Por Vanessa Oliveira/Reportagem em Curso

A tese do Marco Temporal tem sido um dos temas mais polêmicos no debate sobre os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil. Defendida pela bancada ruralista e setores ligados à exploração de terras, a tese sustenta que apenas os povos indígenas que ocupavam suas terras em 5 de outubro de 1988 — data da promulgação da Constituição Federal — teriam direito à demarcação de seus territórios. Contudo, essa perspectiva ignora o histórico de expulsões forçadas, violência e perseguições que afastaram inúmeras comunidades de suas terras ancestrais.

Para os povos indígenas, o Marco Temporal não se resume a uma questão jurídica, mas representa um ataque direto à sua sobrevivência, identidade e cultura. Jussara de Oliveira, estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas e indígena do povo Kaingang, alerta: “Se essa tese for validada, muitos territórios indígenas poderão ser perdidos, afetando não só a posse da terra, mas também nossa identidade, tradições e modos de vida.” Para ela, os territórios indígenas são essenciais para a preservação da biodiversidade e dos saberes tradicionais.

O impacto da tese se amplia quando se considera sua relação com a crise climática. Thaira Priprá, indígena do povo Xokleng e estudante de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina, explica: “A sobrevivência da humanidade depende também da demarcação desses territórios, pois somos nós os guardiões da biodiversidade do planeta.” Ela vê o Marco Temporal como uma manobra política da bancada ruralista para impedir a demarcação de terras e facilitar a exploração econômica desses espaços, frequentemente em prejuízo ao meio ambiente.

Outro ponto crucial é o posicionamento do Estado brasileiro. Victor Saraiva, indígena do povo Kokama e estudante de Direito na Universidade Federal de Pelotas, destaca: “O que está em jogo é a nossa história, nossa herança e o futuro das próximas gerações.” Ele sublinha que, apesar de se sentirem “desprotegidos pelo Estado”, os povos indígenas seguem na luta por seus direitos.

No Congresso Nacional, a correlação de forças é desfavorável às comunidades indígenas. Como Thaira aponta, “a grande maioria dos parlamentares é anti-indígena, e a bancada ruralista tem grande poder.” Já no Supremo Tribunal Federal (STF), há uma expectativa de que os ministros ajam de maneira independente em relação aos interesses políticos predominantes no Legislativo. “Esperamos que o STF reconheça nosso direito, como já fez antes”, afirma Victor.

A luta contra o Marco Temporal vai além das esferas governamentais e exige o apoio da sociedade civil. Thaira defende: “A sociedade brasileira deve entender a visão dos povos indígenas sobre a terra e analisar com cuidado os representantes políticos, pois a preservação dos territórios indígenas é crucial para a vida de todos.”

Diante desse cenário, os povos indígenas seguem mobilizados, participando ativamente de debates e ocupando espaços acadêmicos para fortalecer sua resistência. “Que as universidades sejam ocupadas pelos povos indígenas, pois isso contribui para um debate mais sério sobre essas teses”, conclui Victor.

A decisão sobre o Marco Temporal não determinará apenas o futuro das terras indígenas, mas também a proteção da biodiversidade e a justiça histórica para os povos originários do Brasil.