Por Kaique Cangirana/Superávit Caseiro
Nesta semana, o Superávit Caseiro conversou com o economista e professor Pedro Cezar Dutra Fonseca, que compartilhou um pouco de sua trajetória, bem como apresentou algumas perspectivas da economia brasileira. O professor do Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), possui mais de quatro décadas de carreira dedicada à educação, pesquisa acadêmica e formação de economistas. Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), seus feitos e trajetória também lhe renderam o título de Economista do Ano em 2022, prêmio concedido pelo Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Sul. A seguir, o leitor pode acompanhar alguns dos pontos destacados pelo professor durante a conversa com o Superávit Caseiro.
Pontos de uma carreira longeva: a trajetória de Pedro Fonseca e sua carreira na Economia
PEDRO FONSECA – Eu nasci em São Borja (RS) e vim para Porto Alegre com 15 anos para fazer o Ensino Médio. Já em Porto Alegre, ingressei na Escola Técnica de Comércio da UFRGS e fiz o curso de Contabilidade. Depois, cursei a faculdade de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e também fiz meu mestrado aqui. Então, apenas me afastei para fazer o doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Quando fui fazer o doutorado, eu já era professor da universidade pois, na época, ainda se abria concursos mesmo para a pessoa que não tinha doutorado. Entrei como professor Assistente antes de ingressar na USP. Mais tarde, fiz concurso para professor Titular. Para teres uma ideia, eu entrei na universidade como professor em 1978, então, este ano está fazendo 45 anos que estou na universidade. Eu não me aposentei ainda, e a pergunta mais frequente é: quando vou me aposentar? (risos) Mas eu continuo dando aula, tanto de graduação como de pós-graduação. Sou pesquisador do CNPq desde 1987 e continuadamente tenho aprovado projetos de pesquisa. Uma coisa que gosto muito na minha vida universitária, é essa parte de formar as pessoas, não apenas pesquisando sozinho, mas também introduzindo as pessoas na pesquisa, na investigação científica. Tenho tido bons frutos com bons quadros de doutores, de mestres e de graduandos em Economia que eu ajudei a formar, sem contar os milhares de alunos nessa trajetória toda.
Dentro da universidade, eu já ocupei quase todos os cargos possíveis, fui vice-reitor de 2004 a 2008 e não quis concorrer à eleição porque eu acho que se fosse reitor, eu não conseguiria conciliar com as atividades de ensino e pesquisa. Mesmo tendo diversos cargos, como por exemplo, fui chefe de departamento e coordenador de pós-graduação, reitor de pesquisa e vice-reitor, eu nunca me afastei da sala de aula. Eu sempre continuava dando aula de graduação e de pós graduação. Às vezes diminuía um pouco a carga das orientações, mas nunca deixei de exercer as atividades na sala de aula. Sempre tive essa vida na universidade, sim, me afastei da UFRGS em determinado momento, por exemplo, quando eu fui Presidente da FAPERGS, que é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul. Eu sempre tive essas atividades fora da universidade, mas acadêmicas também. Sempre escrevi em jornais e revistas científicas. Para ser pesquisador do CNPq, tem que ter produção em revistas especializadas, mas eu também procurava escrever artigos em jornais para a divulgação. Às vezes o mundo acadêmico não gosta muito disso, mas tive por um bom tempo uma coluna no Correio do Povo, depois escrevi por algum tempo também na Zero Hora e em outras publicações de divulgação. Escrevi artigos não científicos, fora daquele formato acadêmico, e mais como artigos de opinião e divulgação sobre economia. Também fui coordenador e participei da comissão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na área de Economia. Depois, já no CNPq, também fui membro do Comitê Científico por vários anos. Trabalhei muito nessas instituições vinculadas ao ensino e a pesquisa na área de Economia.
