Início do conteúdo
Transformações no Comércio de Pelotas

 

Localização comercial no tempo e no espaço:
dinâmica na cidade de Pelotas, RS

 

 

DIONE DUTRA LIHTNOV

Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais

dione.lihtnov@hotmail.com

 

SIDNEY GONÇALVES VIEIRA

Universidade Federal de Pelotas

sid_geo@hotmail.com

 

 

 

RESUMO

 

O comércio da cidade de Pelotas se caracteriza por apresentar uma grande complexidade e fragmentação, entretanto esta realidade nem sempre representou à tônica comercial da cidade. Neste sentido, o trabalho analisa as temporalidades e dinâmicas de localização comercial, a partir das concentrações comerciais na cidade de Pelotas, RS. Entende-se que a cidade pós-moderna esta diretamente condicionada às transformações do comércio e do consumo. Estas transformações estão relacionadas às mudanças de natureza estrutural, sobretudo no transporte e armazenagem de bens, pessoas e informações. Parte-se do pressuposto de que a expansão espacial e populacional multiplica a centralidade por outros espaços da malha urbana, expressando-se além do centro tradicional. As estratégias e dinâmicas locacionais do comércio e consumo interferem diretamente na morfologia urbana, modificando as relações do centro com o seu entorno e áreas periféricas. Desta forma, entendemos que o estudo das concentrações comerciais compreende o desenvolvimento e conhecimento da realidade urbana atual.

 

PALAVRAS-CHAVE: Cidade, Comércio, Espaço.

 

INTRODUÇÃO

 

O trabalho se propõe a fazer uma análise da dinâmica comercial da cidade de Pelotas, localizada no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Vislumbra-se a produção do espaço urbano com base nas formas de comércio. Esta lógica revela que a produção urbana está intrinsecamente orientada às práticas de consumo. Bernstein (2009, p.15) relata que o comércio impulsionou de maneira direta a prosperidade global, permitindo que as nações se concentrassem em produzir o que seus dons geográficos, climáticos e intelectuais melhor permitissem. Certamente nenhuma outra época presenciou tamanha intensidade e visibilidade destes temas atrelados ao contexto urbano quanto a atual. A cultura do consumo invadiu a vida cotidiana de maneira tão contundente que o homem já não é mais visto como cidadão social, e sim como consumidor. Baudrillard (2007) denomina a atual sociedade como a “Sociedade do Consumo”, ideia também exposta por Lipovetsky (2007), e já por Debord (1997). Em linhas gerais, esses autores retratam como a circulação de bens e a apropriação de simbologias constituem a linguagem da sociedade contemporânea. A satisfação das necessidades pessoais, a criação de estilos de vida baseado no gosto pelo novo constituem elementos que caracterizam o atual momento da sociedade. A face desta sociedade é o hiperconsumo, representado pelo fim das resistências culturais locais frente aos limites globais. Fala-se aqui de flexibilidade, movimento, fluidez dentro do espaço urbano. A mobilidade possibilita aos indivíduos ampliar sua área de consumo. Novos espaços são criados constantemente e tendem cada vez mais a serem virtuais. A este respeito, Ascher (2010, p. 122) aponta:

O multipertencimento simultâneo de cada individuo a vários grupos sob referências diversas, variável, além disso, ao longo dos ciclos de vida, dá assim, uma aparência caótica aos espaços, dos modos de vida. (…) Os indivíduos cada vez mais emprestam suas referências ora à família, ora a grupo sócio-profissionais, ora a uma origem geográfica, cultural, ou a qualquer outra afinidade particular.

 

Este multipertencimento conectará os indivíduos a múltiplas formas de interações socioespaciais, (re)produzidas no espaço urbano a partir da intensidade da circulação e do consumo no espaço. A configuração espacial resultante desta nova realidade reflete as condições de produção e consumo sociais. Esta pluralidade urbana estará diretamente condicionada às dinâmicas comerciais e centros de consumo, espaços de intensa circulação e de grande apelo para o segmento de marketing, disputado corpo a corpo, metro a metro dentro da malha urbana. Lefebvre (1991, p.100), disserta acerca desta ação da publicidade como elemento atuante no sistema consumidor:

A publicidade não fornece apenas uma ideologia do consumo; uma representação do ‘eu’ consumidor, que se satisfaz como consumidor, que se realiza em ato e coincide com sua imagem (ou seu ideal). Ela se baseia também na existência imaginária das coisas, da qual ela é a instância. Ela implica a retórica, a poesia, sobrepostas ao ato de consumir, inerentes às representações.

