Rafaela Araujo da Silveira/Reportagem em Curso
Pedras Altas é uma cidade pequena em tamanho, mas grandiosa em história. Conhecida por abrigar o castelo de Assis Brasil — cenário de momentos decisivos da política brasileira —, o município hoje abre suas portas ao turismo e à curiosidade de quem busca conhecer o passado de perto.
As origens da cidade
De acordo com o livro Estação Pedras Altas, de Antônio Dias de Vargas, a história do município começou com a chegada dos trilhos. Em 24 de setembro de 1881, o Decreto nº 8.264 autorizou a construção de uma linha férrea ligando Bagé a Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Durante as obras, os engenheiros responsáveis pela construção procuravam um local apropriado para instalar os trilhos. Foi então que avistaram três grandes pedras com mais de cinco metros de altura. Impressionados com a paisagem, batizaram o lugar de Pedras Altas.
Com a facilidade de transporte proporcionada pelo trem, aliada ao clima favorável e ao potencial agrícola da região, o local começou a atrair famílias interessadas em se estabelecer.
Os primeiros moradores
Com o tempo, a vila cresceu. Novas casas surgiram e o movimento ao redor da estação intensificou-se. Um dos primeiros a investir no local foi o comendador Manoel Faustino D’Ávila, proprietário de um lote próximo à estação ferroviária. No final da década de 1890, ele construiu uma casa no local e loteou sua propriedade para erguer moradias destinadas ao aluguel.
Poucos anos depois, em 1905, o político Joaquim Francisco de Assis Brasil escolheu a região para viver com a esposa. Ele chegou a considerar uma mudança para Alegrete, mas a esposa optou por Pedras Altas devido à facilidade de locomoção proporcionada pelo trem. Anos depois, o casal construiu o icônico castelo que hoje é símbolo da cidade.
O caminho até a emancipação
Por muitos anos, partes do território de Pedras Altas pertenciam a dois municípios: Herval e Pinheiro Machado. No entanto, o isolamento geográfico e a falta de infraestrutura levaram os moradores a se mobilizarem pela emancipação.

Imagem: Rafaela Silveira
Manoel Antônio, morador local que mais tarde se tornaria secretário da Fazenda e Administração, e depois vice-prefeito, relembra o processo de independência municipal, ocorrido em 1999: “Tudo se originou da necessidade de atender demandas, tanto na sede quanto no interior do município, que as cidades-mãe não conseguiam suprir. A partir disso, começou o movimento de emancipação.”
Ele também recorda com carinho da criação do brasão da cidade: “A comissão de emancipação foi liderada por Silvio Marques, meu amigo. Participei de muitas reuniões para definir o brasão, que foi feito por uma empresa de Bento Gonçalves. Lembro que um dos galhos laterais ficou menor que o outro e precisava ser ajustado, mas nunca corrigiram. Apesar de ser um defeito, olho com carinho para esse detalhe — me lembra aquela época.”
A cidade hoje
Atualmente, Pedras Altas tem uma população estimada em 2.061 habitantes, dos quais cerca de 800 vivem na zona urbana. Pequena em números, mas rica em memória, a cidade segue firme, preservando suas raízes e valorizando os capítulos marcantes de sua trajetória — um lugar onde a história se impõe com a mesma imponência das pedras que lhe deram nome.
População:
Área territorial:
Salário médio mensal de trabalhadores formais: (salários mínimos)
Assis Brasil: o homem por trás do Castelo de Pedras Altas
Diplomata, advogado, político, escritor e poeta, Joaquim Francisco de Assis Brasil é um dos nomes mais importantes da história do Rio Grande do Sul — e do Brasil. Figura central em momentos decisivos da vida nacional, ele representou o país em diversas missões diplomáticas, incluindo a negociação do Tratado de Petrópolis, em 1903, que garantiu a incorporação do Acre ao território brasileiro.
Mas foi em solo gaúcho, no coração da campanha, que Assis Brasil protagonizou um dos momentos mais marcantes de sua trajetória: o Pacto de Pedras Altas, assinado em 14 de dezembro de 1923. O acordo, celebrado dentro do castelo onde vivia, pôs fim à sangrenta Revolução de 1923, conflito que opôs chimangos e maragatos no estado.
Um castelo no pampa gaúcho
Assis Brasil casou-se em 1898, em Lisboa, com Lydia Smith Vasconcellos Pereira Felício de São Mamede, filha do 2º Conde de São Mamede. Para proporcionar à esposa o conforto europeu que ela conhecia desde a infância — vivendo em um castelo em Portugal —, Assis Brasil mandou construir, em pleno interior gaúcho, uma residência à altura.

