Por Karen Neves, Laurena Tavares, Luana Ortiz e Maria Antônia Porto/Reportagem em Curso
As cotas raciais implementadas nas universidades brasileiras refletem a construção de políticas sociais voltadas à promoção da igualdade e da justiça social. Elas desempenham um papel fundamental na democratização do acesso ao ensino superior e no combate à discriminação racial.
Essa política impacta diretamente o aumento do ingresso de negros, indígenas e quilombolas nas universidades, por meio da reserva de vagas e da promoção da inclusão e da redistribuição de oportunidades. Além disso, contribui para a diversificação das elites brasileiras, possibilitando que futuras gerações contem com instituições mais representativas e plurais. Entre 2000 e 2010, observou-se um crescimento expressivo na taxa de graduação de estudantes negros, reduzindo significativamente a disparidade entre brancos e negros.
A primeira iniciativa legislativa relevante nesse sentido ocorreu em 2000, quando a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou a Lei nº 3.524/2000, que modificou os critérios de acesso às universidades estaduais, reservando 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas. No ano seguinte, foi aprovada a Lei nº 3.708/2001, que destinava 40% das vagas a candidatos autodeclarados negros e pardos. Apesar das controvérsias iniciais, a reitoria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e o governo estadual criaram grupos de trabalho com representantes da universidade, do governo e do movimento negro, construindo um consenso em torno da política, que entrou em vigor em 2003.
No mesmo ano, a Universidade de Brasília (UnB) tornou-se a primeira instituição federal a adotar cotas raciais, destinando 20% das vagas para estudantes negros. A consolidação dessa política ocorreu com a sanção da Lei nº 12.711/2012, que regulamentou as cotas nas instituições federais. A norma reserva 50% das vagas para alunos que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas, com prioridade para aqueles com renda familiar per capita de até 1,5 salário-mínimo, autodeclarados pretos, pardos, indígenas, quilombolas ou pessoas com deficiência. Essa política tem sido fundamental para promover inclusão, diversidade e a redução de desigualdades históricas resultantes da escravidão e do racismo estrutural no Brasil.

Linha do tempo da evolução das Cotas no Brasil – Imagem elaborada pelas autoras
A mestra em Educação e licenciada em História, Ledeci Coutinho, relembra a longa e árdua trajetória da luta por essas políticas, com destaque para os desafios enfrentados no Rio Grande do Sul.

Ledeci Coutinho – Foto: Karen Neves
“Eu posso dizer: sou militante, uma típica do movimento negro há quase três, quatro décadas. A luta pela dignidade, pelo reconhecimento, pela reconstrução e reescrita da história dos negros no Brasil e no Rio Grande do Sul não é novidade para mim”, recorda. Além disso, ela falou sobre o seu início como militante. “Comecei minha militância em 1988. A maioria de vocês não era nem poeira no universo, e nós já estávamos nessa luta, por reconhecimento e respeito, principalmente pela nossa trajetória enquanto descendentes de povos escravizados”, recorda.
Além disso, ela aborda a sua trajetória na academia: “Quando entrei na universidade federal, éramos menos de meia dúzia de negros. Não existia política de ação afirmativa. As cotas são uma política de ação afirmativa. Mas, mesmo antes disso, já discutíamos essas questões a partir do nosso pertencimento e da militância.”
Assista à entrevista completa pelo link: https://www.youtube.com/embed/ciWY-EM8p3Y
A Importância das Políticas Afirmativas
Histórias como a de Ledeci Coutinho evidenciam a importância das políticas afirmativas e do movimento negro no Brasil e no mundo como instrumentos de reparação histórica.
Contexto Histórico
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, em 1888, sem implementar políticas de reparação para a população negra. Como resultado, a exclusão social e econômica se perpetuou ao longo dos séculos. Inspirado por modelos internacionais, como o norte-americano, o movimento negro brasileiro passou a reivindicar políticas afirmativas para enfrentar as desigualdades estruturais.
Impactos e Resultados
Aumento da diversidade universitária: Em 2012, apenas 28% dos universitários eram negros. Em 2021, esse percentual subiu para 50,3% nas universidades públicas.
Maior inclusão indígena e quilombola: Programas específicos ampliaram o acesso desses grupos ao ensino superior.
Desempenho acadêmico: Alunos cotistas têm taxa de conclusão igual ou superior à dos não cotistas e menores índices de evasão.
Expansão: As cotas já chegaram à pós-graduação e aos concursos públicos, fortalecendo a inserção no mercado de trabalho.
Desafios e Críticas
Apesar dos avanços, persistem desafios relacionados à permanência estudantil, à qualidade da educação básica e à resistência de setores contrários às cotas. A revisão da lei em 2023 manteve a política com ajustes, direcionando o debate atual para a fiscalização da autodeclaração racial e o aprimoramento das condições de permanência dos estudantes cotistas.
13 Anos de Cotas na UFPel
A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) foi uma das primeiras instituições a adotar a política de cotas raciais. Em 2025, celebra 13 anos de implementação dessa política. Os resultados são expressivos: diversos estudantes indígenas e quilombolas já se formaram pela instituição, demonstrando o poder transformador da educação como forma de reparação histórica.
Pesquisas do IBGE mostram que a maioria dos alunos do ensino superior público se autodeclara preta ou parda. Embora os índices educacionais da população negra ainda estejam abaixo dos da população branca, os avanços são significativos. A experiência da UERJ reforça o caráter inclusivo das cotas: além de aumentar a diversidade no corpo discente, os cotistas têm desempenho acadêmico comparável — ou até superior — ao dos colegas não cotistas.
As políticas de cotas têm promovido acesso, permanência e inclusão, consolidando-se como um marco no processo de democratização do ensino superior brasileiro.