Por Nicolly Fernandes/Reportagem em Curso

Diante de inúmeros casos de assédio moral e sexual, 52 jornalistas se uniram para lançar o movimento #DeixaElaTrabalhar. A iniciativa busca combater o assédio sofrido por profissionais da imprensa esportiva em estádios, nas ruas e dentro das redações. Segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a primeira ação do grupo foi a divulgação de um vídeo-manifesto nas redes sociais, denunciando a recorrência do machismo e da violência dentro do jornalismo esportivo.

Desde o seu lançamento, diversos clubes demonstraram apoio à campanha, entre eles: Atlético-MG, Atlético-GO, Bahia, Botafogo, Chapecoense, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Fortaleza, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Paysandu, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Sport e Vitória.

O dia em que a luta contra o assédio no jornalismo esportivo ganhou voz

A campanha #DeixaElaTrabalhar foi lançada em 25 de março de 2018, após uma sequência de episódios de assédio contra jornalistas esportivas no início do mês.

No começo de março, a repórter da Rádio Gaúcha, Renata Medeiros, foi insultada por um torcedor do Internacional, que gritou: “Sai daqui, sua put“*. Três dias depois, durante uma transmissão ao vivo, a repórter do Esporte Interativo, Bruna Dealtry, foi surpreendida por um torcedor do Vasco que tentou beijá-la enquanto cobria um jogo da Libertadores. No próprio dia do lançamento da campanha, mais um caso ocorreu: a jornalista Kelly Costa, da RBS TV, foi ofendida por um torcedor do São José-RS durante uma partida contra o Brasil de Pelotas.

“Mulher não entende de futebol”

Gabriela Moreira, diretora da Abraji e uma das integrantes do movimento, já passou por situações semelhantes. Ela relata que o assédio não vem apenas dos torcedores, mas também de profissionais do meio esportivo. Em um depoimento publicado pela Abraji, ela lembra:

“Já teve repórter ouvindo de treinador que ‘mulher não entende de futebol’. Já teve um procurador do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) dizendo que ‘ia explicar para as mulheres que não sabem o tamanho da trave’ durante um julgamento.”

O grupo surgiu de uma conversa em um grupo de WhatsApp e, desde então, cresceu significativamente, reunindo quase 100 mulheres. Além da denúncia, elas também buscam ações concretas para enfrentar o problema.

“Fiquei responsável pela parte jurídica”, explica Moreira. “Nos estádios, sempre há profissionais dos Juizados Especiais Criminais (Jecrim) de plantão. Em casos de racismo, a torcida geralmente identifica os responsáveis, e o Jecrim toma providências. Mas quando se trata de machismo, muitos ainda encaram como algo ‘natural’ no ambiente esportivo. Nossa intenção é formalizar uma representação ao Jecrim para mudar essa percepção e garantir que esses casos sejam tratados com a seriedade que merecem.”

Mulheres no Jornalismo Esportivo: Desafios e Conquistas em um Meio Machista

Vozes Femininas no Jornalismo Esportivo: Relatos de Desafios e Resistência

 A presença feminina no jornalismo esportivo tem aumentado, mas os desafios permanecem. Mulheres que ocupam esses espaços ainda enfrentam questionamentos sobre sua competência, além de situações de assédio no ambiente de trabalho. Em entrevista, as jornalistas Mariana Dionisio e Mylena Costa demonstram como o machismo e a desigualdade de gênero continuam sendo barreiras a serem enfrentadas.

Durante sua trajetória, Mariana enfrentou situações em que sentiu seu trabalho ser desvalorizado por ser mulher. Além disso, já sofreu assédio durante sua atuação profissional. Ela relatou um episódio específico durante a gravação de um especial com um colega. Havia um acordo com uma das fontes de que mais pessoas participariam, mas, após uma conversa, ficou decidido que isso não seria ideal no momento e a ideia foi descartada. Mais tarde, ao ser questionada pela fonte sobre a mudança, Mariana explicou a decisão tomada. No entanto, a fonte respondeu: “Tudo bem, vou falar com o fulano, ele resolve”. Diante dessa situação, a jornalista se sentiu desvalorizada profissionalmente: “Foi como se a opinião do meu colega valesse mais do que a minha, como se ele fosse o responsável por tomar as decisões, como se o que eu dizia não tivesse importância”.

Assim como Mariana, a jornalista Mylena Costa também passou por episódios em que sua competência foi questionada simplesmente por ser mulher. Em entrevista, ela compartilhou experiências de assédio e desvalorização profissional. “Já aconteceu de questionarem minha competência. Em alguns espaços do jornalismo esportivo, fica evidente o quanto a opinião dos homens sobre futebol é mais validada do que a das mulheres. Precisamos nos impor mais em determinados momentos, o que é um grande desafio”, explicou. Ela relatou ainda que frequentemente recebe perguntas como “O que é linha de impedimento?” ou “Quais eram os 11 jogadores na conquista de determinado título?”, como se esse tipo de conhecimento definisse sua capacidade profissional.

O Futuro do Jornalismo Esportivo: Desafios e Perspectivas para as Mulheres na Área

Apesar dos desafios, Mylena destaca o crescimento da presença feminina no jornalismo esportivo. “Por exemplo, na final do Campeonato Gaúcho, nos olhamos e percebemos quantas mulheres estavam ali. Fizemos uma foto juntas e ficou claro o nosso tamanho. Essa representatividade tem crescido muito, e esse é o nosso lugar”, afirmou.

A resistência à presença feminina na área ainda é uma realidade, especialmente em funções como análise tática e comentários técnicos. “Ainda há uma grande resistência em aceitar mulheres no jornalismo esportivo nesses espaços”, afirma Emilly do Amaral, estudante de jornalismo que pretende seguir carreira na área. Segundo ela, a exigência sobre as mulheres é muito maior do que sobre os homens. “É como se, a qualquer erro, por menor que seja, minha capacidade fosse questionada de forma muito mais dura do que seria com um homem na mesma situação. Muitas vezes, precisamos trabalhar dobrado para sermos reconhecidas”.

Diante desse cenário, especialistas e profissionais defendem que universidades e empresas do setor invistam em ações para ampliar a presença feminina. “As universidades e o mercado de trabalho deveriam investir mais em iniciativas que incentivem as mulheres no jornalismo esportivo. Isso inclui oferecer espaços seguros para discutir o tema, promover mentorias com profissionais experientes e criar políticas para combater a discriminação no ambiente de trabalho”, pontua a estudante.

A trajetória das mulheres no jornalismo esportivo tem sido marcada por desafios, mas também por avanços significativos. Com união e resistência, é possível superar obstáculos e continuar ocupando espaços cada vez mais representativos na área.