Entre Moscou e Caracas: o reconhecimento russo das eleições venezuelanas e seus ecos na América do Sul por Lucas Ferreira

Vladimir Putin apresentou, na última Sessão Plenária da 20ª Reunião Anual do Valdai Club (think tank russo), ocorrida em outubro de 2023, alguns princípios orientadores de sua política externa.

De acordo com a premissa de Putin no encontro, Carlos Rony, vice-ministro das Relações Exteriores para a América do Norte da Venezuela, propõe que a base da política externa russa baseia-se no desvinculamento do Ocidente coletivo, o que reflete uma política externa mais independente dos valores tradicionais dos países da OTAN e da União Europeia (Ron, 2024).  É nesse contexto mencionado por Putin ao final de sua entrevista ao Valdai Club que o presidente reafirma que o fortalecimento multipolar deve atender aos interesses da maioria da comunidade internacional. Isso inclui a necessidade de alterar permanentemente normas legais do sistema internacional, como aquelas referentes aos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, exemplo citado pelo presidente.

Com base nisso, a Rússia e a Venezuela mantêm a sua sólida parceria desde o começo dos anos 2000, em que ocorre uma gama de cooperação nos setores de comércio militar, importação de produtos agrícolas e também operações de empresas petrolíferas russas como a Rosneft. Embora a estatal russa tenha interrompido suas atividades na Venezuela, a empresa estabeleceu-se de forma substancial para os avanços na extração de petróleo na região. Dessa forma, a Rússia orienta sua política para o Sul Global e para os países do grupo Brics. Moscou busca na Venezuela, mais precisamente, garantir influência por meio da cooperação militar conjunta russa e comercial, o que também assegura uma presença global significativa e suporte econômico, além de apoio político ao conflito ucraniano, apesar das sanções ocidentais (Cimmino, 2024a).

A Rússia possui influência nos governos da América do Sul e Caribe  baseados principalmente em cooperação econômica e militar.  A Venezuela se posiciona entre os principais compradores de equipamentos militares russos, tendo adquirido quase US$ 10 bilhões em armas (Cunningham, 2024. O estreitamento das relações russas com a região ocorre desde a revolução cubana (1959) e a revolução sandinista (1979) na Nicarágua, ambos países e a Venezuela são os mais próximos do Kremlin atualmente, o que garante a Putin uma defesa diplomática em fóruns multilaterais.

Para todas essas movimentações, Putin reiterou no evento em primeiro lugar que as normais legais do sistema internacional devem ser alteradas, de forma que adequam-se às mudanças globais (Lukyanov, 2023) Desde a anexação da Crimeia e das sanções norte-americanas,  Caracas tem sido vista por Moscou como um espaço para a reconstrução da sua influência que encontrava-se isolada, uma vez que o território também possui proximidade com os Estados Unidos o que faz com que a cooperação em torno do comércio, investimento e defesa tenham ainda mais valor.

A Rússia, China e Venezuela: o interesse por trás do apoio à reeleição de Maduro

 Com o embargo ao petróleo russo e a incerteza no mercado de gás, os Estados Unidos reduziram as sanções à Venezuela a partir de outubro de 2023 para acessar seu petróleo. No entanto, essa mudança foi temporária, pois as sanções foram restabelecidas no início de 2024 após a decisão do Supremo Tribunal sobre a candidatura de María Corina Machado contra Maduro (Escobar, 2024).

A Rússia promove o apoio incondicional a Maduro e, em 2018, abriu para companhias russas a mineração de ouro venezuelano (McCoy, 2024). Já para um dos principais parceiros estratégicos da Rússia, a China, a situação da Venezuela é um meio de expandir sua influência global por meio  de parceiros regionais. No que tange à criação de um mundo multipolar e ao declínio norte-americano, a China vê na Venezuela uma aliada  diplomática. De acordo com o Council on Foreign Relation, a Venezuela tem sido o maior tomador de empréstimos chineses na América Latina, mais de US$ 60 bilhões (Cooper, 2022).  Além disso, ambos os países também podem convergir nos interesses da região, uma vez que a Rússia possui níveis de parceria bilaterais com Caracas.

No dia 28 de julho, Nícolas Maduro enfrentou o candidato da oposição, Edmundo González, em uma disputa acirrada, repleta de inúmeras  contestações por parte da mídia internacional e da oposição, especialmente tendo em vista o anúncio de vitória declarado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) seis horas antes do fechamento das seções eleitorais.

