Por Gabriel Delpino da Silveira
Este trabalho tem como proposta a modelagem urbana através de simulações de crescimento na cidade de Santiago/RS por um sistema de autômatos celulares. Utilizando o programa CityCell é possível informar dados que possibilitem, previamente, a calibração do modelo e, em seguida, a experimentação de alternativas que alterem o crescimento da cidade, como influência de estradas, matas nativas, nascentes e outros elementos.
Modelagem Urbana
De acordo com Almeida (2003) “modelos são representações simplificadas da realidade”. A construção de modelos urbanos permite a simulação de estudos que propiciem e definam o planejamento de uma cidade.
Existem quatro maneiras de classificar um modelo: descritivo, que busca compreender o funcionamento de um sistema real; exploratório, que possibilita a exploração de novos cenários a partir da descrição da realidade; preditivos, que incluem o tempo na simulação, explorando passado e futuro dinamicamente; e modelos operacionais, que servem preferencialmente aos planejadores urbanos, auxiliando nas escolhas dos agentes públicos de planejamento (ECHENIQUE, 1968). Este estudo aborda um modelo urbano descritivo, preditivo e exploratório.
Autômatos Celulares e CityCell
Segundo White et al (1997) autômatos celulares são sistemas espaciais e dinâmicos onde o estado de cada célula depende do estado das células vizinhas e seus conjuntos de regras de transição entre elas. O grid celular é esse espaço onde o autômato existe, por meio de um conjunto de células.
O programa CityCell – Urban Growth Simulator foi desenvolvido por Saraiva e Polidori (2014) e utiliza a base de grid celulares para o seu funcionamento. Ele fornece ferramentas básicas de geoprocessamento e dados necessários para a manipulação dos dados, visualização, análise e avaliação dos resultados gerados. Os atributos inseridos são divididos em três itens: atributos naturais, fatores do ambiente natural como sistemas de águas, cobertura do solo e fatores geomorfológicos; atributos urbanos, onde mostram o mapeamento do solo urbanizado; atributos institucionais, que possibilitam representar praticas de planejamento urbano, como leis e incentivos (POLIDORI, 2004).
A cidade de Santiago/RS
Localizada no estado do Rio Grande do Sul – Brasil, a cidade de Santiago se encontra na latitude de 29º Sul e longitude 54º Oeste, a 354 metros de altitude. Divide limites com os municípios de Unistalda, Nova Esperança do Sul e Capão do Cipó. É considerada uma cidade de baixo porte por conter 49.298 habitantes (atualizado em 2021) e uma média de 20,33 habitantes por quilometro quadrado (IBGE, 2022). Seus principais acessos se dão pelas rodovias BR-377 e RSC-287, onde a cidade se encontra próximo a intersecção de ambas.
Simulações do modelo através do CityCell
A primeira etapa para a realização deste trabalho ocorreu ao reunir todas as informações relevantes ao crescimento de Santiago e informá-las através de “inputs” no programa CityCell. Ao longo dos testes foi possível reconhecer aspectos que impactaram na transformação da malha urbana da cidade desde 1985 (ano escolhido para o início do estudo e para a etapa de calibração do modelo).
Para reunir as imagens georreferenciadas foram utilizados dois programas-base: Global Mapper (GM) e Google Earth (GE). Com o GM foram baixadas imagens de satélites já georreferenciadas da cidade de Santiago/RS com qualidade de 10 metros, as linhas de drenagem, curvas de nível e bacias hidrográficas. Com o GE foram baixadas imagens de satélites que demonstravam a malha urbana em períodos diferentes, especificamente 1985 e 2021 (que futuramente foram utilizadas para a etapa calibração). As imagens do Google Earth precisaram ser georreferenciadas através de outro programa, neste caso foi utilizado o AutoCad com o plugin Raster Design para realizar o procedimento.
Tendo estas imagens, o próximo passo foi adicioná-las ao programa CityCell e informar ao sistema de células o que se via nas fotos. Com isso, os inputs realizados numa malha de 200x200m foram os seguintes:
Com a inserção destes inputs foi possível a realização da simulação de crescimento de Santiago. Começando pela etapa de calibração do modelo, alguns destes dados foram relevantes para a efetivação da calibração e, consequentemente, a utilização do sistema para futuras simulações.
Como regra de interação foi aplicada a “Threshold Potential”, ou potencial de crescimento limiar, e considerou os seguintes atributos e pesos: Fundo com peso 1, ambiental e resistência; linhas de drenagem com peso 1, ambiental e resistência; párea urbana de 1985 com peso 1, urbano e atração; malha viária de 1985 com peso 0.2, urbano e atração; resistência da topografia com peso 1, ambiental e resistência; áreas militares com peso 1, urbano, atração e congelamento de células ativo; intersecções nas rodovias com peso 0.8, urbano e atração; corredor das tropas com peso 0.8, urbano e atração; matas nativas com peso 1, ambiental e resistência. Foram realizadas 36 iterações (anos entre 1985 e 2021) para buscar o melhor resultado próximo a párea urbana de 2021.
