O Mar do Sul da China: Reivindicações de soberania e o interesse chinês

Localizada no Sudeste Asiático, o Mar do Sul da China (MSC), também chamado de Mar da China Meridional (MCM), é uma área marítima com cerca de 3,5 milhões de km² com diversas ilhas, ilhotas, recifes, corais e baixios. A região está limitada ao norte pela China e Taiwan, ao leste pelas Filipinas, ao oeste pelo Vietnã e ao sul por Brunei, Indonésia e Malásia, com acesso pelos Estreitos de Luzon e Taiwan no Norte e de Malaca, Sunda e Lombok ao Sul. Rica em recursos naturais e rota para o comércio de bens não apenas da Ásia, mas também do mundo, o MSC garante em grande parte a segurança econômica e segurança alimentar dos países banhados por suas águas¹.

Imagem: O Mar do Sul da China. Fonte: Google Maps

O MSC é conhecido pelo seu potencial energético representado pelo petróleo e gás natural presentes em seu território, apesar de ainda não se saber precisamente quais as quantidades disponíveis. Enquanto a Administração de Informação Energética dos Estados Unidos (EIA) estima que a região contenha cerca de 5.4 trilhões de metros cúbicos em reservas de gás natural e 11 bilhões de barris de petróleo, um estudo da consultoria em energia norte-americana Wood Mackenzie estimou apenas 2.5 bilhões de barris de petróleo. Já uma estimativa feita pela Companhia Nacional de Petróleo Offshore da China (CNOOC) demonstrou que há no MSC 14 trilhões de metros cúbicos de gás natural e 125 bilhões de barris de petróleo².

Além dos recursos energéticos, nesse pequeno espaço circula uma elevada porcentagem das mercadorias do comércio mundial, notadamente recursos naturais como gás natural e petróleo, e por isso o MSC é conhecido como a garganta do Pacífico. Deste modo, mais da metade da frota mercante mundial e da produção global de gás natural liquefeito, bem como quase um terço do petróleo não refinado global passam pelas águas da região, fazendo desta uma das mais importantes rotas comerciais do mundo. Especificamente, se o Estreito de Malaca fosse bloqueado por uma semana e fosse necessário usar apenas os Estreitos de Lombok e Sunda, geraria cerca de US$ 64.5 milhões em custos adicionais de frete³.

O Estreito de Malaca é o principal ponto de estrangulamento na Ásia e, nos últimos anos, cerca de 85% do petróleo que transitou por esse ponto foi de petróleo bruto. Em seu ponto mais fechado o Estreito de Malaca tem apenas 1,7 milhas de largura, criando um gargalo natural com potencial para colisões, encalhamentos ou vazamentos de óleo⁴

Assim, esse potencial geopolítico e geoeconômico desperta o interesse dos Estados, suscitando algumas disputas por determinadas regiões. Por décadas vêm se estendendo tensões entre os Estados devido a: (i) reivindicações de soberania pelas Ilhas em Paracel e Spratly e pelo Baixio Scarborough; (ii) definição de fronteiras marítimas; e (iii) definição de jurisdição sobre as Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) dos países.

As reivindicações de soberania sobre ilhas e ZEE no MSC feitas por China, Vietnã, Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan são uma fonte contínua de tensões na região e, apesar de não haver nenhum conflito bélico em decorrência de tais disputas, ainda assim há potencial para que isto de fato ocorra futuramente⁵.

Paracel, atualmente ocupado pela China, é formado por cerca de 130 ilhas e recifes, espalhados ao por de 15 mil km²  que são reivindicados por Taiwan e Vietnã. Spratly é dividido e disputado por China, Taiwan, Vietnã, Filipinas, Malásia e Brunei, sendo que os cinco primeiros possuem instalações militares na área. Scarborough é formado por um conjunto de recifes, bancos de areia e rochas que, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar (UNCLOS), está dentro da ZEE das Filipinas, porém a China reivindica soberania sobre a região.

A China reivindica o Mar do Sul em sua quase totalidade baseada em argumentos que defendem seu “direito histórico” sobre a região. Assim, buscando comprovar sua presença nas águas desde tempos passados, a China, baseada em antigos registros de pescadores e ocupações militares em algumas ilhas, utiliza a chamada Linha de Nove Traços (Nine-Dash Line, em inglês). As linhas, entretanto, ultrapassam as 12 milhas náuticas estabelecidas pela UNCLOS.