 

Este processo se intensifica a cada dia com a origem de novas formas comerciais, que englobam desde os tradicionais centros de consumo, empreendimentos de grande superfície como os hipermercados e shoppings centers, chegando ao comércio digital. Esta ampla gama de serviços e opções oferecidas a satisfazer a massa de consumo constituirá um centro de convergência, não só destas formas comerciais e de serviços mas também de investimentos, infraestrutura e planejamento. Lefebvre (1972, p. 206) afirma que não existe realidade urbana sem um centro, seja ele comercial, simbólico, de informações, de decisão ou com outro sentido. Logo, o centro pode ser considerado fruto do processo de crescimento das cidades. Quanto maior a circulação e diversificação destes espaços, maior será a estabilidade e potencialidade na atração de consumidores, e consequentemente, seu poder de aglomeração. No entender de Villaça (1998, p. 239)

O centro surge então a partir da necessidade de afastamentos indesejados, mas obrigatórios. Ele, como todas as “localizações” da aglomeração surge em função de uma disputa: A disputa pelo controle (não necessariamente minimização) do tempo e energia gastos no deslocamento humano.

 

Uma das mudanças mais importantes no processo de estruturação do espaço urbano é a redefinição do papel do centro, destacado aqui na forma de centralidades urbanas. Pintaudi (2009) destaca que o centro urbano, aquele que guarda a memória da cidade, histórico, é permanente. Já a centralidade é mutável no tempo e espaço. No momento que um centro perde sua atratividade, sua capacidade de aglomerar pessoas e serviços perde também sua condição de centro em sentido lato, logo o centro não é centro, ele se torna centro. Assim, aquilo a que se chama ideologicamente de decadência do centro é tão somente sua tomada pelas classes populares, justamente a maioria da população. Nessas condições, sendo o centro realmente da maioria, ele é o centro da cidade. (VILLAÇA, 1998, p. 283).

O reflexo deste declínio das áreas centrais nas cidades pode ser observado a partir da ascensão de áreas periféricas, funcionalmente equivalentes ao centro tradicional. A resposta espacial da dicotomia centro-periferia será percebida através da estrutura urbana polinucleada, na dinâmica contraditória de concentração e descentralização dos espaços urbanos e principalmente na disputa pela atração social, política e econômica nestes espaços. Salgueiro (1991) destaca que a partir desta realidade se constituirá por um lado à oposição do tipo centro/periferia nas concentrações comerciais, e de outro, a seleção hierárquica destes centros. Sposito (2001, pág. 89) caracteriza este processo com grande consistência teórica.

É a natureza desta trama urbana distendida de densidades múltiplas – que combina concentração, com descentralização, localizações com fluxos, imóveis com acelerados, e diversos ritmos de mobilidade no interior dos espaços urbanos – que redefine o par centro-periferia a partir da constatação de que há varias centralidades em definição e diferentes periferias em constituição.

 

Neste sentido, entendemos que a melhor definição de centralidade urbana que podemos trazer a esta pesquisa é a exposta por Spósito (2013, pág. 73):

A centralidade, para mim, não é um lugar ou uma área da cidade, mas, sim, a condição e expressão de central que uma área pode exercer e representar. Segundo essa perspectiva, então, a centralidade não é, propriamente, concreta; não pode ser vista numa imagem de satélite; é difícil de ser representada cartograficamente, por meio de delimitação de um setor da cidade; não aparece desenhada no cadastro municipal ou no plano diretor das cidades; não se pode percorrê-la ou mesmo vê-la, embora possa ser sentida, percebida, representada socialmente, componha nossa memória urbana e seja parte de nosso imaginário social sobre a via urbana.

