As novas perspectivas de crescimento do Brasil no contexto do BRICS

A atual crise geopolítica decorrente do conflito entre Rússia e Ucrânia resultou em uma série de consequências com potencial de desestabilização do sistema internacional no médio prazo. Por Daniel Barreiros e Pável Grass.

Mas, se por um lado o Ocidente impôs pesadas sanções econômicas a Moscou, por outro lado houve reações assimétricas da Rússia que fizeram surgir reais oportunidade para estreitamento dos laços entre a Rússia e os demais países do BRICS. Em outras palavras, as sanções criaram reais oportunidades ao aprofundamento das relações da Rússia com a China, a Índia, o Brasil e a África do Sul. Diga-se que os países BRICS representam, juntos, grande potencial energético, riquezas minerais, hídricas, agrárias, ecológicas, com enorme fundo de jovens talentos e especialistas de alto nível. Juntos, esses países são praticamente auto suficientes nos mais diversos segmentos das atividades econômicas.

Nesse quadro, o estreitamente das relações entre os países BRICS emerge como uma provável tendência de curto e médio prazo. Do ponto de vista do Brasil, alguns caminhos parecem promissores:

  1. Integração financeira:

Imagina-se factível, nos próximos 5 anos, o desenvolvimento de um arquitetura institucional que admita a denominação das transações em certos mercados (petróleo, minérios, soja e alimentos exportáveis) em moedas dos países dos BRICS. Isso implicaria, por exemplo, a aceitação por Moscou da exportação de fertilizantes tendo como contrapartida o pagamento em reais brasileiros (e não em dólares) a serem acumulados pelos exportadores russos na forma de saldos no Brasil, ou de depósitos em bancos brasileiros ou russos. Da mesma forma, caberia ao governo brasileiro orientar os exportadores nacionais a aceitarem rublos como pagamento pelas exportações brasileiras para a Rússia. Persistindo a iniciativa, não seria impossível imaginar a precificação nesse mercado bilateral sem o uso do dólar como unidade de conta.

  1. Cooperação espacial:

Uma vasta área de desenvolvimento tecnológico contínuo. Oprograma espacial russo, por exemplo, é altamente sólido e conta com a experiência de muitas décadas, que remontam ao passado soviético (o primeiro Satélite “Sputnik”, o primeiro cosmonauta Yuri Gagarin). Por sua vez, o Brasil conta com um programa espacial atrasado, mas que potencialmente poderia ser revivido a partir da cooperação com os BRICS em geral, e com a Rússia em particular. Pequim e Moscou nutrem laços de cooperação bem estruturados no campo da exploração espacial, e a Índia conta também com um programa espacial de consolidada capacidade de lançamento de veículos. Um governo com visão geopolítica mais realista poderá envolver a Base Aérea de Alcântara numa estratégia de exploração espacial conjunta dos BRICS.

 

  1. Cooperação científico-acadêmica:

O Brasil conta com um bem estruturado e consolidado sistema nacional de educação superior pública, com órgãos de mobilização e planejamento em nível nacional, como o Ministério da Educação e a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), capazes de criar sinergia de cooperação com o sistema de educação superior dos países BRICS, além dos programas já existentes. Isso permitiria a ampla circulação de alunos, pesquisadores e professores entre os países, bem como projetos de pesquisa de grande porte a serem financiados pelos respectivos governos. Como exemplo de projeto bem sucedido entre Rússia e Brasil cita-se o sistema russo de navegação por satélite “Glonass” (alternativo ao GPS) que utiliza bases científicas em pelo menos três universidades federais brasileiras, para testes e aperfeiçoamentos.

  1. Cooperação militar:

Tanto o Brasil, quanto a Rússia e China contam com um setor industrial bélico bem diversificado, que passa tanto pela indústria aeronáutica quanto pela produção de veículos, armas, navios, submarinos e aviões e contam com uma experiência comercial importante. A Rússia, por exemplo, através da “Rosoboronexport” possui razoável fatia do mercado mundial de armas (mais de 25%). Seria conveniente a aproximação militar do Brasil com esses países, no sentido da produção complementar de equipamentos, com acordos de transferência tecnológica, que não viessem a colocar em risco as precauções estratégicas de ambas as nações. Ainda, valendo-se da expertise em termos de exportação de armas, os BRICS poderiam cooperar na produção de equipamentos com design e configurações específicos para o mercado internacional, divisão e especialização de segmentos concretos do mercado de Defesa.

  1. Continente Africano:

Com apoio dos BRICS (em especial da Rússia e China), o Brasil poderá pretender a maior espaço de influência geopolítica nos países da África Central e Ocidental. Nosso país tem grande tradição em parcerias e projetos com países africanos e isso pode ser expandido ainda mais. Organizações consagradas como a  Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), além de outras poderão expandir ainda mais a zona de influênciabrasileira nesse Continente (a Embrapa, por exemplo, tornou-se grande fornecedor de tecnologia agrícola para regiões tropicais da África). Poder-se-á debater projetos em conjunto com os BRICS em áreas estratégicas como Mineração, Construção civil, Agricultura, Saúde e Defesa, já que os mesmos têm larga expertise e tradições.

  1. Potencial logístico:

Observa-se grande espaço para desenvolvimento de novas rotas e modais de transporte entre o Brasil e os países BRICS, no transporte de cargas e passageiros, em rotas marítimas, aéreas e em solo. Assim, faz-se necessário aumentar o fluxo de voos e viagens entre Brasil e demais países BRICS (por exemplo, Rio de Janeiro – Moscou; São Paulo – Johanesburgo e outras).

Poder-se-á imaginar novos e ambiciosos projetos na área de transporte fluvial, aéreo e ferroviário no Brasil e América do Sul com a participação dos BRICS. Por exemplo, entre os oceanos Atlântico e Pacíficoé possível desenvolver ambiciosa malha de transporte ferroviário de cargas e também de passageiros (com participação da gigante russa RZD e de empresas chinesas), inauguração de novos centros de preparação de mão de obra, simuladores virtuais, linhas de montagem, laboratórios, reposição de peças e etc.

Nesse contexto de novas batalhas geopolíticas e geoeconômicas, os países BRICS podem se manter juntos para superar melhor as turbulências à vista e ganhar vantagens competitivas num futuro próximo. Vê-se, pois, uma vasta gama de áreas e segmentos que merecem atenção especial de nossos gestores públicos e consultores governamentais. Com uma política especial focada em BRICS é possível imaginar um crescimento mais acelerado do próprio Brasil nos próximos 5-10 anos. Inclusive redirecionando parte das reservas cambiais que o Brasil mantém em dólar no exterior para o financiamento de projetos reais, para o fortalecimento da economia nacional, criando novos postos de trabalho, com foco nos especialistas brasileiros, desenvolvendo segmentos chaves das indústrias de química, medicina, defesa, mineração, agricultura e tantas outras que merecem mais atenção do Governo Federal, consideradas estratégicas, para a soberania nacional, soberania do povo brasileiro.

Daniel Barreiros e Pável Grass – Instituto de Economia da UFRJ.

Publicado no Estado de MInas, 05/04/2022.

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