A linhas de trabalho acadêmico e as disciplinas que o professor Pedro Cezar Dutra Fonseca leciona na universidade
PEDRO FONSECA – O livro mais tradicional que se conhece sobre a economia brasileira é a obra de Celso Furtado “Formação Econômica do Brasil”, que é o livro mais traduzido, bem como é também um dos mais utilizados e mais reimpressos de Economia no Brasil. Um livro tradicional escrito lá em 1959 que trata mais da questão sócio-econômica. Hoje, já existem vários livros de Economia de vários professores, fica até difícil falarmos sobre um, pois tem vários muitos muito bons. A minha produção científica para, quem quiser olhar está disponível em: https://professor.ufrgs.br/pedrofonseca. Neste endereço está toda a minha produção de livros e artigos de Economia, assim como artigos em revistas especializadas, fora esses que eu te falei nos jornais. Hoje, há um esforço dos economistas em falar para o grande público, como já se viu em outras atividades. A área de minhas pesquisas é relacionada ao Desenvolvimento Econômico, porque essa é a área de especialização do nosso curso de pós-graduação. Leciono a disciplina de Economia Brasileira e também dou outra disciplina de pós-graduação que se chama “Interpretações no Brasil”, onde a gente já analisa alguns autores relevantes que tentaram entender o Brasil, interpretar o Brasil. Alguns deles são: Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, enfim, uma gama de autores que, em diferentes visões, tentaram ter uma noção globalizante sobre o Brasil. O professor também aprende com essas disciplinas, porque a obra desses autores sempre é muito rica e permite releituras da própria obra ao longo do tempo.
O professor avalia a economia brasileira do século XX até a contemporaneidade
PEDRO FONSECA – A economia brasileira, desde 1980, está numa fase que eu chamaria de “semi estagnação”. Tivemos um grande período de crescimento no Brasil que foi de 1930 até 1980, aproximadamente. O Brasil era a economia do mundo que mais crescia com, a possível exceção do Japão. Havia uma ideia de “país do futuro”, do “Brasil que vai para frente”, animosidade, uma crença de que o país iria superar os seus problemas a partir de 1980, época denominada como uma década perdida. Mas o Brasil nunca mais conseguiu ter uma forma de crescimento e se sustentar, mas sim, a gente tem pequenos ciclos de crescimento. Às vezes as pessoas chamam voo de galinha, voa um pouquinho, mas cai em seguida (risos), pois não consegue sustentar. Tivemos fases como na época do Plano Cruzado, tivemos o primeiro governo Lula, inclusive empolgados pelo crescimento da China, o Brasil surgiu como um grande produtor mundial de commodities, aquilo rendeu um grande crescimento para o país junto a uma melhoria da distribuição de renda, mas aquilo também não foi sustentável. Depois, partimos para uma situação de desindustrialização, um problema que como sintoma gerou a regressão do Brasil. O Brasil já teve quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) como uma indústria, superando aquela fase da economia só de café de açúcar; ela começa a se industrializar a partir de 1930. Mas o agronegócio ocupa esse espaço e não existe um conflito entre tu ter um grande agronegócio e uma grande indústria, não é um jogo em que se um ganha o outro tem que perder. Nós podemos ter um grande agronegócio e uma grande indústria, então, eu não vejo as coisas totalmente associadas em que um está tomando o lugar do outro. Eu acho ótimo ter um agronegócio forte que exporte bem e que o mundo reconheça que garanta o saldo da balança de pagamento, que respeite o meio ambiente, é possível tudo isso acontecer. Agora, poderia também a indústria crescer e qualificar os serviços, a pesquisa tecnológica. Os serviços, hoje, são serviços com a internet das coisas e tecnologia, que são intensivos em conhecimento, então, a importância da educação, da ciência e tecnologia para eles é muito importante. A economia brasileira tem momentos melhores, momentos piores e, como todo mundo, foi abalado pela pandemia. No Brasil não seria diferente.
Agora, sobre o que está acontecendo hoje, os dados que tem saído ultimamente são muito animadores. Por exemplo, o dólar está abaixo de R$5 quando a previsão é de que poderia estar acima ou próximo de 6; a taxa de crescimento do país, que iniciou o ano pensando que seria de meio ponto percentual, depois foi para um ponto e já tem previsão de ser a 2,3% neste ano. Temos bons saltos na balança de pagamentos, na balança comercial do país. Então, hoje há um certo clima de otimismo, o governo conseguiu aprovar algumas reformas importantes que foram encaminhadas do Executivo para o Legislativo.
