Uma obra pioneira na história da música aleatória completou 60 anos de sua primeira utilização em 31 de dezembro de 2021. Trata-se da Instrução, para quatro instrumentos quaisquer e quatro colaboradores (1961), nome posteriormente simplificado para Instrução 61. A obra foi criada pelo compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes (Pelotas, RS, 1933) em sua primeira estada no Japão, quando exerceu funções de adido cultural na embaixada do Brasil em Tóquio.
O ano novo no Japão, ou Oshougatsu [お正月] é celebrado em torno de atividades culturais e eventos tradicionais. Foi neste clima de celebração cerimonial que Vinholes foi convidado para uma comemoração da passagem de 1961 para 1962 no estúdio do Grupo Música Nova Tomohisa Nakajima, em Tóquio.
Ao saber que artistas da vanguarda musical japonesa também participariam, Vinholes levou ao encontro um conjunto de 100 cartões quadrados, produzidos em papel rígido, com 12cm de lado. Os cartões, separados em quatro conjuntos menores de 25 peças cada, continham o traçado de um quadrado com uma variação de três sinais gráficos e um vazio. sete unidades com o traçado de uma linha horizontal alongada; sete com um ponto centralizado; sete com uma linha horizontal curta; e quatro cartões em branco.
O compositor brasileiro demonstrou o método de utilização dos cartões e o significado das posições relativas dos símbolos de linhas curtas e longas: na vertical, representam um aglomerado menor ou maior de sons e/ou notas; na horizontal, representam um som curto ou longo qualquer. Vinholoes distribuiu um conjunto de cartões a quatro instrumentistas: flauta transversal, piano, uchiwa-daiko – um tambor budista sem caixa de ressonância – e violino, enquanto outros quatro colaboradores se posicionaram em frente aos músicos, apresentando-lhes os cartões. A sessão realizada em 31 de dezembro de 1961 no Estúdio Nakajima durou em torno de 30 minutos. Conforme a pesquisadora Lilia Rosa, esse evento viria a se tornar um acontecimento na vida do compositor e para a própria história da música brasileira.
“A Instrução 61, que não é uma obra com autor, mas sim um conjunto de parâmetros a serem seguidos e que permitem a criação de músicas aleatórias, foi idealizada para quatro instrumentos quaisquer e utilizada nos últimos cinquenta anos por conjuntos com combinações instrumentais as mais variadas.
A primeira vez que ela foi usada por uma orquestra foi com a Sinfônica Nacional de Seul, em janeiro de 1964, regida pelo maestro Mon Bok Kim, em transmissão ao vivo pela Rádio Cultura da Coréia, HLKT. A segunda vez ocorreu 47 anos depois da primeira, no âmbito do 33º Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília, a Orquestra Contemporânea regida por Jorge Lisboa Antunes.
Comparando a maneira com que os cem cartões da Instrução 61 foram usados em Seul e em Brasília verificou-se marcante diferença nos resultados sonoros obtidos: na primeira a presença de uma quantidade bastante significativa de silêncios fazendo parte da estruturação do complexo sonoro obtido e a segunda mostrando a predominância de densos complexos sonoros e a quase ausência de silêncios. Em Seul, a manipulação dos cartões da Instrução 61 contou com colaboradores, figura indispensável, que tem a atribuição de apresentar os cartões a serem lidos pelos músicos. Na Escola de Música de Brasília os membros da orquestra foram divididos em grupos e a manipulação dos cartões esteve a cargo apenas do regente, fazendo com que as leituras de cada um dos grupos se tornassem afim uma com as outras, pois nos mesmos tempos os grupos liam os mesmos cartões, assim diminuindo as oportunidades de diversidade, fazendo com que os resultados sonoros se assemelhassem.
Ao cotejar os resultados sonoros obtidos nas duas ocasiões é mister afirmar que cada um deles, sendo uno em si mesmos, é igualmente válido, não admite análise, uma vez que para esta não foram criados e nem são viáveis parâmetros pré-estabelecidos que permitam comparações com atribuição de valores.” Excerto do artigo “Instrução 61 na Escola de Música de Brasília”, de L. C. Vinholes.
A respeito da relevância da Instrução 61 para a música no Brasil, o compositor Gilberto Mendes, escrevendo sobre o programa do XI Festival Música Nova de Santos, diz: “A terceira música do programa tem importância histórica dentro da música brasileira. É Instrução 61, do brasileiro Luiz Carlos Vinholes, introdutor da música aleatória em nosso país” (Tribuna da Imprensa, 14/09/1975).
O compositor João Marcos Coelho, em artigo intitulado “Uma história da música com vários pecados”, comentando a História da Música, do diplomata Vasco Mariz, editada pela Civilização Brasileira em convênio com o Instituto Nacional do Livro – MEC, escreve: “Gilberto Mendes não é o pioneiro da música aleatória como quer Vasco Mariz, mas sim Luís (sic) Carlos Vinholes, autor, em 1961, de “Instrução 61” a primeira peça aleatória brasileira. Vinholes, aliás, sequer é citado nesta “história” assim como Armando de Albuquerque e Joci de Oliveira” (Folha de São Paulo 21/04/1981).
Os 14 anos de permanência no Japão e as estadas na Coréia do Sul e China permitiram a Vinholes conhecer outras formas de organização do pensamento e do fazer musical possibilitando maior liberdade com relação à cultura ocidental. O compositor é econômico nos meios de expressão, conciso na linguagem e dá preferência ao tratamento pragmático do processo de criação. Suas obras têm curta duração e uma estrutura própria e independente em que se emprega a indeterminação e aspectos aleatórios. Em março de 1962, L. C. Vinholes novamente lançou mão do recurso composicional do acaso, também utilizado na Instrução 61 – conforme explica em sua tese a professora Lilia de Oliveira Rosa (Unicamp), pesquisadora da obra de Vinholes – ao criar a Instrução 62 para instrumentos de teclado. Em 30 de março de 1962 ocorreu a estreia mundial da obra, realizada no estúdio Nakajima em Tóquio, com o pianista Tomohisa Nakajima, do Grupo de Música Nova de Tóquio e sua esposa Mie como colaboradora, quando são utilizados pela primeira vez os cartões da Instrução 62.
Nas obras aleatórias de Vinholes, o resultado é fruto da ação dos instrumentistas e da participação do público na figura do colaborador, descaracterizando os tradicionais papéis de “compositor”, “intérprete” e “público”. As Instruções 61 e 62 foram publicadas na revista Design nº 37 (Tóquio 1962).
Por ocasião da passagem dos 60 anos da estreia da Instrução 61, em 31/12/2021 e de [Outros] 60 anos, como o marco da primeira utilização da Instrução 62 – em 30/03/1962 -, a Discoteca L. C. Vinholes presta tributo ao seu patrono, por meio da publicação de reportagens especiais e de séries de peças de conteúdo audiovisual, com o objetivo de difundir a vida e a obra pioneira de Vinholes. Acompanhe as publicações nas mídias sociais e plataformas institucionais da Discoteca L. C. Vinholes.
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