Na figura a seguir consta o resultado na última iteração em comparação com a párea urbana de 2021. É possível observar que a calibração acertou nas áreas centrais porém ocorreram alguns erros nos extremos da párea urbana. O falta de acerto mais considerável está localizada na área nordeste do modelo, onde não foi possível replicar o crescimento urbano totalmente.
Quando comparado utilizando a opção “Fuzzy Comparision” que determina as porcentagens de acerto em 3 níveis diferentes, os resultados são os seguintes: Coincidência total com 50% de acertos e coincidência com 200m (1 célula) de erro com 70% de acertos. Para princípios de calibração, a segunda opção (com 70% de acerto) foi considerada.
Com o modelo devidamente calibrado, foi possível prever o crescimento urbano de Santiago até 2057, através da regra “Threshold Potential” e utilizando os seguintes atributos e pesos: Fundo com peso 1, ambiental e resistência; linhas de drenagem com peso 1, ambiental e resistência; párea urbana de 2021 com peso 1, urbano e atração; malha viária de 2021 com peso 0.2, urbano e atração; resistência da topografia com peso 1, ambiental e resistência; áreas militares com peso 1, urbano, atração e congelamento de células ativo; intersecções nas rodovias com peso 0.8, urbano e atração; corredor das tropas com peso 0.8, urbano e atração; matas nativas com peso 1, ambiental e resistência. Foram realizadas 36 iterações (anos entre 2021 e 2057).
Iniciando a etapa de simulação de transformações na párea urbana com a adição de outros atributos, foi pensado na possibilidade de união de duas rodovias importantes (BR-377 e RSC-287) através de uma nova rodovia na parte sul de Santiago. O processo foi o mesmo utilizado anteriormente, apenas com a adição do atributo “estrada nova” com peso 1, urbano e atração. A imagem a seguir demonstra o impacto que se obteve:
Logo após foi simulado a possibilidade deste rodovia com peso ainda maior (4) para entender se o impacto seria mais significativo. A principio de entendimento, o peso 4 significa uma estrada com excelente infraestrutura, o que atrairia o crescimento populacional para aquela área, como incentivos financeiros, grande oferta de loteamentos, dentre outros.
Considerações finais
O presente trabalho teve como objetivo testar, simular e experimentar diferentes possibilidades de crescimento para a cidade de Santiago/RS através de modelagem computacional por autômatos celulares. A calibragem do modelo demonstrou diversos aspectos importantes que impactaram na malha urbana atual da cidade, atributos como as rodovias, áreas militares e intersecções das rodovias foram de suma importância para o crescimento da cidade entre 1985 e 2021 e, possivelmente, seguirão sendo elementos estruturadores da malha futuramente.
A expansão da malha ocorreu na borda da rodovia RSC-287 e há grande probabilidade da cidade seguir expandindo suas bordas até ocupar as margens das rodovias. Na área nordeste onde a etapa de calibragem não foi atingida, não foi possível buscar algum atributo que simulasse a expansão naquela direção.
Com a construção de uma rodovia que interliga a BR-377 e RSC-287 no setor sul da cidade, foi possível determinar algumas hipóteses: uma simples rodovia que não conecta na cidade, mas sim está ao redor dela, pode não ser capaz de transformar significativamente a malha urbana, apenas se essa rodovia contar com grande infraestrutura capaz de atrair a população, como a construção de importantes equipamentos urbanos, iniciativas e incentivos municipais, oferta de lotes, dentre outros.
Referências
ALMEIDA, C. M. D. Modelagem da dinâmica espacial como uma ferramenta auxiliar ao planejamento: simulação de mudanças de uso da terra em áreas urbanas para as cidades de Bauru e Piracicaba (SP), Brasil. Tese de Doutorado INPE. São José dos Campos, p. 351. 2003.
ECHENIQUE, M. Models: a discussion. Land Use and Built Form Studies, Cambridge, 1968.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). IBGE, 2022. Cidades. Disponível em:< https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rs/santiago.html >. Acesso em: 14 de maio de 2022
POLIDORI, M. C. Crescimento urbano e ambiente: um estudo exploratório sobre as transformações e o futuro da cidade. Tese de Doutorado UFRGS PPGECO. [S.l.]. 2004.
SARAIVA, Marcus Vinicius Pereira; POLIDORI, Maurício Couto. CityCell: Urban Growth Simulator (software). LabUrb – Laboratório de Urbanismo da FAUrb. Pelotas: UFPel, 2015.
SARAIVA, Marcus V. P. Simulação de crescimento urbano em espaços celulares com uma medida de acessibilidade: método e estudo de caso em cidades do sul do Rio Grande do Sul. 2013. 99f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
WHITE, R.; ENGELEN, G.; ULJEE, I. The use of constrained cellular automata for
high-resolution modelling of urban land-use dynamics. Environment and Planning
B: Planning and Design, 24, n. 3, 1997. 323-343.