Por Camila Santos/Superávit Caseiro
A economista Kellen Fraga da Silva possui conhecimentos em economia, com ênfase em desenvolvimento produtivo e de clusters (Universitát Pompeo Fabra, Barcelona), e em economia da tecnologia e inovação. Kellen é doutora em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Além disso, é professora da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e coordenadora do curso de graduação em Ciências Econômicas. De 2007 à 2011, atuou junto ao Governo Federal e à Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex-Brasil) nas áreas de promoção de exportações e internacionalização de empresas, e de desenvolvimento produtivo de micro e pequenas empresas. Desenvolveu atividades de assessoria ao Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação da PUCRS (2012-2015) e a empresas startups no Parque Científico e Tecnológico da PUCRS, TECNOPUC (20015- 2020). Na entrevista que concedeu ao Superávit Caseiro, ela fala inicialmente sobre a queda na cotação do dólar, quais seriam os motivos e impactos para a sociedade. Aborda a questão da inflação, sua especialidade, e ao final fala sobre como é ser mulher em um espaço que ainda é predominantemente masculino. Confira!
Superávit – Quais são os principais motivos da baixa na cotação do dólar nas últimas semanas?
Kellen Fraga da Silva – Estamos observando uma queda do dólar no mercado cambial brasileiro mais expressivamente desde o final de janeiro desse ano, quando as projeções sinalizavam que a moeda norte-americana fecharia sua cotação em R$ 5,60 no Brasil. Já no Relatório Focus da terceira semana de março, a expectativa do câmbio real/dólar para o ano de 2022 passou de R$ 5,50 para 5,30, evidenciando tendência maior de queda para o ano. Um conjunto de fatores parecem explicar essa baixa. Do ponto de vista global, a guerra na Ucrânia e as sansões à Rússia no último mês levaram o mercado a temer por restrições na oferta de petróleo e produtos básicos, as commodities, cujos preços são definidos em nível internacional. E quanto menor a oferta, maior o preço internacional. Efeitos de alta na balança comercial brasileira passam a ser projetados, com o aumento da procura por grãos e metais. Observa-se também que investidores internacionais passaram a considerar os latino-americanos os países emergentes relativamente menos vulneráveis segundo argumentos geopolíticos perante a guerra, elevando a entrada de capital externo no País. As elevações na taxa de juros básica no Brasil, com a Selic em 11,75% ao ano – e viés de alta pelo Banco Central – podendo chegar a 13,00% ao ano, segundo o Relatório Focus, atrai mais investimentos, principalmente de renda fixa, diante de taxas de jutos reais positivas. E com mais dólares entrando no mercado de divisas brasileiro, a moeda estrangeira se desvaloriza em relação à moeda nacional.
Superávit – Qual a tendência para os próximos meses?
Kellen Fraga da Silva – O dólar não deve cair persistentemente. Apesar de ainda teremos efeitos da elevação dos juros pelo banco central americano (Federal Reserve), a fim de combater a inflação nos Estados Unidos, há que se considerar os cenários fiscal e político do Brasil. As eleições devem ser um fator de risco para o câmbio. Devemos observar os rumos da campanha e do debate eleitoral, tendo em vista instabilidade política e a forma de condução das políticas econômicas, essencialmente ao que se refere à dívida. Considerando nos próximos meses o fim da guerra da Ucrânia no front externo, e o ambiente incerto brasileiro agravado pelas eleições presidenciais no front interno (além do comportamento de outras variáveis macroeconômicas), o dólar deve deixar de apresentar queda em relação ao real.
Superávit – Por que o dólar está caindo tanto mesmo em meio a uma guerra e crise econômica?
Kellen Fraga da Silva – Por que como explicado anteriormente, os efeitos da guerra aos países emergentes geraram um aumento das exportações de commodities e dos capitais externos, somadas a taxas de juros reais positivas no caso brasileiro, contribuindo para acentuar a queda. Ambos os cenários corroboraram para a entrada do dólar no mercado brasileiro.
Superávit – É um bom momento pra adquirir a moeda?
