de engajar os calouros, criar uma sensação de comunidade dentre os futuros médicos.”
Pedro ainda comentou sobre as adaptações que o atual período da pandemia requereu da atividade beneficente. “No último semestre, as ações foram totalmente remotas. Neste semestre, estamos fazendo de forma híbrida, voltando um pouco para o presencial.” Outra mudança foi a inclusão de novas modalidades no trote. “Agora, a gente vai ter a doação de tampinhas e de livros, aqui em Pelotas.”
A doação de sangue, um dos braços do Trote Solidário, tem sua importância aumentada na cidade do extremo sul do país, pela situação constantemente alarmante das reservas de sangue. O Hemocentro Regional de Pelotas (HemoPel), onde é realizada a doação, frequentemente divulga, em suas redes sociais, a criticidade das reservas e a urgência por mais doadores. O atendimento do banco de sangue ocorre de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h30, na Avenida Bento Gonçalves, nº 4569. Além de contribuir com seu sangue, a população em geral pode realizar cadastro para doação de medula óssea, se disponibilizando para ser chamada quando houver necessidade. O Hemopel ainda realiza transfusões e tratamentos de coagulopatias.
Atualmente, o baixo volume de sangue estocado é um problema de ordem nacional, tendo em vista que as doações caíram significativamente durante a pandemia. Segundo dados da Agência Brasil, em 2020, houve queda de 10% no número de contribuições. Tal fato, inclusive, levou o Ministério da Saúde (MS) a criar as campanhas “Meu Sangue Brasileiro” e “Doe sangue regularmente. Com a nossa união, a vida se completa”, em março e junho deste ano, respectivamente. Para a última, aliás, escolheu-se o Dia Mundial do Doador de Sangue, 14 de junho. Existe, ainda, uma data nacional para incentivar a ação solidária: o Dia Nacional do Doador de Sangue, em 25 de novembro. O intuito dos novos programas do Governo era assegurar à população a segurança das doações durante o atual período restritivo decorrente da COVID-19. A repercussão, entretanto, foi baixa. O MS precisou acionar o Plano Nacional de Contingência do Sangue, que envolveu o remanejamento das bolsas entre os estados, para evitar desabastecimentos.
A recomendação a quem contraiu a COVID-19 é aguardar 30 dias após a ausência de sintomas para realizar doações de sangue. Para o público vacinado, o prazo depende do fabricante. Os imunizados com a Coronavac podem doar sangue após 48 horas da aplicação da vacina. Já aqueles que receberam Astrazeneca, Pfizer ou Janssen, devem esperar 7 dias para a doação.
De acordo com o MS, a taxa de doação de sangue voluntária da população brasileira é de 1,6%, dentro do estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de pelo menos 1%. Também não há indícios, até o momento, da falta de sangue para procedimentos clínicos ou cirúrgicos. No entanto, a necessidade do acionamento do Plano de Contingência evidencia déficits locais de bolsas de sangue. Por isso, é essencial manter-se ativo e frequente nas doações.
Artur Zanelatto, calouro do curso de medicina da UFPel, mal entrou na faculdade e já realizou sua doação, graças ao Trote Solidário. O estudante apontou a relação entre a ação solidária e sua futura profissão. “Como médicos, nós faremos diferença na vida das pessoas. O trote dá a oportunidade, desde o começo do curso, de você fazer alguma coisa útil pela sociedade, pelas pessoas que precisam. Além disso, é uma forma de integrar os estudantes e superar o estigma dos trotes violentos e vexatórios.”
O resultado ideal dessa intervenção logo no início do percurso acadêmico é a criação de uma “cultura da doação de sangue”. João Guilherme Costa, aluno do 5º semestre de medicina da Universidade Federal de Pelotas, é um exemplo de sucesso da campanha. Ele contou um pouco sobre seu histórico de doações. “Eu comecei a doar sangue logo aos 18 anos, mas não era muito assíduo. O exemplo do meu pai, que ia sempre doar sangue, me arrastou para doar. Quando entrei na faculdade e participei do Trote Solidário, comecei a me interessar mais pelo processo com um todo. Foi realmente a partir do trote que me tornei um doador mesmo, doando as 4 vezes permitidas por ano.”
João ainda ressaltou a importância da divulgação e do acesso à informação na doação de sangue. “Eu me tornei mais curioso depois do trote. Comecei a acompanhar se estava faltando sangue do tipo O+, O-. É preocupante ter de chamar pessoas a doar, faltar sangue para alguém e a pessoa morrer por isso, porque alguém não foi doar ou não tem conhecimento do que é a doação, de como funciona. Seria inadmissível perder uma pessoa por choque hipovolêmico porque não tem sangue, vamos supor.”
Agora que tu já sabes um pouco mais sobre o papel do trote solidário, faz tua parte: divulga e doa, seja sangue, seja alimento, material de limpeza, o que puderes! Ajuda a construir uma sociedade mais caridosa e preocupada com aqueles que precisam!