Por Lucas Fabião, Pedro de Campos e Julia Bundchen/Reportagem em Curso

O filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, fez história ao se tornar a primeira produção nacional a conquistar um Oscar. A vitória veio na categoria de Melhor Filme Internacional, na cerimônia realizada em 2 de março. Além dessa premiação inédita, o Brasil também esteve presente em outras categorias de destaque. Fernanda Torres foi indicada a Melhor Atriz, mas o prêmio ficou com Mikey Madison. O longa também concorreu na categoria principal, Melhor Filme, porém a estatueta foi para “Anora”.

Em um momento de grande reconhecimento para o cinema nacional, é essencial refletir sobre a importância dessa conquista e seus impactos futuros. Para compreender melhor essa influência, é necessário analisar o papel das universidades na formação dos profissionais que moldam o cinema nacional.

No âmbito acadêmico, o SISU — principal meio de acesso às universidades federais — oferece o curso de Cinema e Audiovisual em apenas 16 instituições. Além disso, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) disponibiliza um curso denominado apenas “Cinema”. Esse número reflete a limitação da oferta acadêmica na área, que não está presente em todos os estados do país.

Diante desse cenário, conversamos com estudantes e professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a única instituição pública do Rio Grande do Sul a oferecer esse curso, para entender como o recente reconhecimento no Oscar tem impactado suas trajetórias acadêmicas e profissionais, além de como isso pode contribuir para o crescimento do cinema nacional.

O curso teve seu primeiro ingresso no ano de 2011 – Reprodução/Diretório Universitário de Cinema e Animação

Expectativas

As indicações, por si só, já geraram uma grande comoção no país, refletindo também nos estudantes de cinema, que, divididos entre razão e emoção, não esconderam a empolgação. Embora acostumados a adotar uma visão técnica, a paixão falou mais alto, tornando a torcida genuinamente brasileira.

“É gratificante ver uma obra alcançando espaços que não foram feitos para ela alcançar. Querendo ou não, é um reconhecimento da qualidade do cinema nacional, a qual existe em diversas obras, mas poucas têm o financeiro necessário para chegar lá”, comenta Bruno Martins, estudante do curso.

“Talvez seja um fortalecimento da identidade do cinema brasileiro. Nós temos uma história genuinamente brasileira sendo exibida e consumida por pessoas de todos os continentes mundiais e reconhecida por isso. Isso é muito importante”, comenta a professora Liangela Xavier, responsável pela disciplina de Produção Executiva e Direção de Produção do curso.

Não é bem assim

O Oscar, considerado a maior premiação do cinema, consolidou-se como sinônimo de excelência desde sua primeira cerimônia em 1929. No entanto, entre estudantes de cinema, a credibilidade do prêmio é questionada.

Para quem acreditava na ideia de que o Oscar é uma referência dentro das faculdades de cinema, está equivocado. Segundo relatos, a visão em relação à premiação é mais realista do que idealizada.

“Em minha experiência, as discussões sobre o Oscar sempre foram bastante negativas”, afirma Timothy Abella, que está às vésperas de se formar no curso.

Também se relata que o prêmio não ocupa um papel central nas discussões acadêmicas, com ênfase maior em premiações independentes, que são vistas como mais justas. O foco também está em uma perspectiva latino-americana. A premiação é vista por muitos como um evento de entretenimento, com critérios muitas vezes injustos, favorecendo produções norte-americanas.

“O cinema brasileiro não necessita de um prêmio para demonstrar que faz bons filmes, porém um Oscar dá visibilidade às produções que são feitas no nosso país. ‘Ainda Estou Aqui’ vem quebrando essas barreiras, principalmente nos Estados Unidos, e não deve em nada para as outras produções”, comenta Anthony Soares, estudante de Cinema e Audiovisual na UFPEL, que também está prestes a concluir o curso.

Questionada sobre como aborda o Oscar em sua disciplina e sua visão sobre a importância da premiação, Liangela destaca que a importância dos festivais vai além do Oscar. “Os festivais são nossa vitrine, onde mostramos nossas produções e fazemos conexões”, comenta. Ela complementa: “Claro que ninguém pode afirmar que um filme de um aluno nosso não possa um dia chegar ao Oscar. Mas, no contexto universitário, temos festivais mais acessíveis e realistas, onde é possível ver nossos alunos participando, tendo seus filmes selecionados e conquistando mais visibilidade.”

“E é claro que o curso prioriza muito a produção nacional porque nós somos os principais interessados em que a nossa filmografia seja reconhecida e assistida. Então, é justamente priorizar filmes brasileiros e filmes latinos, para fortalecer essa formação de repertório e de reconhecimento das nossas histórias, dessa nossa própria identidade cinematográfica”, finaliza.

Desafios

O feito de ‘Ainda Estou Aqui’ é altamente valorizado entre estudantes e acadêmicos, dada a dificuldade de alcançar tais posições. O Brasil poucas vezes foi indicado, e ‘Ainda Estou Aqui’ é o primeiro filme nacional a conquistar uma estatueta.

“O verdadeiro prêmio de um cineasta é ser visto”, afirma Alexia Attuati, que está no meio do curso.

A comunidade acadêmica também ressalta a desvalorização do cinema nacional entre os próprios brasileiros, que frequentemente preferem o que vem de fora e desconsideram o que é produzido internamente. Embora conquistar o Oscar seja um grande feito, é significativo que os brasileiros só estejam reconhecendo a grandeza do cinema nacional graças ao reconhecimento de uma premiação internacional.

“Existe ainda algum tipo de resistência, de preconceito, enfim. Da própria comunidade, do próprio povo brasileiro sair de casa para assistir um filme brasileiro. Então, talvez, justamente por ser um Oscar, um festival tão glamouroso, tão mundialmente conhecido, e um filme brasileiro ter ganho como de melhor filme estrangeiro, talvez o próprio brasileiro passe a acreditar mais no nosso potencial de produção de filmes.”, aponta a professora.

“Se fortalece o cinema brasileiro, fortalece o nosso curso”

Após a histórica conquista brasileira no Oscar, o sentimento predominante é de esperança, com a expectativa de que essa vitória seja um marco para o futuro do cinema nacional, abrindo novas portas e oportunidades para os profissionais da área.

Com essa conquista, Anthony Soares reflete sobre o que está por vir e os desafios que ainda precisam ser enfrentados. “Acredito que, em relação ao público, os próprios brasileiros precisam passar a ver os filmes nacionais como uma opção nos cinemas, e não apenas os internacionais. Criar um público fiel é essencial para o crescimento do cinema brasileiro”, afirma.

Prestes a se formar, ele adota uma visão mais cautelosa quanto aos investimentos. “Quanto ao incentivo à produção de filmes, isso também depende da política. Mesmo com o sucesso de um filme como ‘Ainda Estou Aqui’, nada impede que um próximo governo corte os incentivos à cultura e, consequentemente, ao cinema”, alerta.