Minha pesquisa nasceu da vontade de trabalhar com algo que gosto de maneira crítica. Por consumir muito anime/mangá e interagir com outras pessoas que compartilham do mesmo gosto, percebi o quanto esses produtos culturais vêm sendo apropriados de maneira irrefletida pelos fãs, os quais desenvolveram uma visão idealizada sobre o Japão. Dessa forma, empreender trabalhos sem o verniz da glamourização torna-se uma tarefa indispensável — ainda mais quando falamos do Brasil, onde a cultura pop japonesa tem sido consumida mais do que nunca.
Dirigido e roteirizado por Katsuhiro Otomo, Akira (1988) é um filme que estreou num momento histórico de paradigmas. Internacionalmente a Guerra Fria conhecia seu esfacelamento; enquanto no Japão as novas configurações políticas permitiram que o nacionalismo ganhasse espaço e as memórias de guerra viessem à tona. Isso tudo converge para o momento que Akira estreou. Afetado pela mudança global e local, o filme explora de modo significativo esse contexto. O exemplo mais expressivo, nesse sentido, pode ser encontrado na primeira cena da animação. Nele, observamos a cidade de Tóquio ser aniquilada por uma força que objetivamente é uma metáfora para as bombas nucleares que destruíram Hiroshima e Nagasaki.
Na minha pesquisa trabalho com dois conceitos, o de memória e o de identidade nacional. Eles são valiosos na medida em que compreendemos que o Japão buscou alcançar a modernidade via o progresso econômico no pós-guerra. Nessa noção de progresso, o país tentou seguir em frente deixando o passado de lado, o que provocou o esquecimento das memórias de guerra. O resultado disso repercutiu diretamente na identidade japonesa, pois os valores culturais inculcados para se alcançar o progresso, juntamente com o esquecimento, afetaram o próprio sentido do “ser japonês”. Isso tudo torna o momento que Akira estreou ainda mais emblemático, pois com o fim da guerra fria e com a estagnação da economia japonesa, as memórias de guerra emergiram e o senso de identidade nacional japonês precisou ser reforçado. Nesse sentido, não apenas as vítimas procuraram por reparação, como também os perpetradores promoveram o revisionismo histórico.
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MESTRANDA LUCIANA DE ÁVILA FREITAS
Mestranda em História do PPGH da UFPel; Licenciada em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Integrante do Poiema desde 2020.