 

Esta concepção demonstra que a centralidade urbana é um conceito extremamente flexível e não envolve necessariamente uma localização central em termos geográficos, e sim acessibilidade e fluxos de bens, pessoas e informações. Neste contexto, como definir o que é periferia e o que é centro? A periferia esta subordinada ao centro ou vice-versa? A resposta a estes questionamentos está no pensamento dialético da concentração e descentralização urbana. A leitura das dinâmicas e da fragmentação do espaço urbano revelará a constituição de fluxos e coexistências urbanas ao longo do tempo no espaço. Neste sentido, o principal desafio é entender as coexistências mais apropriadas para que se possa realizar a leitura destas dinâmicas espaciais, e sobretudo, entender como as práticas sociais redefinem a cidade. Deste modo, consideraremos o comércio como o principal vetor de analise deste estudo, mais especificamente as concentrações comerciais. Busca-se analisar as dinâmicas locacionais pontuando os elementos e momentos históricos importantes à constituição do presente, e assim compreender as coexistências e dinâmicas comerciais contemporâneas na cidade de Pelotas.  Entendemos assim que o estudo das concentrações comerciais compreende o desenvolvimento e conhecimento da realidade urbana, como destaca Castelo (2011, pág.3),

através da presença de equipamentos terciários, avaliados tanto em termos de sua quantidade, como em termos de sua diversificação funcional, é possível medir o grau de centralidade de um determinado local – um lugar central, portanto – e estimar a área atendida por esse lugar central (…) e assim definir uma rede de lugares centrais com seus respectivos graus de centralidade e suas áreas de atendimento, configurando-se então uma hierarquia de centros de atividades terciárias distribuídos espacialmente.

 

Desta forma, parte-se da hipótese de que o comércio na cidade de Pelotas já não se exerce apenas no centro tradicional. Observa-se uma diversificação espacial combinada a espaços de coexistências comerciais, paralelas ao surgimento de novas áreas de concentração e expansão comercial, capazes de subsidiar ou oferecer uma opção de autonomia ao consumidor. Esta hipótese norteou o desenvolvimento da pesquisa.

 

DESENVOLVIMENTO

 

O referencial metodológico adotado na pesquisa utiliza o estudo de Carrerras et. al. (1990), no qual o autor propõe analisar a evolução do comércio urbano a partir de diagnósticos da realidade socioeconômica e urbana atuais, baseado em quatro princípios: i) o desenvolvimento do conceito de comércio e consumo dentro dos estudos da geografia urbana; ii) a qualificação do estudo; iii) a utilização da variável tempo e iv) a análise das concentrações comerciais. Desta maneira, adotamos os seguintes procedimentos no decorrer do estudo: Primeiramente desenvolvemos os conceitos de comércio e consumo pertinentes à pesquisa, tendo por base a fundamentação até aqui exposta. Posteriormente, tendo em vista a qualificação do estudo, utilizamos ferramentas de geotecnologias para espacialização dos dados referentes ao comércio varejista e atacadista da cidade de Pelotas, transformando-os em perspectivas espaciais da realidade urbana. Adiante, na utilização da variável tempo no estudo, vislumbrou-se o processo de expansão dos setores comerciais atacadistas e varejistas no tempo e no espaço tendo em vista retornar ao momento em que estes comércios se instituíram, remontando sua trajetória ao tempo presente. Por fim, procede-se a análise das concentrações de estabelecimentos comerciais varejistas e atacadistas, tendo em vista a leitura das temporalidades e dinâmicas comerciais no município de Pelotas.

Ainda, no que tange aos procedimentos metodológicos e específicos do estudo, o primeiro passo adotado foi à constituição de um banco de dados capaz de fornecer informações consistentes sobre a realidade do aparato comercial da cidade Pelotas. Neste sentido, buscamos subsídio na prefeitura local. O banco de dados principal foi organizado com base nos Alvarás Comerciais[1], tendo como conteúdo as atividades comerciais dos setores atacadista e varejista. Estes dados originalmente eram compostos de número de inscrição, nome do contribuinte, endereço e data de inscrição no órgão competente, neste caso, a Secretaria de Urbanismo de Pelotas. A periodicidade dos dados refere-se ao período entres os anos de 1960 a 2014.

