A atual pesquisa visa tecer reflexões acerca das construções de gênero presentes nas produções cinematográficas Maleficent (2014) e Cruella (2021). Em 1923 o intelectual Ricciotto Canudo (1995) já definia na obra O Manifesto das Sete Artes o cinema como a sétima arte, porém, como aponta o autor, seria uma arte hibrida intermidiática, sendo o resultado da junção de outras formas de expressão artísticas mais antigas como a música, a cor, a representação, o cenário, etc.
Neste sentido, a relação entre cinema e feminino foi historicamente perpetuada a partir de visões de homens sobre papéis sociais que mulheres deveriam representar nas telas de cinema, assim, condicionando o feminino a locais secundários e dicotômicos nas produções. Porém, sendo o cinema fruto da sociedade em que está inserido e produzindo uma visão/testemunho sobre o seu mundo (VALIM, 2012), na contemporaneidade, com o advento da emancipação feminina a partir da influência dos movimentos feministas e também com a inserção de mulheres nas produções de cinema, percebemos uma alteração nesta representação da mulher nas grandes telas.
Na mesma linha, Alexandre Valim (2012) salienta a importância significativa do papel social desempenhada pelo cinema na construção de seu meio, ou seja, as produções cinematográficas são responsáveis por tornar crível para seus espectadores imersões em realidades representadas nas telas, assim, o cinema proporciona experiencia de identificação com as ideologias e anseios apresentados nos filmes, levando o público a encontrar semelhanças entre si (mesmo que não haja) e o que é representado pelos personagens, permitindo até, em certos casos, plasmar sentimentos de querer estar naquele universo ficcional nos espectadores.
Compreendendo as produções cinematográficas e outros meios de comunicação de massa enquanto produtos culturais de imenso impacto na sociedade contemporânea, o cinema em especial destacou-se enquanto agente social, revolucionando a arte, desde seu modo de produção e até o formato de disseminação do conteúdo (KORNIS, 1992, p.237). O cinema e, em decorrência, as produções fílmicas são responsáveis por proporcionar ao espectador sentimentos e reflexões, elas são “uma realidade autônoma, cujo valor está na fórmula que obteve para plasmar elementos não-literários: impressões, paixões, idéias, fatos, acontecimentos, que são a matéria-prima do ato criador (CANDIDO, 2000, p.33).
Dito isso, é perceptível o amoldamento das produções cinematográficas a sociedade em que a mesma está imersa. Assim, as questões de gênero são noções presentes na cinematografia inspiradas nos contos de fada, desde os desenhos animados até as produções live-actions. Através de ótica de gênero, é possível compreender as diferentes transformações das personagens femininas (em destaque as personagens apresentadas inicialmente como vilãs) no percurso de tempo que compreendem as produções dos estúdios Disney.
Enquanto mecanismo de propagação e representação social de grandes massas, o cinema é uma ferramenta eficiente que, através de sua própria linguagem, atinge o público de diferentes maneiras, sendo fruto de uma dada sociedade e interagindo com o meio social que o cerca (KORNIS, 1992, p.246). Neste sentido, tendo como foco os filmes apresentados anteriormente, o conceito de gênero nos permite analisar como são representadas e construídas as figuras femininas nas referidas obras cinematográficas, percebendo a mudança existente nas personagens antagonistas (essencialmente más, velhas, feias e vingativas) para uma nova configuração de vilã-heroína empoderada, bela e com razões psicológicas que justificam seus atos – uma ressignificação do feminino atrativo economicamente e condizente para o momento histórico feminista do século XXI.