Kellen Fraga da Silva – Há sinais de que o câmbio é favorável à entrada de dólares na economia. Os analistas de mercado sinalizam que a compra de dólares deve ocorrer até o momento em que o FED elevar consecutivamente a taxa de juros nos Estados Unidos. A partir do viés de alta do dólar em relação ao real e às moedas de outros países emergentes, essa tendência de queda da moeda norte-americana vai cessar. Em se tratando de investimentos financeiros, há outras opções que no momento são mais atrativas que ativos em dólar, como os títulos brasileiros – o Tesouro Direto – que tem um retorno real (acima da inflação) significativos.
Superávit – Com isso, o real está sendo mais valorizado?
Kellen Fraga da Silva – Sim, a relação de oferta e demanda de moeda estrangeira no mercado de divisas pressupõe ao preço relativo das moedas. Quando o dólar se desvaloriza, o real de valoriza.
Superávit – Como fazer para controlar a inflação? Como retomar o crescimento do país?
Kellen Fraga da Silva – Essa pergunta não é fácil de responder. A inflação pode conter várias causas e, por esse motivo, deve ser controlada com instrumentos distintos. No Brasil, o Banco Central se utiliza do regime de metas de inflação para definir o compromisso com o objetivo da estabilidade de preços. Define-se uma meta (ou um centro para a meta de inflação) e uma banda (um tipo de faixa de variação) para a qual a inflação deverá manter-se. Dessa forma, há uma sinalização ao mercado do nível de preços a ser atingido ao longo do ano. A taxa de juros de curto prazo, assim, é calibrada levando-se em consideração, basicamente, os desvios da inflação em relação à sua meta, bem como a diferença entre o produto da economia (PIB) em relação ao seu potencial, e uma estimativa da taxa de juros real de longo prazo. Ou seja, o crescimento do país deveria vir acompanhado de políticas macroeconômicas que prezem pelo crescimento com estabilidade. Porém, diante das incertezas em que vivemos atualmente, tais objetivos tornam-se complexos de serem atingidos simultaneamente.
Superávit – Como inflação e juros (ambos altos, hoje) estão influenciando na vida das pessoas?
Kellen Fraga da Silva – A inflação é o aumento contínuo e generalizado dos preços de bens e serviços. Representa a perda de poder de compra da moeda e têm efeitos perversos sobre a economia. Desestimula investimentos, devido ao aumento da incerteza e a imprevisibilidade nos mercados. Recai sobre a população desfavorecida, de baixa renda que geralmente não dispõe de mecanismos de proteção contra a elevação do custo de vida. Onera a dívida pública, com taxas de juros e prêmio de risco mais elevados. A grosso modo, taxas de juros mais elevadas freiam o ritmo de aquecimento do mercado interno, sob a perspectiva da demanda “agregada” de curto prazo, tornando as decisões de consumo e investimento privados menos efetivas. Juros maiores inibem a ampliação do investimento produtivo das empresas e do consumo das famílias, pois a taxa de juros do crédito, do cheque especial e dos empréstimos e financiamentos em geral se elevam.
Superávit – Como é conquistar espaço nesse campo profissional onde ainda há uma predominância masculina?
Kellen Fraga da Silva – Atuando na coordenação do curso de Ciências Econômicas da PUCRS, percebo que a maior parte dos estudantes de Economia ainda é do gênero masculino, embora cresça o interesse do público feminino pela área. Como atuo diretamente na Universidade, um dos poucos locais que se orientam pela pluralidade e a diversidade, há espaço para conquistas independentemente de gênero. No entanto, quando atuei no governo federal entre 2007 e 2011, em Brasília, fóruns e grupos de trabalho interministeriais eram predominantemente masculinos no que se refere a tomadas de decisão em que estive envolvida, de desenvolvimento produtivo e de promoção de exportações. Ser economista é ser ímpar na área em que se escolher. É ir além de quanto se poupa ou se gasta. É como se tomam decisões e é capaz de mudar a realidade da qual faz parte.