 

Para o desenvolvimento da classificação, buscamos inspiração e aporte teórico metodológico na classificação proposta por Salgueiro (1996, pág. 13), onde a partir de seu estudo subdividimos e classificamos tipologicamente as atividades varejista e atacadista em nove grupos, a saber: Produtos Alimentares; Artigos Pessoais; Equipamentos para o Lar; Higiene; Saúde e Beleza; Lazer e Cultura; Construção; Serviços e aparatos Profissionais; Transportes; Comércio não Especificado.

Prosseguindo, a etapa seguinte consistiu em geocodificar o banco de dados. O processo de geocodificar consiste em vincular um endereço a um local geográfico. Desta forma, foi necessário atribuir a cada endereço do cadastro de alvarás uma coordenada X/Y, latitude e longitude. Este processo foi feito a partir da plataforma on-line do programa ArcGis, versão 10.2, tendo aporte do aplicativo Esri Maps for Office, o qual integra a plataforma Google Maps ao programa Office Excel. Transcritos os procedimentos operacionais e metodológicos do estudo, a próxima etapa evidenciará uma breve caracterização da área de estudos, análise de dados e posterior produção de mapas temáticos.

Historicamente o comércio tem sido o principal vetor de desenvolvimento do espaço urbano na cidade de Pelotas. De acordo com os dados utilizados, existem 28.901 alvarás comerciais cadastrados na área de estudo. Destes, 1.285 estabelecimentos correspondem ao comércio atacadista, e 27.616 estabelecimentos ao comércio varejista.

Figura 1: Comércio Atacadista na Cidade de Pelotas, RS.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

Figura 2: Comércio Varejista na Cidade de Pelotas, RS.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

A analise dos dados demonstra que as formas comerciais predominantes na cidade são do gênero alimentício em ambos os setores. No que tange a diversidade tipológica, destaca-se o setor de construção no comércio atacadista e de lazer e cultura no varejista. Nos níveis posteriores, ambas as atividades apresentam os setores de artigos pessoais e de prestação de serviços como os mais numerosos e diversificados. Adiante, discutiremos a espacialização destas formas comercias no espaço urbano pelotense.

Pelotas é o terceiro maior município do estado do Rio Grande do Sul. Em termos de extensão territorial, possui uma área de 1.609 km². Localiza-se na encosta sudeste do estado do Rio Grande Sul, Brasil, às margens do arroio Pelotas e do canal São Gonçalo. Situa-se à 31º 46’ 19” S de latitude e 52º 20′ 33” W, de longitude. Em termos territoriais, divide-se em nove distritos: Z3, Monte Bonito, Cascata, Cerrito, Quilombo, Rincão da Cruz, Triunfo, Santa Silvana e Distrito Sede, correspondente á área urbana do município. A área urbana é dividida em sete regiões administrativas: Barragem, Areal, São Gonçalo, Fragata, Centro, Três Vendas, Laranjal.

O ambiente de estudo desta pesquisa compreende o distrito sede, que corresponde à cidade de Pelotas. Para fins analíticos, subdividimos o período de analise de 1960 a 2014 em décadas, a fim de reconstruirmos a evolução destes estabelecimentos no tempo e espaço, compreendendo assim, sua evolução e resiliência na malha urbana da cidade. Desta maneira, adotamos como ponto de partida a analise das dinâmicas comerciais varejistas e sua evolução entre os anos de 1960 a 2014.

 

Figura 3: Unidades Político Administrativas da Cidade de Pelotas, RS.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

O primeiro ponto a ser destacado durante a década de 1960 é o fato de o comércio varejista exercer-se preponderantemente no centro tradicional. Destaque para as ruas General Osório e a Av. Bento Gonçalves. Com o avançar do tempo, na década de 1970, observa-se a consolidação e a expansão da área central, delimitada ao norte pela Av. Bento Gonçalves, estendendo-se em direção sul. Destaca-se também o deslocamento de atividades comerciais ao norte (Rua Marcilio Dias), e a leste no bairro Fragata (Avenida Duque de Caxias), assim como o surgimento de núcleos de aglomerações comerciais de pequena escala.

