A questão é simples “Darwin era macaco”. Descaso deste governo com as ciências mais antigas do mundo e a saída pelo devaneio da marginalidade consciente (ensaio)

Cláudio Baptista Carle

Pelotas, 30 de Abril de 2020.

 

A Pandemia tem servido ao governo fascista de Jair Bolsonaro. Tenta impor suas pseudo-teorias de um profundo “baixo nível” de capacidade de sentido, sem nexo, sem consitência, baseado em valores inconsistentes e pobres nas suas bases documental, empírica ou filosófica. Nos diz Ailton Krenak que “Seria como se converter ao negacionismo, aceitar que a Terra é plana e que demos seguir nos devorando. Ai teremos provado que a Humanidade é uma mentira” (O amanhã não está a venda, SP: Cia das Letras, 2020, p. 14). Os bolsonaristas terrasplanistas são defensores de um patológico mito “que nada sabe” e que declara não ler textos de por ter muitas páginas e mesmo assim os assina, alega que não sabe interpretá-los. Quando de forma imoral afirma de forma impune, pois seu poder, baseado em milicianos, uma máfia de ex-policiais militares e grupos envolvidos diretamente com o crime organizado, lhe da sustentação e amedronta políticos mais moderados que estão ligados a uma direita tradicional, como o presidente da Câmara ou do Senado atual. O sr. Jair apresenta seu amplo desconhecimento, de forma universal em pequenos textos apresentados na Internet. Acredita o sr Jair serem formas de “inteligência superior” e como tal é seguida por um bando, chamado metaforicamente de “Gado”, que o defende arduamente. No entanto aquilo que parece surreal para as classes médias é a forma de agir do sr. Jair. É um comportamento obtuso e incoerente, não há lógica, não há “ciência” e assim para a intelectualidade é um debate incapaz de vingar. A ínfima intelectualidade e mesmo parte da classe média letrada está dividida, entre pseudo-liberais e patológicos grupos de evangélicos pentecostais. O debate se dá entre Criacionismo e evolucionismo, entre ciência e fantasia, entre imaginário e imaginação. Na disputa com a ciência Darwin foi chamado de macaco, e é novamente chamado assim. Darwin apresenta sua teoria sobre a evolução, em 1859, no texto “A Origem das Espécies”, alguns anos após o texto de Marx e Engels Manifesto do Partido Comunista (Manifest der Kommunistischen Partei, em 1848), que destacava as perversidades do capitalismo. Darwin foi tachado de “macaco”, pois dava um passo inestimável na inserção do humano no reino animal de forma definitiva. A consideração sobre sermos animais, como qualquer outro animal na terra, nos coloca como sujeitos aos problemas terrenos, ou seja, estamos sujeitos aos vírus, que em alastramento, constituem a Pandemia atual. Saber que somos seres finitos na terra e que a ciência humana e a ciência biomédica pode nos preservar, por mais tempo, nesse contexto é fruto do próprio nascer da ciência moderna, que nasce com estes dois movimentos, na biologia com Darwin e na vida em sociedade com Engels e Marx. O discurso sem sentido proposto por Jair e seus seguidores ataca essa ciência e ataca com base em fantasia, pois seus argumentos são espúrios, pueris, flagrantemente contraditórios. Krenak nos diz que “governos burros acham que a economia não pode parar. … é uma atividade que os humanos inventaram e depende de nós. Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ter importância. Dizer que a economia é mais importante é como dize que o navio é mais importante que a tripulação” (idem, p. 10). O nível da insensatez é tamanha, que esse Jair presidente defende a “liberdade de expressão de seu filho ao dirigir um gabinete de produção de mentiras, para deliberadamente difamar opositores”; presidente que foi eleito, se apresenta em aglomerações em meio a pandemia, que dita que se deva buscar distanciamento e isolamento, a frente de alguns de seu eleitorado, o tempo todo, e defende publicamente que é necessário derrubar a democracia e mais, impedir o direito a manifestação, ou seja, derrubar a “liberdade de expressão”, a democracia, autorizar a tortura, e muito mais, que vai contra a Constituição Federal que o colocou na presidência. Afirma o sr Jair presidente, “eu sou a Constituição!”. Ao final o que se vê na realidade é apenas um interesse de cunho pessoal, como qualquer ditador dos anos 1920, que por seu autoritarismo, indica que “eu sou o Estado”. Não és sr. Jair. Não és o Estado. E não és a Constituição e vens sucessivamente desrespeitando-a. Mas por que esse Jair não é impedido. É por que há um medo instalado no Congresso, onde Jair surgiu para o mundo político, ficou nos parlamentos estadual e federal por 27 anos sem nada fazer. No parlamento Jair recebeu todo o apoio para se colocar na presidência. O Congresso que expulsou uma mulher da presidência. Expulsou por uma questão de família, por questões pessoais, argumento redundante, muitas vezes repetido nos microfones do Congresso, na votação do impedimento presidencial, feito no Golpe Parlamentar Brasileiro de 2016. O Sr Maia e seu amiguinho de partido Acolumbre, que hoje presidem Câmara e Senado Federal, estão amedrontados, com o poder das milícias da família miliciana bolsonarista no poder. Com isso o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq atua e passa a desconsiderar a ciências humanas e sociais como ciência, sim, pois são herdeiras do Manifesto. A desculpa de que “não é ciência”. Isso é a negação da própria idéia de ciência. Negam o conhecimento humano que nasce com a palavra filosofia, do grego philosophia que significa philo que é amizade, amor, afeição e sophia que é sabedoria. O amor a sabedoria é a ciência. Talvez cunhado por Pitágoras como conhecimento atento e