Imagem: Rafaela Silveira
A construção do Castelo de Pedras Altas começou em 1909 e foi concluída em 1913. Erguido com pedras da própria região e inspirado na arquitetura medieval europeia, o castelo possui mais de 44 cômodos, uma biblioteca com acervo raro, uma torre de 44 metros de altura e até sistema de aquecimento a vapor, uma inovação para a época.
Pioneirismo no campo e na cultura
Segundo Luiz Carlos Segat, atual proprietário do castelo, Assis Brasil defendia que era possível unir conhecimento e vida rural, cultura e agricultura. Para isso, criou uma estrutura pioneira no campo: “Ele trouxe o gado Jersey em 1896, depois o Devon, mais de 100 espécies de eucaliptos e diversas plantas. Em 1904, quando comprou as terras, construiu o Cottage, a primeira casa pré-fabricada do Rio Grande do Sul. A madeira veio da Noruega. Ele morou ali até a conclusão do castelo, em 1913.”
Além da inovação na agricultura, Assis Brasil demonstrava sensibilidade em detalhes da construção: a calçada de pedras exibe sete trevos de quatro folhas, cada um simbolizando uma de suas filhas, e no jardim, o nome “Lydia” está eternizado em homenagem à esposa.
Relíquias e história preservadas
No interior do castelo, há peças raras e documentos históricos de grande valor. Um dos destaques é a mesa onde foi assinado o Pacto de Pedras Altas. Também impressiona a presença de um convite original para o casamento do príncipe Charles com a princesa Diana, enviado às filhas de Assis Brasil.
Mas é na biblioteca que repousam verdadeiros tesouros. Luiz Carlos Segat destaca documentos únicos, como cartas de Euclides da Cunha, enviadas a Assis Brasil com pedidos de revisão literária. Há ainda um exemplar encadernado do Correio Braziliense, considerado o primeiro jornal brasileiro — raridade que não se encontra em nenhum outro lugar do país — e uma coleção rara do jornal O Povo, publicado durante a Revolução Farroupilha:

Imagem: Rafaela Silveira
“O Correio Braziliense não existe em lugar nenhum no Brasil, exceto aqui, encadernado. E temos também O Povo, jornal que circulou durante um ano na época da Revolução Farroupilha. Foram 146 edições — a maioria foi destruída, mas essas três encadernações estão preservadas.”
Visite o Castelo de Pedras Altas
O Castelo está aberto à visitação e oferece uma verdadeira imersão na história gaúcha. O passeio guiado permite conhecer os quartos, salas, biblioteca, o terraço, os jardins, o cemitério da família e até um antigo automóvel que pertenceu aos Assis Brasil.

Pórtico de entrada da cidade. Imagem: Rafaela SIlveira
Com condução simpática e atenta feita pelo proprietário, o tour proporciona uma narrativa rica e detalhada. Há ainda a possibilidade de agendar experiências personalizadas, como piqueniques e até um tradicional fogo de chão.
Pedras Altas é muito mais que um ponto no mapa: é um marco histórico que revela como o interior do Rio Grande do Sul participou ativamente da construção do Brasil moderno — com cultura, coragem e um castelo que continua a guardar memórias.