Já durante a década de 1980, se evidencia a expansão da área central além da Av. Bento Gonçalves, direção noroeste, e desdobramentos da área central ao sul, em direção ao bairro Porto. Constata-se ainda um forte deslocamento de atividades ao norte (Rua Marcilio Dias), multiplicando-se ao longo da Avenida Fernando Osório, ao leste no bairro Fragata (Avenida Duque de Caxias) e norte em direção ao bairro Areal.

Por fim, durante a década de 1990, ressalta-se a expansão da área central na direção norte, e os desdobramentos ao sul (Porto). Paralelamente, nota-se o deslocamento de atividades nos bairros Fragata e Porto assim como o reforço do deslocamento nos bairros três Vendas e Areal. Tais constatações podem ser observadas cartograficamente representadas nas figuras 4 e 5 respectivamente.

 

Figura 4: Evolução das Atividades Comerciais Varejistas da Cidade de Pelotas, RS entre os anos de 1960 – 1999.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

 

Figura 5: Transformações das Atividades Comerciais Varejistas da Cidade de Pelotas, RS entre os anos de 1960 – 1999.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

Prosseguindo, na década de 2000, o principal fator a ser destacado é a estagnação no processo de expansão da área central, fato observado pela primeira vez desde a década de 1960. Ressalta-se ainda o reforço do desdobramento da área central ao norte (Rua Marcílio Dias e Avenida Fernando Osório) e ao longo da Avenida Adolfo Fetter, em direção ao Laranjal, e ao sul (Porto). Por fim, entre os anos de 2010 e 2014, ratifica-se a estagnação do vetor de crescimento da área central e se constata a consolidação dos desdobramentos da área central nos bairros Três Vendas, Fragata, Areal e Laranjal, os quais evoluíram progressivamente acompanhando o movimento de expansão urbano na cidade.

 

Figura 6: Transformações das Atividades Comerciais Varejistas da Cidade de Pelotas, RS entre os anos de 2000 – 2014.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

Dentre os fatos expostos até então, a relação do centro com o espaço urbano merece destaque. Observa-se que o centro tradicional progrediu ao longo dos anos de 1960 a 2000, tendo como base o núcleo central (1960), evoluindo espacialmente ao longo do tempo em três ciclos distintos. Nos mapas da Figura X, à direita podemos observar pela diferenciação de cores estes três ciclos (1970,1980,1990). Já à esquerda, a comparação do núcleo inicial (1960) em vermelho, e sua expansão máxima (1990), em azul.

Figura 7: Expansão da Área Central na Cidade de Pelotas, RS entre os anos de 1960 – 2014.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

Com relação ao comércio atacadista, sua configuração se apresenta numericamente muito inferior ao comércio varejista. Entretanto, seu poder de atração e estruturação são fatores importantes ao processo de (re)produção do espaço. No que diz respeito a suas aglomerações, verifica-se a soberania do centro em todas as tipologias atacadistas, exceto no comércio atacadista de veículos e transportes, o qual apresenta forte tendência de deslocamento ao vetor norte, constituindo um desdobramento especializado da área central nesta região.

 

Figura 8: Comércio Atacadista na Cidade de Pelotas, RS.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

Finalizando, podemos dizer que na cidade de Pelotas o comércio ainda se exerce enquanto centro de consumo baseada em seu centro tradicional. Também podemos afirmar que o crescimento da cidade impulsionou o surgimento de novas áreas carregadas de centralidade no espaço urbano da cidade de Pelotas. É possível reconhecer concentrações comerciais significativas em áreas periféricas da cidade como os bairros Fragata, Três Vendas e Laranjal. Do ponto de vista tipológico, os bairros Três Vendas e Fragata apresentam um desdobramento especializado no ramo de transportes (revenda de automóveis e autopeças).

Figura 9: Desdobramento Especializado da Área Central na Av. Fernando Osório.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2014.