Para a Rússia o interesse na Venezuela é claro: o setor energético e as dimensões econômicas advindas da maior empresa estatal de petróleo e gás do mundo, a Rosneft, que também influenciam a manutenção do poder de Maduro no país. A empresa  cooperou para contornar as sanções dos Estados Unidos de forma a facilitar os envios de petróleo a abastecer as importações de gasolina na Venezuela.

Os acordos entre os dois Estados variam, entre tratados de cooperação técnico-militar a documentos técnicos de partilhas de tecnologias bancárias e cibersegurança russa e contratos de vendas de produtos agrícolas russos (Cimmino, 2024b). Para a Rússia, principalmente a partir do conflito com a Ucrânia iniciado em 2022, a Venezuela é uma janela aos países ocidentais  interessados no fornecimento de petróleo como: Estados Unidos e países do bloco Europeu  como Espanha, Itália e França, uma vez que a produção de petróleo venezuelano é também resultado da suspensão das importações de Moscou. O líder russo afirmou que as relações Kremlin-Miraflores são sim uma parceria estratégica e que essa parceria seguirá estável em todas as áreas, com o objetivo de construir uma ordem mundial mais justa e democrática (Kremlin, 2024).

A China apoiou   a vitória de Nicolás Maduro dentro de seu projeto geopolítico de aumentar as parcerias com governos que tenham o mesmo  posicionamento, ou seja, países que procurem sair ou não estão na órbita política de Washington.  Beijing reforçou a importância de proteger a soberania, a dignidade nacional e a estabilidade social da Venezuela, além de se opor à interferência externa em seus assuntos internos (Jinping, 2024). Sobretudo o apoio de Putin a Maduro, representa o reforço dos mais de 340 acordos assinados em 2024 nas áreas de mineração, gás, petróleo e  turismo entre os dois países com o objetivo de manter a presença nos setores futuramente.                                                                                .

Referências:

CIMMINO, J. China and Russia engage Latin America and the Caribbean differently. Both threaten US interests. Atlantic Council. Disponível em: <https://www.atlanticcouncil.org/in-depth-research-reports/issue-brief/china-and-russia-engage-latin-america-and-the-caribbean-differently-both-threaten-us-interests/ >. Acesso em: 03 ago. 2024.

COOPER, Andrew F. Venezuela’s Authoritarian Allies: The Ties That Bind?. 2022.

CUNNINGHAM, J. Russia-Venezuela military partnership A threat to Latin America. Disponível em: <https://dialogo-americas.com/articles/russia-venezuela-military-partnership-a-threat-to-latin-america/ >. Acesso em: 06 ago. 2024.

ESCOBAR, Pepe. Venezuela: Vamos ao que interessa. Brasil de Fato.Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/02/07/analise-or-venezuela-vamos-ao-que-interessa>. Acesso em: 12 ago. 2024.

LUKYANOV, Fyodor. Vladimir Putin Meets with Members of the Valdai Discussion Club. Transcript of the Plenary Session of the 20th Annual Meeting. Valdai Club. Disponível em: <https://valdaiclub.com/events/posts/articles/vladimir-putin-meets-with-members-of-the-valdai-club-transcript-2023 />. Acesso em: 05 ago. 2024.

MCCOY, T. Eleição na Venezuela: Como China e Rússia se tornaram principais fiadores de Maduro. Estadão. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/internacional/eleicao-na-venezuela-como-china-e-russia-se-tornaram-principais-fiadores-de-maduro/>. Acesso em: 12 ago. 2024.

RON, C. Reflecting on President Putin’s Six Tenets: A Venezuelan Perspective. Valdai club. Disponível em: https://valdaiclub.com/a/highlights/reflecting-on-president-putin-s-six-tenets/ >.Acesso em: 8 ago. 2024.

RUSSIA. President of Russia. Congratulations to Nicolas Maduro on his re-election as President of Venezuela. Disponível em: <http://en.kremlin.ru/events/president/news/74660>. Acesso em: 07 ago. 2024.

Xi Jinping Sends Congratulatory Message to Nicolás Maduro Moros on His Reelection as Venezuelan president. Ministry of Foreign Affairs The People’s Republic of China.  Disponível em: <https://www.mfa.gov.cn/eng/xw/zyxw/202408/t20240801_11464750.html >. Acesso em: 04 ago. 2024.

*Lucas Ferreira é acadêmico do Curso de Relações Internacionais da UFPEL e pesquisador IC no LabGRIMA.

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