Por Cainã Santana Abreu Lima e Gustavo Fuchs/Reportagem em Curso
A crise climática global, prevista desde a década de 1990 com a Rio-92, continua a se intensificar a cada ano, resultando em fenômenos climáticos de uma severidade inédita e com frequência crescente. É comum ligar o jornal e se deparar com reportagens sobre estados de emergência causados por eventos extremos, como chuvas intensas, ondas de calor e secas prolongadas.
O aumento da temperatura dos oceanos, aliado em certos anos ao fenômeno El Niño – responsável pelo aquecimento das águas do Pacífico Equatorial –, desencadeia uma série de eventos climáticos, como enchentes e secas ao redor do mundo. Países como Indonésia, Hong Kong e Índia estão entre os mais afetados, com esses eventos ocorrendo várias vezes ao longo do ano.
O calor extremo, além de atingir níveis recordes, tem se manifestado fora de estação e com duração prolongada. Sensações térmicas superiores a 50ºC ou temperaturas inéditas em regiões como o Canadá e partes da Europa ilustram essa nova realidade, mesmo quando se considera um aumento médio global de “apenas” 1,5ºC. Cientistas alertam que, se esse valor continuar subindo, ou pior, acelerar, poderá desencadear um ciclo irreversível de impactos ambientais, causando danos catastróficos à biosfera e exigindo mudanças radicais na forma como a humanidade vive.
Além disso, a combinação do calor extremo com a baixa umidade favorece outro efeito devastador dessa nova era meteorológica: as queimadas. Cada vez mais frequentes, elas se espalham rapidamente por grandes extensões de terra, como demonstram os incêndios na Califórnia, na Austrália e nos biomas brasileiros da Caatinga e do Cerrado.
Vivemos um período de transformações e desafios, adaptando-nos a novas realidades que se impõem em diversas áreas. Por isso, é essencial que estejamos cientes dos obstáculos que precisamos enfrentar e preparados para um futuro que exigirá ações concretas.
O Brasil é, sem dúvida, um dos países mais envolvidos nessa pauta. Detentor da maior parte da Floresta Amazônica, sua participação é indispensável em qualquer solução climática global. Consciente desse papel, o país tem buscado aprofundar o debate e fortalecer sua atuação internacional. No entanto, também está entre os mais afetados pelas mudanças climáticas, que seguem se agravando devido às atividades industriais humanas.
Diante disso, torna-se crucial elaborar planos de mitigação e adaptação, bem como projetos civis que ajudem a minimizar os impactos sobre a infraestrutura e os serviços essenciais. Nos últimos anos, o Brasil já enfrentou diversos desastres ambientais, como queimadas em seus biomas, enchentes no Sul, Sudeste e em Minas Gerais, além de secas severas no Nordeste. O caso mais recente e alarmante foi a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul em 2024, quando o nível do Guaíba atingiu seu ponto mais alto em 84 anos, o maior desde o início dos registros.
Seu Marcos foi um dos moradores de Rio Grande afetados pelas chuvas. A medida da prefeitura de nivelar a rua com pó de brita, em vez de ajudar, agravou um problema já existente: a falta de um sistema adequado para escoar a água da chuva. Isso resultou na inundação de sua casa e de algumas residências vizinhas. A água não apenas danificou e causou a perda de móveis, mas também tornou a maior parte do imóvel inabitável, obrigando os moradores a se restringirem a um único cômodo.
Esse caso evidencia a incapacidade das instituições de antecipar e solucionar problemas que já existem ou podem surgir em situações como essa. Ao adotar uma ação sem planejamento adequado, a prefeitura de Rio Grande acabou criando uma nova crise para as famílias da região.
Um dos episódios que recebeu grande atenção, inclusive com cobertura do Jornal Nacional, da TV Globo, foi a chegada da água ao Hospital da Santa Casa e a invasão do HU-FURG, ambos localizados no centro da cidade. Isso tornou necessária a evacuação de pacientes para outras unidades, a realocação de equipamentos para locais seguros e a garantia de condições adequadas para o armazenamento de medicamentos.
Segundo Mário Cesar, coordenador de obras da Santa Casa de Rio Grande, a direção da universidade, em conjunto com a administração do hospital, previu a possibilidade de alagamento. Isso porque a água acumulada no norte do estado escoa pela Lagoa dos Patos. Diante desse cenário, foi formado um comitê responsável por elaborar uma estratégia de emergência, que incluiu a transferência de pacientes e equipamentos do prédio principal – localizado na área de risco – para o setor de cardiologia e oncologia, na Avenida Presidente Vargas.
O processo de evacuação foi realizado em etapas, começando pelo pronto-socorro, seguido pela UTI e, por fim, as demais unidades. No momento mais crítico da emergência, apenas 24 pacientes permaneceram no local, devido à complexidade do transporte de seus casos. O prédio na Presidente Vargas, que originalmente comportava cerca de 80 leitos, precisou acomodar um número de pacientes que demandaria pelo menos 150 leitos. Para atender à nova demanda, foi solicitado um tanque adicional de oxigênio à White Martins.
Para proteger o prédio principal e garantir seu funcionamento, foram montadas barricadas com sacos de areia nas entradas, impedindo o avanço da água da lagoa. Além disso, as tomadas do térreo foram desligadas para evitar curto-circuitos. Caso a subestação fosse comprometida, o plano previa alternar para o gerador e, em último caso, havia um plano de evacuação estruturado em parceria com os bombeiros, que não precisou ser acionado.
Como consequência desse evento histórico, o hospital agora está implementando medidas para reduzir os riscos de futuras enchentes. Entre as ações em andamento estão a elevação do gerador, a remoção das tomadas próximas ao chão e a reestruturação do projeto elétrico, com a realocação dos quadros de força para o segundo andar.
Essa não foi a primeira grande enchente enfrentada pela Santa Casa de Rio Grande. Em 1884, a água atingiu a construção, o que levou à elevação do nível da estrutura na época.

Santa Casa do Rio Grande é o terceiro hospital mais antigo do RS
Outro fator fortemente afetado pelas chuvas foi a economia local, como evidenciado pela situação do Mercado Público de Rio Grande durante a calamidade. Lucas, colaborador de uma lancheria, relatou que os estabelecimentos enfrentaram dificuldades para transferir equipamentos e mercadorias.
Além disso, a inundação do bazar interrompeu as atividades comerciais por vários dias, gerando prejuízos aos vendedores. Diante da possibilidade de novos alagamentos, as chances de adoção de medidas preventivas eficazes são reduzidas, já que o mercado está localizado imediatamente ao lado da Lagoa dos Patos.

No momento mais crítico era possível se locomover apenas de barco
Por fim, essas são apenas algumas incidências locais, que representam uma magnitude ínfima se comparadas à realidade nacional, que prejudica dezenas de milhares de pessoas, ou à dimensão global, que afeta dezenas, talvez centenas, de milhões de indivíduos.