 

No bairro Três Vendas se observa também uma maior concentração de estabelecimentos do ramo alimentício, em especial do setor atacadista, enquanto que o bairro Fragata concentra um número considerável de lojas no ramo de artigos para uso pessoal. O bairro Laranjal, apesar de não apresentar uma significativa concentração comercial, é detentor de um poder de centralidade atrelado ao seu apelo turístico, haja vista sua localização à orla da Lagos dos Patos. Já os bairros São Gonçalo e Areal, apresentam um nível de concentração semelhante e relativamente baixo, em comparação às outras áreas do espaço urbano da cidade de Pelotas. Esse fato se deve principalmente ao fato das atividades comerciais se encontrarem de forma extremamente dispersa em ambos os bairros. Entretanto, este quadro deve sofrer uma alteração significativa nos próximos anos a partir da instalação de um Shopping Center, na Avenida Ferreira Viana, bairro Areal, no ano de 2013. Como descrito anteriormente, a forma comercial Shopping Center exerce um poder de estruturação muito grande no espaço urbano não só por sua simbologia, mas também por possuir o poder de atrair ao seu redor outras formas e tipologias de comércio e serviços. Esta realidade demonstra a complexibilidade e heterogeneidade do mosaico urbano da cidade, que apesar de ainda ter no seu centro tradicional sua principal dinâmica comercial, evolui e se (re)produz em múltiplas formas e espaços.

 

CONCLUSÃO

 

A análise da dinâmica comercial da cidade de Pelotas revelou que a centralidade urbana esta diretamente relacionada às temporalidades comerciais da cidade. O comércio na cidade se caracteriza por apresentar uma grande complexidade e fragmentação, entretanto esta realidade nem sempre representou a tônica comercial da cidade. Podem ser constatadas características contemporâneas e marcas de uma história construída com base em outros princípios.  A identificação desses marcos, decompondo a contemporaneidade, foi o propósito deste estudo.

Figura 11: Temporalidades e Coexistências no Comércio de Pelotas.

Fonte: Elaborado pelos autores , 2014.

 

O comércio sempre foi e sempre será um espaço capaz de concentrar a dinâmica social em suas diferentes perspectivas econômicas e culturais vivenciadas em uma determinada época e lugar. Com base neste conjunto de constatações, entendemos que as expressões da centralidade urbana na cidade de Pelotas foram constituídas ao longo do tempo através de suas temporalidades e coexistências, agregando momentos históricos e espaços contemporâneos, os quais atuam constantemente na manutenção e constituição de fluxos de bens, pessoas e informações.

A localização das atividades comerciais representa muito bem a dinâmica das próprias atividades das relações sociais de produção do espaço urbano, de modo geral. Trata-se de uma realidade extremamente dinâmica, sobretudo sob a lógica do modo de produção capitalista. O princípio da concentração que produz o centro, em função da economia de escala, logo é rompido pelos inúmeros contratempos gerados pela concentração excessiva em um determinado local: tráfego intenso de automóveis, circulação exagerada de pessoas, heterogeneidade dos consumidores, obsolescência da infraestrutura. Tais fatos provocam os deslocamentos das atividades que, via de regra, seguem os deslocamentos dos classes de mais alta renda. Em um dado momento, a concentração gera uma “deseconomia de escala” e provoca mudanças. As novas tecnologias, dispostas a cada nova fase de desenvolvimento tecnológico, também são responsáveis pela migração em busca de áreas melhor adaptadas. O centro, em um dado momento, deixa de ter capacidade para atender a todas as demandas exigidas pelos novos padrões de oferta e consumo. É preciso buscar novas áreas ondes estas tecnologias estejam disponíveis ou possam ser instaladas.

Toda esta lógica motiva a dinâmica comercial. O caso de Pelotas retrata muito bem esta ocorrência. A cidade tradicional concentrou suas classes de altos rendimentos no entorno da praça central, acompanhada pelo melhor comércio da cidade. Com o passar do tempo esta área passou a concentrar os elementos que levaram à popularização do centro, não sua decadência em termos de vitalidade e concentração de estabelecimentos, mas o desinteresse dos mais ricos em face do aumento da procura, da heterogeneidade, do próprio movimento. Mudam-se os ricos do centro para outras áreas e o comércio os persegue. Este é um movimento que justifica a expansão do centro de Pelotas em direção ao norte da Avenida Bento Gonçalves.

