Carmen Beatriz Silva de Castro
Luciana Alves
Pedro Henrique Landim Oliveira de Souza
Este ensaio tem como problemática o sensacionalismo televisivo e o campo das públicas, especialmente, o campo das políticas publicas de segurança. Assim, busca-se problematizar a relação entre o discurso da violência nos meios de comunicação e como ele pode perpetuar estereótipos negativos, contribuindo para a padronização da criminalização associada a determinados grupos sociais, influenciando a gestão de políticas publicas.
Com base na bibliografia mobilizada ao longo deste texto, entende-se que essa forma de comunicação televisiva contribui para que o telespectador construa e absorva uma rotulação sobre determinados sujeitos, recorrentemente, preconceituosa. Além da relevância teórica, essas questões colocam-se enquanto demandas de interesse social, pois de alguma forma definem o comportamento do indivíduo enquanto sociedade. Ness contexto abordaremos os dois programas televisivos, que se utilizam de estratégias apontadas como sensacionalistas, com o objetivo de alavancar a audiência e desse modo ultrapassam os limites da principal função da imprensa que é informar.
Importante pontuar que nos anos 60 e 70 inicia-se o gênero da crônica policial que se populariza no Brasil, especificamente nos rádios e jornais, consagrando nomes como Nelson Rodrigues, Jacinto Figueiredo Júnior (popularmente conhecido como “O homem do sapato branco”) e Gil Gomes. As duas próximas décadas da televisão é marcada pela exploração da violência com os programas “Aqui e Agora” da emissora SBT tendo sob um dos comandos de reportagens o Gil Gomes, e “Linha Direta” da emissora Rede Globo, atraindo milhares de telespectadores e consolidando o gênero que se mantém até os dias atuais, como por exemplo o programa “Brasil Urgente” exibido na TV Band e apresentado por José Luiz Datena. Tanto o programa “Aqui e Agora” como o “Brasil Urgente” é carregado de um discurso marcado pela intensificação dos fatos, exagero, valorização da emoção, por uma perspectiva trágica, violência e muitas vezes grotesca ou fantástica.
Outra característica que demonstra essa exploração da violência é o jargão policial “elementos” usado para descrever os suspeitos ou acusados, esse jargão é reproduzido pelos apresentadores e repórteres dos programas. Para Teixeira (2011, p. 51) “[…] agressor: sem voz, sem história, sem humanidade. Para estes, a estratégia discursiva do programa contribuía no sentido da difusão de uma visão naturalizada de seu caráter criminoso”.
É notório a semelhança na forma com que os crimes são apresentados nos dois programas, através da valorização da emoção e a perspectiva trágica. Além disso, tanto o apresentador Datena quanto Gil Gomes reforçam ao público seus juízos de valores sobre os casos, os crimes são apresentados isoladamente, sem contextualização ou reflexão. É possível encontrar nos dois programas a incitação aos telespectadores de uma visão restrita a um determinado estereótipo de bandido, que reforça a cultura do medo ligada às camadas mais populares da sociedade e pode ser chamada de processo social de subjetivação, denominado sujeição criminal:
A sujeição criminal é o processo social pelo qual identidades são construídas e atribuídas para habitar adequadamente o que é representado como um “mundo à parte”, o “mundo do crime”. Há sujeição criminal quando há reprodução social de “tipos sociais”, representados como criminais ou potencialmente criminais: bandidos (MISSE, 2010, p. 71).
Importante salientar que, se um tipo específico de pessoa é mostrado como criminosa em vários meios de comunicação, esse mesmo perfil consequentemente passará a ser associado a vida real das pessoas, pois a televisão é representada conforme (TEIXEIRA, 2011) como instituição socializadora.
Em uma das edições, o repórter Gil Gomes entrevista o assassino de uma garota de 9 anos, morta com 34 facadas, ele esbraveja diante do criminoso acuado pela câmera e registrado em um close: “É pena que eu não posso fazer o que tenho vontade. Eu vejo criminoso faz 24 anos e eu nunca vi um crápula como você!”. Antes disso, Gil Gomes investe na apresentação da história a partir de uma narrativa de drama pessoal, para em seguida, transformar o suspeito em um monstro, desprovido de humanidade, o que influencia a opinião pública a respeito da culpa do acusado, antecipa seu julgamento e influencia a fazer justiça com as próprias mãos. Nesse contexto sobre o sujeito criminoso, Michel Misse analisa:
Trata-se de um sujeito que “carrega” o crime em sua própria alma; não é alguém que comete crimes, mas que sempre cometerá crimes, um bandido, um sujeito perigoso, um sujeito irrecuperável, alguém que se pode desejar naturalmente que morra, que pode ser morto, que seja matável. No limite da sujeição criminal, o sujeito criminoso é aquele que pode ser morto. (MISSE, 2010, p. 21)
A respeito desse recorte sobre categoria de sujeito criminoso apontado nos programas, o “Brasil Urgente” segue uma linha semelhante, onde o apresentador dialoga com o telespectador e impõe opiniões a respeito dos casos, incentiva julgamentos e linchamentos televisivos ao vivo. O apresentador Datena ainda, utiliza um discurso particularmente preconceituoso ao abordar casos de assassinados e assaltos, por exemplo, fazendo associações entre criminalidade, pobreza e descrença religiosa.
Portanto, a condução dos fatos de crimes em programas de televisão aponta para um discurso que categoriza socialmente os agressores, associando-os fortemente às classes populares. Essa abordagem enfatiza a dramatização e simplificação discursiva, criando uma dicotomia entre o bem e o mal, onde o “bandido” é retratado como vilão, marginal e criminoso, sempre necessitando ser capturado e punido para haver justiça. Esse estereótipo é tendencioso, levando em consideração fatores como classe social, raça e condição financeira, e os elementos considerados fora da lei são predominantemente das classes C e D, com baixo nível de escolaridade, moradores de periferias e pessoas negras, o que evidencia preconceito estrutural no telejornalismo brasileiro.
Além disso, a retórica simplista, descontextualizada e cheia de julgamentos de valor amplifica discursos de ódio. A exploração da violência pelos meios de comunicação de massa e sua relação com a sociedade não devem ser consideradas como uma relação de causa e efeito, mas sim como um instrumento de potencialização, causando impactos negativos na sociedade.
Referências
MISSE. Michel. Crime, Sujeito e Sujeição Criminal: Aspectos de uma contribuição analítica sobre a Categoria “Bandido”. Lua Nova, São Paulo, 79: 15-38, 2010.
TEIXEIRA, Alex Niche. Televisão, hipercrimes e violências na Modernidade Tardia. In: SANTOS, J. V. T., TEIXEIRA, N. A., and RUSSO, M., orgs. Violência e cidadania: práticas sociológicas e compromissos sociais [online]. Disponível em: <http:books.scielo.org/id/ycrrp/epub/santos-9788538603863.epub>. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2011.
TEIXEIRA, Alex Niche. Televisão, violências e o drama do crime “real”.In: SANTOS, J. V. T., TEIXEIRA, N. A. orgs. Conflitos sociais e perspectivas de paz. Porto Alegre: TOMO editorial, 2012.
Trecho do Caso do programa “Aqui e Agora”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_BvpWIuSOyo