No dia 19 de maio de 2013, o Sport Club São Paulo derrotou a equipe do Brasil de Pelotas e conquistou o acesso à série A do Campeonato Gaúcho, após 11 anos

Por Adryel Zdradek e Davi Duarte/Reportagem em Curso

O futebol gaúcho conta com uma história rica, com grandes conquistas nacionais e internacionais protagonizadas pelos clubes da capital, Inter e Grêmio. Entretanto, o interior do estado abriga clubes com grandes torcidas e histórias de muita tradição. A zona sul do Rio Grande do Sul conta com duas cidades apaixonadas pelo futebol: Pelotas e Rio Grande. Com grandes rivalidades e espetáculos protagonizados pelas torcidas de seus clubes, os dois municípios respiram o esporte, e a presença deles na elite traz um brilho diferente ao Campeonato Gaúcho.

Historicamente, a cidade de Rio Grande sempre foi um dos berços do futebol brasileiro. Com a presença do Sport Club Rio Grande, o clube de futebol mais antigo do Brasil, o Sport Club São Paulo, o mais tradicional da cidade, e o Football Club Rio-Grandense, carinhosamente chamado de Guri Teimoso, o esporte sempre esteve presente com muita força na comunidade rio-grandina. Com estádios lotados, torcidas apaixonadas e participações constantes na primeira divisão, os clubes da cidade possuem grande tradição no território gaúcho.

Em 2002, a equipe do Sport Club São Paulo representou o município na elite do campeonato estadual. Porém, acabou amargando a última colocação da competição e teve seu rebaixamento decretado, fazendo com que a cidade ficasse sem nenhum representante entre os principais clubes do estado — fato que se manteve por mais de uma década. O Leão do Parque, que conquistou o Campeonato Gaúcho em 1933, sofria um duro golpe na sua quase centenária história. Afundado em uma grande crise, o clube viria a viver anos de grandes dificuldades nas divisões inferiores do campeonato regional.

Os anos difíceis na segunda divisão

Os primeiros anos na segunda divisão foram de altos e baixos para o Rubro-Verde. Com campanhas de pouco sucesso, o acesso parecia cada vez mais distante, afastando as grandes multidões das arquibancadas do Estádio Aldo Dapuzzo, que vivia um momento muito diferente das grandes presenças de público vistas em anos anteriores.

Com a chegada do centenário, o clube se reorganizou e, consequentemente, os bons resultados dentro de campo voltaram a aparecer. Com o quarto lugar na Segundona Gaúcha de 2008 e 2010, a autoestima do torcedor foi recuperada, e o Aldo Dapuzzo, já desacostumado com a presença de multidões, voltou a receber grandes públicos. Com a volta da força das arquibancadas, o Rubro-Verde novamente brigava nas primeiras colocações, e a volta à elite parecia estar cada vez mais próxima.

2013: a campanha do acesso

O ano de 2013 começou com a promessa da montagem de um grande elenco para a disputa do acesso. Após 11 anos, o presidente da época, Paulo Costa, montou uma equipe com nomes conhecidos do futebol gaúcho, com o objetivo de ser campeão: “Para a montagem do grupo de 2013 eu me reuni com a diretoria e a comissão técnica em janeiro, de segunda a sábado, para pensar o elenco para o torneio. Estávamos montando um time para ser campeão. A imprensa dizia que era um time velho, veterano, e nós jogamos com o regulamento embaixo do braço. Após a montagem do elenco, nós fizemos uma reunião no início do campeonato com o grupo de jogadores e decidimos: ‘No dia 19 de maio nós vamos conquistar o acesso’”, disse o presidente do Leão.

O regulamento da competição era dividido em dois turnos com fase de grupos. Os dois primeiros colocados de cada grupo avançavam para a fase semifinal, e o campeão do turno garantia o acesso à Série A, além da vaga para a grande final da competição. No primeiro turno, o São Paulo ficou no Grupo A da competição. O Rubro-Verde começou com um início avassalador: três vitórias nas três primeiras rodadas, consolidando-se nas primeiras colocações. Com uma campanha sólida nas rodadas seguintes, garantiu seu lugar nas semifinais.

Tabela do grupo A | Fonte: ogol.com

No primeiro jogo da semifinal, contra o Glória, no Estádio Aldo Dapuzzo, o São Paulo venceu a partida pelo placar de 2×0 e foi para o segundo jogo, em Vacaria, com a missão de segurar a vantagem para garantir a vaga na tão sonhada final do acesso.