Por outro lado, o próprio crescimento demográfico da cidade faz com que o centro não comporte o número de atividades suficientes para atender a toda a população. Isso provoca a localização de estabelecimentos fora da área central. A concentração no interior do bairro Fragata pode ser explicada por esta lógica, gerando um centro próprio ainda que incompleto. Por outro lado, a concentração atacadista ao longo da Avenida Fernando Osório no bairro Três Vendas pode ser explicada pela ligação com a região norte do estado, o caminho para a capital Porto Alegre. Área propícia para a concentração do comércio atacadista, que demanda por terrenos maiores e mais baratos dos que os encontrados na área central e facilidade para o escoamento dos produtos.

Enfim, a dinâmica locacional, que define o centro e as centralidades na cidade, é diretamente relativa às relações sociais de produção ao longo do tempo e do espaço. O estudo de caso revelou esta dinâmica e serviu para explicar os movimentos que ocorrem e possivelmente os que ocorrerão no espaço ao longo do tempo em busca de localizações mais adequadas para cada tipologia comercial. Entender esta dinâmica é fundamental para pensar o futuro da organização do espaço urbano.

Neste sentido, destacamos abaixo a leitura urbana do que acreditamos ser a melhor definição momentânea dos espaços de coexistências e temporalidades em suas expressões centrais no espaço urbano da cidade de Pelotas.

 

Figura 13: Temporalidades e Coexistências no Comércio de Pelotas.

Fonte: Elaborado pelos autores , 2014.

REFERÊNCIAS

 

ASCHER, François. Los Nuevos Princípios Del Urbanismo. Madri: Alianza, 2010

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: 70, 2007.

BERNSTEIN, William J. Uma mudança extraordinária: como o comércio revolucionou o mundo. São Paulo: Elsevier, 2009.

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

CARRERAS, C; DOMINGO, J; SAUER, C. Les Árees de Concentració Comercial de La Ciutat de Barcelona. Barcelona Ciutat de Compres. Barcelona: Cambra Oficial de Comerç, Indústria i navegació de Barcelona, 1990.

CASTELLO, Lineu. A Percepção de Lugar: Repensando o conceito de lugar em arquitetura e urbanismo. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS,2007

CASTELLO, Lineu. CASTELLO, I. R. O Desenho da Cidade: Indisciplinado, Sempre Disciplinador. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS,2011

DEBORD, Guy.  A sociedade do Espetaculo, Paris, 1997.

LEFEBVRE, H. La Revolución Urbana. Madrid: Alianza. 1972.

LEFEBVRE, Henri, A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. São Paulo: Ática, 1991.

LIPOVETSKY, Gilles. Ensaios sobre a Sociedade do Hiperconsumo. São Paulo: 2007.

ORTIGOZA, Silvia Aparecida Guarnieri. Paisagens do Consumo: São Paulo, Lisboa, Dubai e Seul. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

PINTAUDI, S. M. Anotações sobre o espaço do comércio e do consumo. In: Carles Carreras; Suzana Mara Miranda Pacheco. (Org.). Cidade e Comércio – a rua comercial na perspectiva internacional. 1 ed. Rio de Janeiro: Armazém das Letras, 2009, v. 1, p. 55-6.

SALGUEIRO, Teresa Barata. Cidade pós-moderna: espaço fragmentado. Revista Território, Lisboa, n. 4, p. 39 – 53 1991.

SALGUEIRO. Teresa Barata. Do comércio à distribuição: roteiro de uma mudança. Lisboa/Oeiras: Celta, 1996.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A Cidade Contemporânea – Segregação espacial. SP, 2013.

VILLAÇA, Flavio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 1998.

[1] Documento legal que habilita a pessoa singular ou coletiva com capacidade financeira e civil ao exercício da atividade comercial e de prestação de serviços mercantis.