Stefani dos Santos Souza
A participação feminina nas forças armadas tem se tornado um tema central nas discussões contemporâneas sobre equidade de gênero (Matos et al, 2016). Historicamente, a inclusão das mulheres no serviço militar enfrentou resistência, obrigando-as, muitas vezes, a se disfarçarem de homens ou a assumirem funções voluntárias, como na enfermagem, para contribuir de forma significativa. No entanto, ao longo dos anos, houve avanços na integração das mulheres nas forças armadas, tanto no Brasil quanto em outros países, refletindo uma mudança gradual na percepção e valorização de suas capacidades.
No Brasil, de acordo com Lombardi (2009), a trajetória da mulher nas forças armadas começou com figuras como Maria Quitéria de Jesus Medeiros que, em 1823, durante a Guerra da Independência, se alistou disfarçada de homem e recebeu reconhecimento por seus feitos. Outro exemplo é o de Ana Vieira da Silva, que participou clandestinamente da Guerra Constitucionalista em 1932 e, posteriormente, foi incorporada ao Batalhão. Conforme aborda Guimarães et al (2019), a participação oficial das mulheres nas forças armadas brasileiras ocorreu em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, quando elas atuaram como voluntárias em serviços de enfermagem. Com o tempo, novas oportunidades surgiram, como a criação do Corpo Auxiliar Feminino do Exército e da Reserva Feminina da Marinha (CAFRM), em 1980, permitindo que as mulheres assumissem funções administrativas, de saúde, engenharias e mecânicas.
Em 1997, a reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e Praças da Marinha, que resultou na extinção do CAFRM, ampliou ainda mais as oportunidades para as mulheres, permitindo seu ingresso em diversas áreas. Com isso, as mulheres passaram a ocupar não apenas cargos de apoio, mas também a desempenhar funções operacionais e de liderança, representando um avanço significativo rumo à igualdade de gênero nas instituições militares.
Ademais, as mulheres nas forças armadas brasileiras enfrentam diversos desafios que dificultam sua plena integração e ascensão dentro dessas instituições (Duarte et al, 2016). Um dos principais obstáculos é a disparidade de gênero, evidenciada pelo fato de que apenas 8% do contingente militar é composto por mulheres. Isso reflete uma estrutura militar que, historicamente, relegou as mulheres a posições subalternas ou assistenciais, limitando suas oportunidades de desenvolvimento profissional.
Além disso, as mulheres precisam lidar com construções sociais que as associam à fragilidade e à fraqueza, o que dificulta a aceitação de seu papel como agentes militares competentes. Esse estigma não apenas prejudica a percepção de suas capacidades, mas também limita suas chances de ascensão nas carreiras militares. A resistência em romper com os arquétipos de gênero que definem papéis sociais tradicionais para homens e mulheres é outro desafio significativo, influenciando as funções que cada gênero desempenha dentro das organizações militares (Giannini, 2014)
Para superar essas barreiras, é fundamental que sejam implementados mecanismos institucionais que promovam a inclusão e a ascensão das mulheres a cargos superiores. Esses mecanismos são essenciais para combater as construções sociais discriminatórias e para incentivar a participação feminina em todos os níveis hierárquicos. No entanto, a desigualdade na composição das forças armadas ainda é marcante, com uma presença feminina muito baixa em determinados níveis, como praças, onde as mulheres representam apenas 1%.
Esses desafios evidenciam a necessidade urgente de uma mudança cultural e institucional para promover uma maior igualdade de gênero nas forças armadas brasileiras. Somente com a implementação de políticas eficazes e a transformação do imaginário coletivo será possível alcançar um ambiente militar mais inclusivo e equitativo.
Contudo, segundo Guimarães et al (2019), a participação feminina nas forças armadas têm o potencial de impactar positivamente a eficiência das operações militares em diversos aspectos. Em primeiro lugar, a inclusão de mulheres no contingente militar introduz uma diversidade de habilidades e perspectivas que podem enriquecer tanto a tomada de decisões quanto a execução das operações. A diversidade é essencial para construir um aparato militar mais robusto e adaptável às variadas situações que surgem em contextos de conflito.
Além disso, o aumento da participação feminina é visto como uma estratégia que fortalece a capacidade militar do país (Guimarães, 2019). A presença de mulheres na força militar contribui para enfrentar as complexidades das novas formas de violência e ameaças no cenário internacional, tornando as forças armadas mais eficazes. Outro ponto relevante é o papel das mulheres como agentes de pacificação e reconstrução. Elas não atuam apenas como combatentes, mas também desempenham funções cruciais em missões de conciliação, moderação e apaziguamento de conflitos. A participação feminina nessas operações pode ser determinante para o sucesso, ao promover uma abordagem mais holística e eficaz.