No jogo de volta, a equipe não só manteve a vantagem como ganhou por 2×1. Com isso, a vaga na grande final estava garantida. Quis o destino que o adversário na luta pelo acesso fosse o rival regional Brasil de Pelotas, que derrotou a equipe do Riograndense de Santa Maria pelo placar agregado de 3×2.
O presidente Paulo Costa relembrou a expectativa pelo jogo contra o grande rival: “Uma semana antes da final, no dia que ia ter o jogo entre Brasil e Riograndense, eu perguntei para os jogadores quem eles estavam torcendo pra pegar na final. Eles disseram que queriam o Brasil, pois se garantiam de vencer eles por conhecer os jogadores de lá e alguns já terem atuado no clube. Eu não queria o Brasil, pois o nosso histórico recente contra eles era muito desfavorável — dos últimos 13 jogos havíamos perdido 10 e vencido apenas um. Mas aquela convicção dos jogadores de que iriam ganhar a qualquer custo nos fez acreditar, tanto é que realmente aconteceu.”

A grande final: o primeiro jogo na casa de um rival histórico

Na primeira partida da grande final, o São Paulo viajou até Pelotas para enfrentar um de seus maiores rivais, o Grêmio Esportivo Brasil, no Estádio Bento Freitas. Os jogos entre as duas equipes sempre foram marcados por muito combate físico e confusões, e dessa vez não foi diferente.

O São Paulo entrou em campo com os seguintes atletas: Luciano; Carlão, Rodrigo Ramos, Émerson Dantas e Diego Borges; Carlos Alberto, Locateli, Aylon e Téco; Saraiva e Alê Menezes.
Enquanto isso, a equipe do Brasil foi com: Luiz Müller; Ricardo Bierhals, Fernando Cardozo, Washington e Rafael Forster; Márcio Han, Cleiton, Leandro Leite e Éder Machado; Wender e Alex Amado.

O primeiro tempo da partida foi de domínio da equipe xavante. Com mais posse de bola e intensidade, o Brasil teve as principais oportunidades de abrir o placar. O São Paulo, visivelmente nervoso, errava muitos passes e cometia muitas faltas. Por conta disso, o Rubro-Verde não conseguiu segurar o placar por muito tempo e, ainda na primeira etapa, o Brasil abriu o placar com gol de Éder Machado.

A segunda etapa começou como terminou a primeira: com muita pressão rubro-negra. Mas o São Paulo, contando com uma grande atuação do goleiro Luciano, conseguiu segurar o 1 a 0 e levou a decisão para Rio Grande com a missão de reverter a vantagem mínima.

O goleiro Luciano, eleito o melhor jogador da partida, relembrou a grande atuação que teve naquela noite: “Naquele dia eu fiz um jogo excelente, fui eleito o melhor em campo, e isso foi muito importante, pois se nós perdêssemos por mais do que 1 a 0, não teríamos como reverter a vantagem em casa, pois o time do Brasil era muito qualificado” – destacou o goleiro.

A volta: o jogo de superação diante de um Aldo Dapuzzo lotado

A semana que antecedeu o jogo decisivo em Rio Grande foi de muita apreensão. A expectativa pelo retorno do São Paulo ao Campeonato Gaúcho tomou conta da cidade, sendo o assunto mais comentado entre todos.

A torcida rapidamente esgotou os ingressos, e as arquibancadas do Aldo Dapuzzo estavam completamente lotadas, com uma linda festa. Paulo Costa relembrou o apelo popular que houve naquela ocasião: “Colocamos os ingressos para vender na terça-feira e na quinta já havia esgotado absolutamente todos. Foi uma data histórica. Naquele dia, por algum motivo, não tinha nenhum outro jogo no Brasil inteiro, então vieram 250 repórteres, 120 cadastrados para ficar dentro do campo. Nós tivemos que improvisar mesas para abrigar todas aquelas pessoas. Eu, particularmente, nunca havia presenciado aquilo no Aldo Dapuzzo.”

Contudo, a missão não era fácil: reverter uma vantagem contra um dos maiores rivais, com um time organizado e um histórico recente extremamente desfavorável.

O treinador do Leão, Rudi Machado, montou uma estratégia específica para aquela partida: “Quando terminou o primeiro jogo, nós nos reunimos no vestiário e eu disse que naquela partida nós havíamos conseguido o acesso. Durante a semana seguinte, nós conversamos bastante, tanto com o grupo de jogadores quanto com a comissão técnica, e mudamos a nossa estratégia de jogo para o duelo da volta: colocamos três atacantes para segurar os laterais do Brasil, que usava muito do jogo aéreo ofensivo. Também abrimos mais o campo para disputar a segunda bola.” – relembrou o ex-técnico do São Paulo.

O São Paulo foi a campo com: Luciano; Carlão, Wagner, Émerson Dantas e Carlos Alberto; Locateli, Téco e Saraiva; Robert, Aylon e Alê Menezes. Já o Brasil esteve em campo com: Luiz Müller; Cirilo, Fernando Cardozo, Washington e Rafael Forster; Márcio Han, Leandro Leite, Cleiton e Wender; Éder Machado e Alex Amado.