O professor também avalia como crises políticas impactam a economia do país
PEDRO FONSECA – O Brasil tem um problema com uma radicalização política muito grande. As pessoas tem dois lados opostos sem qualquer diálogo, isso é péssimo para a economia e é péssimo para a sociedade, pois o importante é os brasileiros também terem uma identificação comum, e não de um torcer contra o outro como se fosse um jogo ou algo semelhante. Eu acho que respeitar as diferenças não quer dizer inexistência de diálogo, então, este problema político que tem o Brasil, essa radicalização, que de certo modo se reflete no Congresso, dificulta o progresso. Também é uma dificuldade para qualquer governo, seja de direita, de esquerda ou de centro, governar com mais de 20 partidos no Congresso (risos). Não acho que no Brasil há o presidencialismo de coalizão como se diz. Não há coalizão nenhuma, isso não aconteceu com Lula, com Bolsonaro e nem com o Temer, porque na verdade, os políticos não obedecem suas lideranças partidárias e votam individualmente. Então, às vezes os partidos estão no governo, mas não seguem essa orientação de liderança e eu acho que esse é um problema político. Qualquer democracia do mundo supõe que exista um entrosamento entre o Legislativo e o Executivo com formação de uma maioria, e essa maioria deveria ser instável independente da ideologia do governo. O que eu estou falando é tratado como governabilidade, e por que estou falando disso numa discussão de economia? Porque tem tudo haver com economia, se não tivermos essas regras estáveis, elas não vão se refletir numa governança econômica.
O economista também explanou suas considerações acerca de uma moeda alternativa e a política externa do Brasil atualmente
PEDRO FONSECA – Ainda precisamos de mais tempo para avaliar a política externa do governo. Há boas negociações que já se estendem a tempos, no caso a negociação para aproximar os blocos econômicos europeu e sulamericano, que há mais de 20 anos se tenta e não se consegue. O que considero mais importante é tentar recuperar esse papel do Brasil, que sempre foi muito respeitado em sua política externa. A retomada do protagonismo brasileiro vai depender muito dessa questão do clima, pois a questão ambiental sofre uma pressão dos países do primeiro mundo, mesmo que às vezes seja uma pressão de calça curta, porque eles também não seguem essa política. Me parece uma tentativa, mas se isso vai trazer resultados, nós vamos ver no futuro. Uma coisa importante é a política externa ser muito mais pragmática do que ideológica. Tem que se pensar antes nos interesses do país.
Uma moeda única para o comércio Internacional até faz sentido, mas aquela ideia de que haveria uma moeda única do Mercosul já é mais difícil (risos). Haver uma alternativa ao dólar no comércio Internacional é uma coisa que já se fala há muito tempo, isso desde os anos 1970. A ampliação dos BRICS – grupo de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento econômico – poderia ser, como já houve, uma pena que essa nova ampliação se deu praticamente com governos autoritários que passam a ocupar um espaço muito grande dentro do que está sendo proposto. Mas eu considero que sim, os BRICS são uma boa iniciativa. Quando ele foi criado, a tentativa era reunir esses países emergentes que já tinham uma importância, países menores sem muita expressão. Teríamos outros países como possíveis integrantes para incorporar o BRICS, aqui na América Latina mesmo, países como a Argentina e o México, que a gente pode chamar de emergentes e que são um pouco maiores. Vamos dizer que aí depende da proposta política que esse grupo vai querer.
Eu acho que é possível ter uma moeda alternativa, não seria no pós-guerra, quando se tinha uma hegemonia absoluta do dólar americano. A guerra terminou em 1945, nós estamos em 2023, o mundo mudou, a geopolítica mundial mudou, por isso que surgem essas alternativas. Claro que os Estados Unidos não vão gostar (risos) como eles também não foram a favor do surgimento do euro. Até pressionaram, mas a Europa resolveu e foi bem-sucedida nessa alternativa, que é muito mais radical, porque tem uma moeda comum dos países. Aqui está se falando de uma coisa bem mais light, que é uma moeda para o comércio internacional, que inclusive poderia ter apenas uma parte em dólar sem extinguir este como moeda internacional, isso criaria uma alternativa. Então, são propostas que estão na mesa para discussão com pontos positivos e pontos negativos e esses pontos variam entre os países.