O “Leitura em Voz Alta” é um projeto de extensão que possui uma provocadora proposta acerca do ato da leitura. Sinalizado já em seu próprio nome, a atividade viabiliza encontros de leitura nos quais a única condição para se estar é a partilha da voz e da escuta, princípio de leitura fundante e característico do grupo.
A trajetória deste projeto teve início em 2015, ocasião na qual foi lido dentro dos muros da UFRGS o subversivo romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. No ano seguinte, em 2016, foi realizada a leitura do Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, obra fundadora da linguística moderna e que então completava seu centenário.
Já no outro ano, em 2017, o romance escolhido pelos organizadores foi Cem anos de solidão, título ímpar da literatura hispano-americana, em homenagem aos seus 50 anos. Por desejo do grupo formado naquele ano, após a leitura do Cem anos, foi lido também o tocante romance Lavoura Arcaica. Notável é o fato de nessa edição o “Leitura em Voz Alta” ter extrapolado o espaço universitário e ter passado a ocorrer em um despojado ambiente de bar (Bar Parangolé, em Porto Alegre), atitude que proporcionou ao projeto de extensão o intencionado arejamento.
Em sua quarta edição (em 2018), lemos a inacabada obra de Fernando Pessoa, o Livro do desassossego, título escolhido a partir de um instigante sarau realizado às escuras, presentificando-se então no encontro o desejo causado pela voz que lia e que, por sua vez, encontrava suporte nos ouvidos. Igualmente, naquele ano, o grupo desejou seguir lendo de forma compartilhada. Foi então que realizamos a travessia do singular O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe.
O projeto, em seu quinto ano (2019), mais uma vez superou nossas expectativas. Além da leitura do clássico Frankenstein, de Mary Shelley, um novo grupo se formou para ler outras três obras em leituras compartilhadas semanais. Foram lidos Ruína y leveza, de Julia Dantas, A hora da estrela, de Clarice Lispector e O beijo na parede, de Jeferson Tenório. Além disso, o projeto, no decorrer do ano de 2019, foi convidado a participar dos seguintes eventos: Feira do Livro de Porto Alegre, Exposição dos 70 anos de O tempo e o vento, Semana dos Museus 2019, Semana de Resistência organizada pela Rede de Educação em Saúde Coletiva, atividade de extensão organizada pelo grupo “Gentileza faz bem à saúde” e, finalmente, do painel “Literatura em voz alta”, na UFPel.
Em seu sexto ano (2020), o projeto iniciou reunindo leitores na Biblioteca Pública de Porto Alegre para, no Dia do Leitor (7 de janeiro), ler em voz alta Max e os felinos, de Moacyr Scliar. A ideia era, a partir de março, ler o clássico Dom Quixote, em reuniões semanais no Bar Parangolé. Em função da reclusão provocada pela pandemia, resolvemos vencer as resistências e experimentar testar a atividade virtualmente. E aconteceu que atravessamos 2020, juntos mas distantes, lendo Campo geral, de Guimarães Rosa, Memórias do subsolo, de Fiódor Dostoiévski e As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino. Durante o ano de 2020, o “Leitura em Voz Alta” também esteve presente no II Encontro Acadêmico de Literatura: Clarice Lispector 100 Anos, promovido pela UFRGS em regime remoto, ocasião em que se comemorava o centenário da autora, para contar a experiência de ler Clarice em voz alta.
Iniciando o ano de 2021 ainda sob efeito da quarentena, o projeto começou em janeiro com a leitura de Marrom e amarelo, de Paulo Scott. Ao término dessa obra, foi a vez de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, que atravessamos ao longo de treze meses, entrando em 2022, ainda em reuniões virtuais. O cenário nos levou a batizar a atividade de “Quarentena em Voz Alta”, durante a qual, ainda em 2022, lemos o inquietante Os supridores, de José Falero.
Em 2023, retornamos ao formato presencial, dessa vez em outro bar da capital gaúcha, o Zuca Bar, lendo os romances de autoria argentina O jogo da amarelinha, de Júlio Cortázar e O parque das irmãs magníficas, de Camila Sosa Villada.
Em 2024, agora na Macun – Livraria e Café, as leituras da vez são Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, e A extinção das abelhas, de Natalia Polesso, esse último escolhido com forte influência das consequências geradas pela crise climática, manifestada nas enchentes que abalaram o estado e interromperam os encontros do grupo por quase dois meses. Na história do “Leitura”, esse ano também foi marcado pela presença do projeto no evento “(a)bordar o vivo – psicanálise a céu aberto”, promovido pela Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA).
O intento do projeto é o encontro entre estudantes de áreas diversas, professores, convidados, leigos e curiosos, bem como a criação de espaço de compartilhamento de ideias e afetos por meio da leitura em voz alta. Entre outras características da atividade estão a vivência da leitura em grupo, reflexões sobre o cotidiano, debates literários e subversão da tradicional modalidade de leitura solitária e silenciosa.