Após o apito inicial, o jogo começou com muitas faltas de ambos os lados e confusões entre os jogadores. Assim como na primeira partida, as melhores chances no início foram do Brasil, com o goleiro Luciano brilhando novamente.

O São Paulo demorou a se encontrar no jogo, mas conseguiu se reorganizar. Em escapada pela esquerda, os três atacantes do técnico Rudi Machado fizeram efeito: cruzamento de Robert para o desvio de Alê Menezes, que encontrou Aylon na entrada da pequena área. Ele empurrou a bola para o fundo das redes. Com o Aldo Dapuzzo explodindo em festa, o Leão igualava a vantagem xavante e a decisão se encaminhava para os pênaltis.

A segunda etapa começou novamente com muitas faltas e confusões, a ponto de o árbitro aplicar quatro cartões amarelos nos primeiros seis minutos. Após os ânimos se acalmarem, o jogo melhorou, e a equipe do Brasil iniciou uma pressão em busca do empate. Porém, o São Paulo soube se defender muito bem e segurou o placar até o fim. A decisão do tão sonhado acesso seria nos pênaltis.

Enquanto as equipes se preparavam para as cobranças, os refletores do Aldo Dapuzzo se apagaram devido a uma queda de energia, atrasando o início das penalidades em mais de 20 minutos. A torcida protagonizou um lindo show de luzes. O goleiro Luciano falou sobre os momentos que antecederam as cobranças: “No momento em que faltou luz no estádio, eu continuei aquecendo e, em nenhum momento, deixei de acreditar na nossa vitória. Enquanto isso, o grupo de jogadores do Brasil estava reunido em círculo, aparentemente muito tranquilos, como se já tivessem vencido, pois eles tinham um grande goleiro pegador de pênaltis. Aquilo tornou a minha motivação maior ainda.”

Luciano: o herói do acesso

Fonte: Globo Esporte

A história de Luciano como goleiro do São Paulo é, no mínimo, curiosa. Com apenas 1,76m de altura, Luciano sempre enfrentou o preconceito escancarado dos clubes por onde passou. Apesar de ter defendido camisas tradicionais do futebol gaúcho, como Novo Hamburgo, Riograndense, Inter-SM, Glória e até o próprio Brasil de Pelotas, era frequentemente preterido — simplesmente por não ter o tamanho considerado “ideal” para um goleiro.

Depois de uma passagem frustrante pelo Brasil, onde foi deixado de lado justamente por conta disso, decidiu pendurar as luvas. Aos 43 anos, morava em Pelotas, levando a vida comum de um ex-jogador, longe dos holofotes. Até que, num dia qualquer, recebeu um telefonema inesperado. Do outro lado da linha, estavam dirigentes do Sport Club São Paulo, com uma proposta ousada: voltar aos gramados para liderar um elenco que, segundo eles, havia sido montado para conquistar o acesso à Série A.

“A minha passagem pelo São Paulo foi um ressurgimento. Eu já tinha decidido em 2012 que não jogaria mais, por conta da idade. Estava em Pelotas, trabalhando na área de educação física, quando recebi um convite do Aladio, que era diretor do clube na época. Ele disse que estavam formando um bom elenco para voltar à primeira divisão. Era um grupo que eu já conhecia bem — tinha trabalhado com o Alê Menezes, Rodrigo Ramos, entre outros. Isso me atraiu. Mesmo seis meses depois de ter parado, aceitei.”

Mas não parou por aí. “Alguns dias depois, o presidente Paulo Costa me ligou. Ele deixou claro que queria me contratar, mas não queria que eu viesse pensando em ser reserva. Eu garanti pra ele: ‘Estou indo pra ser titular.’”

Paulo Costa também lembra bem desse momento: “A gente já tinha contratado o Sousa pra ser titular e estava atrás de alguém pra ser o reserva. O Aladio insistia comigo: ‘Paulo, eu tenho um goleiro. O pessoal não quer ele porque é baixinho, mas eu te juro que ele é muito bom.’ Então eu pedi pra ligarem pro Luciano, queria falar com ele direto. Quando ele atendeu, brinquei: ‘Luciano, os guris estão me dizendo que tu tem meio metro de altura e 200 anos. Como é que vai jogar com nós?’ E ele respondeu: ‘Pode ter certeza que eu vou te provar que vou ser titular.’ Na hora eu falei: ‘Pode contratar.’ A gente precisava de jogadores com essa mentalidade.”

De volta ao jogo do acesso, após o retorno da energia elétrica, com a tensão dominando o Aldo Dapuzzo e quase 10 mil torcedores na expectativa, começaram as penalidades que decidiriam o futuro.

