Principais pontos
- Analisamos 751 vídeos sobre cloroquina e hidroxicloroquina no YouTube. Buscamos compreender como é promovido o conteúdo favorável a essas drogas, que não possuem eficácia no tratamento da Covid-19
- Identificamos um papel central da imprensa brasileira na promoção do uso de cloroquina e hidroxicloroquina para Covid-19. A maioria dos vídeos com desinformação sobre o tema foram postados por canais da imprensa tradicional.
- Descobrimos também que os vídeos favoráveis ao uso das drogas receberam mais visualizações e geraram mais interações através de curtidas e comentários.
- Por fim, identificamos que os algoritmos de recomendação do YouTube também promoveram o conteúdo desinformativo, já que os vídeos pró-cloroquina eram mais frequentemente sugeridos do que os vídeos que apontavam para a falta de eficácia do medicamento.
Overview
O nosso artigo “YouTube as a source of information about unproven drugs for Covid-19: The role of the mainstream media and recommendation algorithms in promoting misinformation” está disponível em formato preprint na SocArXiv, servidor de preprints da área da comunicação e de outras ciências sociais da Open Science Framework (OSF). Esta pesquisa será apresentada no dia 13 de setembro, durante a 7ª Conferência do International Journal of Press/Politics.
Neste estudo, exploramos a propagação de conteúdo sobre hidroxicloroquina e cloroquina no YouTube. Utilizamos o YouTube Data Tools para coletar vídeos sobre o tema. Os 751 vídeos do nosso dataset final foram analisados por meio de Análise de Conteúdo e Análise de Redes Sociais. Os principais resultados apontam para papéis centrais da imprensa tradicional brasileira e dos algoritmos de recomendação do YouTube na promoção de conteúdo promovendo as drogas que não possuem eficácia no tratamento da Covid-19.
A nossa pesquisa é relevante para compreender o contexto de promoção de cloroquina e hidroxicloroquina no Brasil. Em particular, nossos resultados apontam para o papel da imprensa brasileira na promoção das drogas, contribuindo para um cenário de desinformação. Além disso, mostramos como o YouTube também acaba promovendo conteúdo favorável a estas drogas, de forma que a plataforma também contribui para o fortalecimento da desinformação sobre Covid-19 no Brasil
Método
Utilizamos métodos mistosp ara a análise dos 751 vídeos sobre hidroxicloroquina e cloroquina. Utilizamos a Análise de Conteúdo para identificar o tipo de conteúdo produzido no vídeo: se favorável ao uso de hidroxicloroquina e cloroquina (pró-HCQ), se contrário ao uso das drogas para Covid-19 (anti-HCQ), ou se sem uma posição clara. A Análise de Conteúdo também foi utilizada para identificar o tipo de canal que postou cada um dos vídeos analisados. Com base na Análise de Conteúdo, utilizamos testes estatísticos para comparar o número de visualizações e interações (likes, dislikes e comentários) em vídeos pró-HCQ e anti-HCQ.
Utilizamos a Análise de Redes Sociais para explorar uma rede criada a partir dos vídeos recomendados pelos algoritmos do YouTube. Cada vídeo do nosso dataset era acompanhado por uma lista de até 50 recomendações. Com base nisto, utilizamos métricas de rede (E-I index e coeficiente de clusterização) para identificar a tendência de homofilia nas sugestões do YouTube. Isto é, se os vídeos possuíam tendência a sugerir outros vídeos com o mesmo conteúdo. Além disso, utilizamos testes estatísticos para comparar a média de vezes que vídeos pró-HCQ e anti-HCQ foram sugeridos pelos algoritmos do YouTube no nosso dataset.
Resultados
O nosso primeiro resultado relevante aponta para a influência da imprensa na promoção de conteúdo pró-HCQ. Os canais da imprensa brasileira foram maioria entre os produtores de vídeos pro-HCQ no YouTube, como mostra a imagem abaixo. Isto é relevante porque a imprensa é geralmente colocada em oposição a desinformação. Porém, como vimos neste estudo, a imprensa acaba contribuindo para um contexto de desinformação sobre Covid-19 ao promover medicamentos que não possuem eficácia no tratamento da doença.
Exploramos também o número de visualizações, likes, dislikes e comentários dos vídeos, com o objetivo de comparar os índices de vídeos pro-HCQ e anti-HCQ. Descobrimos que os vídeos pró-HCQ receberam mais visualizações, likes e comentários (todos com relevância estatística), enquanto os vídeos anti-HCQ receberam mais dislikes, ainda que sem relevância estatística. Isto mostra uma tendência de engajamento de usuários no YouTube na promoção de conteúdo pro-HCQ.
Na análise sobre a tendência de homofilia das sugestões do YouTube, descobrimos que os algoritmos não favorecem a formação de “câmaras de eco”, de forma geral. Porém, descobrimos que vídeos pró-HCQ possuem maior tendência de sugerir outros vídeos pró-HCQ. Vídeos anti-HCQ e sem posição clara possuem maior tendência a sugerir vídeos com outro tipo de conteúdo do que o apresentado no vídeo. Assim, há maior tendência de homofilia entre os vídeos pró-HCQ. Descobrimos que isso ocorre principalmente porque os algoritmos de sugestões do YouTube deram preferência a conteúdo pró-HCQ. Como pode ser visto na imagem abaixo, estes vídeos possuíam maior média no número de vezes que foram recomendados no nosso dataset em comparação com vídeos anti-HCQ.
Ainda que o YouTube tenha anunciado ações para combater o espalhamento de conteúdo favorável a medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento de Covid-19, os nossos resultados mostram que a plataforma acabou favorecendo a propagação de vídeos pró-HCQ. Também analisamos quantos vídeos pró-HCQ seguem disponíveis no YouTube e descobrimos que o número é superior a 90%. Entre os que fazem parte do nosso dataset, apenas 20 vídeos pró-HCQ foram removidos por ferir as normas de conteúdo do YouTube e 12 vídeos pró-HCQ estão indisponíveis ou foram tornados privados. Juntos, estes vídeos foram assistidos mais de 4 milhões de vezes. Isto indica que as ações do YouTube foram tardias, já que os vídeos retirados do ar foram visualizados milhões de vezes, e tiveram pouca eficácia, já que a maioria dos vídeos pró-HCQ segue disponível.
Relevância
Drogas sem eficácia no tratamento da Covid-19 foram um dos principais tópicos da desinformação sobre a pandemia no Brasil. De forma particular, a CPI da Covid investiga questões relacionadas a lobby de empresas com políticos e também a pagamentos para que médicos prescrevam drogas do “kit Covid”. Por isso, é importante compreender como o conteúdo sobre cloroquina e hidroxicloroquina circulou nas mídias sociais, em particular, no YouTube, plataforma utilizada por aproximadamente três quartos da população brasileira – segundo dados do Digital News Report, da Reuters Insitute.
Os nossos resultados destacam o papel da imprensa brasileira na promoção de drogas sem eficácia para Covid-19. Isto é especialmente problemático porque a imprensa acaba contribuindo com o contexto de desinformação sobre a pandemia no Brasil. Além disso, vimos que as ações do YouTube no combate a desinformação foram insuficientes. Mais do que isso, o YouTube acabou promovendo conteúdo pró-HCQ ao mais frequentemente recomendar vídeos que promoviam as drogas.
Autores
Os autores deste artigo são Felipe Soares (MIDIARS), Igor Salgueiro (UFPEL), Carolina Bonoto (UFRGS) e Otávio Vinhas (UCD).