Taiwan, tal qual a China, busca na história as razões para suas reivindicações territoriais. O Vietnã alega estar presente desde o século XVII nas ilhas de Paracel e de Spratly – partes vitais de sua economia e do projeto de expansão da indústria pesqueira. A Malásia, Brunei e Filipinas baseiam-se na UNCLOS para reivindicar território como parte de sua ZEE.

Imagem: Reivindicações de soberania feitas sobre o Mar do Sul da China. Fonte: The South China Sea – Territorial Claims – Maps

Para Ratzel o que condiciona a ação estratégica de um Estado é o espaço (raum), ou seja, todas as características geográficas e recursos naturais disponíveis dentro do seu território, e a posição (lage), ou seja, a localização de um Estado em relação a mares, continentes e rotas comerciais. Em suma, importa para o Estado todos os recursos naturais, econômicos e militares disponíveis dentro e fora de seu domínio, bem como aqueles que ele poderia obter caso buscasse expandir seu território⁶. Nesse sentido, o MSC é de grande importância para a geoestratégia chinesa, tendo em vista sua posição geográfica e seus recursos. Logo, nota-se que, no plano internacional, o gigante asiático busca ampliar cada vez mais seu poder econômico, político, diplomático e militar.

A soberania sobre o MSC tem grande importância para a segurança econômica, energética e nacional da China uma vez que, devido à sua disposição no MSC, as Ilhas Paracel e Spratly e o Baixio Scarborough são pontos estratégicos para o controle do trânsito na área e, portanto, a militarização dessas regiões possibilita à força aérea e naval chinesa capacidade de operação sobre a quase totalidade do MSC.

Assim, o controle sobre o MSC permitiria ao dragão chinês fortalecer seu comércio e a segurança de suas rotas de energia, garantir seu acesso futuro a recursos de petróleo e gás e  realizar patrulhas marítimas. Todos vitais para a economia e para a segurança nacional da China⁷. Portanto, a manutenção do poder geopolítico chinês e sua posição como líder regional dependem da condução dos conflitos na região que estão relacionados com sua integridade territorial, sua segurança energética, sua integração regional e seu comércio exterior⁸. 

Apesar do investimento chinês em sua capacidade militar, é improvável que o gigante asiático tente resolver as disputas por soberania na região pelas vias militares, já que os custos para tal seriam demasiadamente elevados. Assim, é mais provável que a China busque dar continuidade a sua Política Externa de desenvolvimento pacífico – que enfatiza o compromisso com a paz, estabilidade e cooperação – ao passo que procura afirmar suas reivindicações de jurisdição sobre os territórios do MSC e expandir sua presença no MSC por meio de mediações bilaterais⁹.


Referências

¹ PADULA, R.; FERNANDES, F. G. C. O Mar do Sul da China: seu valor estratégico e a geoestratégia chinesa. Sociedade e Cultura, v. 23, 2020.

² FAKHOURY, R. M. M. As disputas marítimas no Mar do Sul da China: antecedentes e ações militares no século XXI. Série Conflitos Internacionais, Marília, v. 6, n. 1, p. 1- 9, fev. 2019.

³ Ibidem.

VILLAR, L., HAMILTON, M. The Strait of Malacca, a key oil trade chokepoint, links the Indian and Pacific Oceans. Energy Information Administration, 2017.

JUNG, D. W.; FILHO, J. E. S.; BORGES, M. S. Tensões no Mar do Sul da China. Relações Internacionais para Educadores, Porto Alegre, v. 4, p. 37-55, 2017.

RATZEL, F. (1897). Géographie politique. Paris, Ed. Régionales europénnes, 1988.

ZHOU, W. China’s Growing Assertiveness in the South China Sea. Real Instituto Elcano. 05 nov. 2015.

PAUTASSO, D.; DORIA, G. A China e as disputas no Mar do Sul: Entrelaçamento entre as dimensões regional e global. Revista de Estudos Internacionais, v. 8 , n. 2, p. 18-32. 2017.

STOREY, I. China’s Bilateral and Multilateral Diplomacy in the South China Sea. In: CRONIN, Patrick M.(Ed) Cooperation from Strength. The United States, China and the South China Sea. Center for a New American Security,Washington, jan. 2012.


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Ester G. Kurz    Diretora do comitê acadêmico universitário em português

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