Na primeira cobrança, Luciano já mostrou a que veio: pulou no canto certo e defendeu o chute de Éder Machado. Na sequência, as duas equipes converteram suas cobranças, mas Luiz Muller também brilhou, defendendo o chute de Michel. Logo depois, Luciano voltou a aparecer — defendeu rasteiro a batida de Cirilo no canto esquerdo. Na cobrança seguinte, Diego Sapata deslocou o goleiro xavante e colocou o São Paulo na frente. E Luciano ainda tinha mais para mostrar.
Na batida de Fernando Cardoso, ele voou no canto direito e fez mais uma defesa. O Leão do Parque estava a uma cobrança do acesso. Carlão Farias encheu o pé, mas Luiz Muller defendeu. Em seguida, Ricardo Bierhaus converteu para o Brasil. Tudo se resumia a mais uma cobrança. Caio foi para a bola, encheu o pé, e dessa vez Luiz Muller não conseguiu segurar: gol do São Paulo!
Explosão no Aldo Dapuzzo. Invasão de campo. Festa alucinante da torcida. E Luciano, o herói da noite, foi carregado nos ombros por uma multidão em êxtase.

“Esse jogo foi o ápice da minha carreira. Foi a minha redenção. Mostrei pro Brasil inteiro — e pra todo mundo que duvidou de mim — que eu podia jogar e ser importante. Nosso grupo era muito unido, a gente trabalhava demais. Aquele momento foi o reflexo disso tudo. Não consegui me firmar no Brasil, mas fiquei conhecido aqui em Pelotas justamente pelo que fiz contra o Brasil. Isso é inesquecível. Sou muito grato ao São Paulo e à cidade de Rio Grande por tudo o que me proporcionaram.” – relatou o goleiro.

 

Os anos seguintes e a situação atual

Após o acesso, o São Paulo obteve boas campanhas na Série A, inclusive chegando ao mata-mata e conseguindo vaga na Série D do Campeonato Brasileiro em 2016. O Leão se manteve na primeira divisão estadual até 2018, quando foi novamente rebaixado à Divisão de Acesso.

Após alguns anos chegando perto de subir novamente, o São Paulo se afundou em uma crise financeira sem precedentes, sendo rebaixado da Divisão de Acesso em 2022.

Hoje, na terceira divisão gaúcha, o clube luta para se manter ativo, mas encontra enormes dificuldades na montagem dos elencos devido à falta de verba.

Nas últimas duas temporadas, o clube foi eliminado nas fases finais e deixou escapar a volta à segunda divisão. Na última, foi eliminado nos pênaltis para o Gramadense, em uma disputa que o São Paulo saiu na frente, mas desperdiçou o pênalti decisivo e viu o acesso ser novamente adiado.

Paulo Costa, que deixou a presidência após o acesso em 2013, voltou ao clube em 2022 e falou sobre o momento atual, 12 anos após aquele dia histórico:
“O problema do São Paulo foi a administração enquanto esteve no Campeonato Gaúcho. Na minha opinião, os cinco anos de primeira divisão foram muito mal administrados. O investimento era planejado sem pensar no ano seguinte. No futebol, o mais difícil é cair. Pra rebaixar um clube do tamanho do São Paulo e com a torcida que nós temos, é preciso errar muito.”

“Hoje está muito difícil conseguir bons jogadores. Pra conseguir um jogador com uma qualidade técnica melhor, é preciso pagar um salário que o clube não tem condições de bancar no momento atual. No próximo campeonato, não teremos como fugir muito do que foi feito nos últimos dois anos. Vamos montar uma equipe com as condições que temos e trabalhar muito para voltar para a Divisão de Acesso.”

Herói do acesso em 2013, Luciano também deu sua visão sobre o momento atual do clube:
“É lamentável o momento do São Paulo. Eu acompanho daqui de Pelotas e fico muito triste e chateado pela torcida e pela cidade. O clube não merece estar nessa situação. Mas o futebol é um negócio, e em todos os negócios, se uma empresa é mal administrada, ela vai definhando até chegar ao ponto em que acaba. Então, na minha visão, o São Paulo não está nessa situação por culpa do torcedor e nem da cidade, mas sim por ter sido muito mal gerido nos últimos anos.”

Doze anos após aquela noite inesquecível, o São Paulo se encontra na maior crise de sua história. O clube irá disputar a terceirona gaúcha pelo terceiro ano consecutivo a partir do mês de outubro, e a expectativa da torcida e da cidade, que respira futebol e merece ter um representante na primeira divisão, é de que o clube tenha forças para conseguir voltar ao lugar de onde nunca deveria ter saído: entre os principais clubes do estado.