aprofundado de algo, talvez fundada no final do século VII a.C, onde os gregos queriam explicar o mundo e as coisas do mundo, de maneira racional. Argumentavam a partir do seu pensamento mitológico. Aqui está a outra disputa entre fantasia e ciência, como entre Criacionismo e Evolucionismo, entre Imaginação e Imaginário. A oralidade perpetuou os mitos, como o mito social do ente político, o mito cultural do professor, o mito de família, e muitos outros mitos, que variam conforme as culturas, e no Brasil assim variados por sua diversidade cultural e étnica, há muitos mitos para cada um desses pressupostos. Não nego os mitos, nego o “mito Jair”, este não o é, pois não foi desenvolvido na cultura e no tempo, é vazio, pois nada tem que o sustente, a não ser um contexto de fakenews criados por seus filhos (os números 01, 02, 03 e 04 como seu pai o conhecem, mesmo sem saber, ao certo, suas idades) e empresários que financiaram milhares de textos pequenos, distribuídos para pessoas cujas angústias eram maiores, que a própria capacidade de refletir. Os mitos em realidade são sistemas potentes que constituem as sociedades pelos conhecimentos e explicações sobre os fatos cotidianos, explicando o vivido no mundo, na natureza. A mitologia conhece os mitos, suas origens e funções na sociedade. Em dado momento alguns indicaram que mitos não eram racionais e colocaram como conhecimento fantasioso, o que o Circulo de Eranos, no início do século XX, veio desmentir, pois entende que os mitos mantém as sociedades em seus trajetos. O Imaginário que envolve os mitos foi investigado pelos seguidores do Circulo de Eranos, até hoje. O que fazer com o “E daí?” insensível do Jair e de seus seguidores bolsonaristas cegos pela ideologia da “não ideologia”, pela política da liberdade de expressão sem “liberdade de expressão”, e tantas outras características dessa avalanche de desconexos pensamentos, oriundos de um terraplanismo fascista. A questão é simples: é derrubar os fascistas. Diz-me um colega, que há pouco tempo atrás levamos 6 anos de guerra para derrubá-los. Guerra onde mais de 85 milhões de pessoas foram mortas, destes mais de 50 milhões eram civis. Vai ser duro, mas é a realidade política e social do momento e precisamos mudar o curso dessa trajetória. Ainda não há outra idéia que contraponha a proposta globalizada atual, que não seja de continuidade do que já existe, ou seja, o capital ainda está a frente. Com o Capital não há saída, se continuarmos pensando pelo capital, pelo dinheiro, não chegamos a outro lugar que não seja a ignomínia do fascismo bolsonarista. Políticos de centro-esquerda não são oposição, estão na posição mais solidária ao capitalista extremo. As ciências humanas, no Brasil, voltaram à marginalidade, de certa forma é um lugar que devemos transformar em centro. Penso que devamos construir outra concepção de mundo, dar vez a aura do Imaginário do Círculo de Eranos re(a)presentada aos cientistas-poetas-espitemólogos-cosntrutivistas. Gaston Bachelard (Poética do Devaneio, SP; Martins Fontes, 1988, p. 52) nos diz que “demasiadamente tarde, conheci a boa consciência, no trabalho alternado das imagens e dos conceitos, duas boas consciências, que seria a do pleno dia e a que aceita o lado noturno da alma”.  Aceitemos o lado noturno da alma e reflitamos qual a melhor saída. A nossa alma é ancestral é orgulhosamente dos que estavam aqui como os Krenak, dos que vieram para cá como os europeus e como os que foram trazidos para cá como asiáticos e em grande número os africanos. A Ciência Humana deve se trasformmar em consciência humana. Este plural é constituidor de nossa alma do homo novus brasiliensis (Gilbert Durand, “Longínquo Atlântico e próximo Telúrico, imaginário lusitano e imaginário Brasileiro”. Campos do Imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, pp 197-204). A saída está no momento em que “se aborda conteúdos míticos”, quando podemos “reafirmar e respeitar universos plurais significativos e retomar experiências individuais” (Inaicyra Falcão dos Santos, “Dança e pluralidade cultural: corpo e ancestralidade”, Revista Múltiplas Leituras, v.2, n. 1, p. 31-38, jan. / jun. 2009, p. 37).  O trajeto do brasileiro não é o do resto do mundo está em nosso contexto cultural e no respeito a ele, na nossa consciência ancestral. Queremos o novo momento e assim é necessário trazer o “conhecimento e cultura, estabelecendo uma dialética entre as memórias e desvelando concepções artísticas e estéticas plurais”. Devemos reconhecer a nossa experiência “que compreende as mitologias negras, populares, indígenas e assim por diante”.  Aqui adentramos ao universo do sensível que “permeia o reencontro do indivíduo consigo mesmo, com sua ancestralidade, e o impulsiona para um mundo mais ético, criativo, plural e humano” (Inaicyra Falcão dos Santos. “Criatividade e comunicação intercultural cênica”. Revista Aspas, Vol. 7,  n. 1, 2017, p. 18-19). Angelita Hentges nos diz que a “circularidade da roda comporta uma educação poderosa, que tem o poder de fermentar as vidas, e de aquecer os currículos/conteúdos sem movimento, em expressões de transformações de existência”  e perceber que é “preciso uma aldeia para ensinar uma criança” (Tese de doutorado “ Imaginários fermentadores nas Rodas de Capoeira Angola do Accara: Elementos de uma Educação Circular”. PPGE-UFPel-Pelotas, 2016). A marginalidade em que a ciência humana foi colocada é o lugar da consciência dos humanos que somos e que iremos mudar o mundo sem a ênfase no tempo rápido descontrolado, mas no eterno retorno aos nossos ancestrais, no conhecimento lento do tempo de nossas existências naturais como humanos animais.