A inclusão de mulheres nas forças armadas também têm o potencial de melhorar a imagem institucional da organização. Ao se tornar mais representativa da sociedade, as forças armadas podem aumentar a confiança pública, resultando em maior apoio e colaboração da comunidade nas operações militares. Ainda, a presença feminina pode contribuir para a promoção de um ambiente de trabalho mais igualitário e respeitoso dentro das forças armadas. Isso não apenas desafia e transforma normas culturais tradicionais, mas também pode aumentar a satisfação e a retenção de pessoal, além de melhorar a moral e a coesão da equipe.
Esses fatores mostram que a inclusão de mulheres nas forças armadas vai além de uma questão de igualdade de gênero; trata-se de uma estratégia que pode amplificar a eficácia e a capacidade operacional das forças armadas brasileiras (Giannini, 2014). Dados de 2012 indicam que as mulheres representavam apenas 15% do total de militares, e em determinadas áreas, como nas praças, a participação era de apenas 1%. Esses números refletem a disparidade de gênero e as barreiras culturais que associam as mulheres à fragilidade e à fraqueza, dificultando sua aceitação e ascensão em funções militares.
Conforme Helena Carreiras (1995, p. 125) aborda em seu artigo sobre as mulheres nas Forças Armadas, “enquanto as mulheres permanecerem uma minoria (numérica e cultural), dificilmente terão lugar significativas reconfigurações na álgebra simbólica que ainda localiza no espaço militar uma reserva do modelo dominante de masculinidade”, tornando a paridade de gêneros ainda mais necessária para uma redução mais efetiva dos comportamentos preconceituosos. Para enfrentar esses desafios, é essencial a implementação de mecanismos institucionais que promovam a inclusão feminina em todos os níveis hierárquicos, combatendo as construções sociais discriminatórias e incentivando a igualdade de gênero.
No cenário internacional, países como Reino Unido, Estados Unidos e China têm adotado medidas para promover a inclusão feminina em suas forças armadas. No Reino Unido, desde 2017, as mulheres representam 10% do contingente total, com o governo implementando políticas para permitir que todos os postos e funções sejam ocupados igualmente por homens e mulheres. Nos Estados Unidos, nota-se o esforço em permitir que as mulheres ocupem uma variedade de funções, inclusive em combate. Na China, a participação feminina nas forças armadas é uma tradição que remonta ao regime comunista de Mao Tsé-Tung, demonstrando uma longa história de inclusão (Guimarães, 2019).
A história das mulheres nas forças armadas, tanto no Brasil quanto em outros países, é marcada por desafios e conquistas. Desde os primeiros registros de travestimento até a participação oficial e o reconhecimento institucional, as mulheres têm demonstrado seu valor em um campo tradicionalmente masculino. Embora a luta pela equidade de gênero continue, os avanços já alcançados são significativos e promissores para o futuro. A inclusão feminina nas forças armadas não é apenas uma questão de igualdade de gênero, mas uma estratégia que pode amplificar a eficácia e a capacidade operacional das forças armadas, fortalecendo-as para enfrentar as complexidades do cenário internacional contemporâneo.
Referências
CARREIRAS, H. Mulheres nas Forças Armadas: transformação institucional e recrutamento feminino. Revista Sociologia–Problemas e Práticas 18 (1995): 97-128.
DUARTE, A. D.; CRUZ, B. S. A.; GOMES FILHO, J. C. D.; LÍRIO, T. G. Inserção das Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras. Orientador: GUSTAVO HERMONT CORRÊA. 2016.
GIANNINI, R. A. Promover Gênero e Consolidar a Paz: a experiência brasileira. Instituto Igarapé. Rio de Janeiro. Artigo estratégico 9. Set. 2014. Disponível em: <https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2013/05/AE-09_PROMOVER-GENERO-E-CONSOLIDAR-A-PAZ.pdf>. Acesso em: 24 agosto 2024.
GUIMARÃES, F., SANTANA, E., PALMEIRA, M., SOUTO, M., ROCHA, B. A Participação Feminina nas Forças Armadas Brasileiras e seus Desafios Contemporâneos. 2019
LOMBARDI, M. R. As Mulheres Nas Forças Armadas Brasileiras: A Marinha do Brasil (1980-2008). São Paulo: FCC/DPE, 2009.
MARINHA DO BRASIL. O reconhecimento da MB à importância das mulheres nas Forças Armadas: da Guerra do Paraguai aos dias atuais. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/sites/default/files/a_importancia_das_mulheres_nas_fa.pdf. Acesso em: 24 agosto 2024.
MATOS, D. J., REIS, G. T. S., QUEIROZ, H. G. A., CAVALCANTE, L. B., LEITE, V. H. S., SILVA, W. C. Mulheres nas Forças Armadas: Desenvolvimento Histórico-Jurídico da Participação Feminina na Defesa Nacional. 2016