Por Laura Crizel, Otávio de Mattos e Thiago David/Reportagem em Curso
No ano de 1950, o Brasil de Pelotas foi convidado pela Seleção Uruguaia para um amistoso como parte da preparação para a Copa do Mundo daquele ano. Em uma partida difícil no Estádio Centenário, na cidade de Montevidéu, o Xavante sagrou-se vencedor pelo placar de 2 a 1.
O Grêmio Esportivo Brasil, mais conhecido como Xavante, foi fundado em 7 de setembro de 1911, após uma discussão dentro do Esporte Clube Cruzeiro do Sul, equipe formada por funcionários da Cervejaria Haertel. O desentendimento na sede do Cruzeiro do Sul levou dois jovens do elenco a debaterem a criação de um novo time. Esses jovens eram Breno Corrêa da Silva e Salustiano Brito. Após algumas reuniões e assembleias, o G.E. Brasil foi oficialmente fundado.
Em 1917, o Brasil conquistou seu primeiro título, o Citadino, de forma invicta. Nos dois anos seguintes, o Xavante voltou a vencer o Citadino e recebeu uma taça trazida da França em celebração ao tricampeonato. Ainda em 1919, o clube enfrentou um grande desafio: a disputa do primeiro Campeonato Gaúcho. Com muita raça, o Brasil sagrou-se o primeiro campeão estadual.
O local onde essas memórias estão gravadas no coração do torcedor Xavante fica ao final da Rua Princesa Isabel: o Estádio Bento Freitas, palco de diversas histórias e glórias do clube rubro-negro e de uma das torcidas mais fanáticas do estado. No entanto, hoje iremos contar uma história que até mesmo os torcedores mais apaixonados talvez desconheçam.
O fatídico 19 de março de 1950
Em 1950, a Seleção Uruguaia se preparava para a disputa da Copa do Mundo, que seria sediada no Brasil. Como parte dessa preparação, o Uruguai organizou uma série de amistosos contra diversas equipes. Entre elas, o G.E. Brasil foi escolhido para uma partida em Montevidéu, no Estádio Centenário. O time pelotense não foi selecionado apenas por ser brasileiro e geograficamente próximo, mas também por ser visto como um teste fácil para a seleção vizinha.
A partida foi marcada para o dia 19 de março, data que se tornou um grande marco na história do clube Xavante, pois se tratava do primeiro amistoso da equipe contra uma seleção nacional.

Elenco do G.E. Brasil na vitória em cima do Uruguai em 1950 – Foto: Thiago David
O Xavante entrou em campo com o seguinte plantel: Arizabalo; Dario e Bedeu; Tibiriçá, Raul Rodriguez e Tavares; Mortoza, Galego, Darcy, Manoelzinho e Plínio. A equipe era treinada por Chico, também conhecido pelo apelido de Fuleiro.
Já a Celeste foi para a partida com o seguinte elenco: Máspoli; Martínez e Carrizo; Domingo Rodríguez, Durán e Cajiga; Ghiggia, Chello, Míguez, Burgeño e Vidal. O time era comandado pelo interino Romeo Vásquez, que atuava como preparador físico da seleção. O árbitro da partida foi o senhor Marino Fernández.
Foi assim que se deu início a um jogo que fugiu completamente do esperado. O que a Seleção Uruguaia acreditava ser uma partida fácil tornou-se exatamente o oposto: um confronto truncado e disputado até o apito final.
O jogo começou com o Xavante crescendo em campo, aproveitando brechas e erros da seleção uruguaia. O time de Pelotas abriu o placar com um gol de Darcy. No entanto, ao longo da partida, a Celeste, assustada com seu desempenho até aquele momento, reagiu e empatou com um gol de pênalti convertido por Míguez.
A partida se encaminhava para o final, e o empate já era considerado um grande resultado para a equipe rubro-negra. Foi então que Darcy, o mesmo que havia marcado o primeiro gol, caiu dentro da área adversária. O coração xavante pedia pela vitória. Mortoza pegou a bola e a colocou na marca do pênalti. O ponteiro, conhecido como “Canhão da Baixada” e que no dia seguinte completaria 26 anos, desferiu um chute seco contra a rede do goleiro uruguaio, decretando a vitória do desacreditado Clube da Baixada.
A repercussão em Pelotas
O dia da partida foi de muita união entre os torcedores. Apesar da dificuldade para sintonizar as rádios do país vizinho, os xavantes se reuniram para acompanhar a histórica vitória do Xavante.

Manchete do Diário Popular no dia 22 de março de 1950 – Foto: Otávio Mattos
O que tornou o feito xavante ainda mais grandioso aconteceu 119 dias após o fatídico jogo. No entanto, apesar de reforçar o impacto da partida no imaginário social, não foi, nem de longe, um motivo de comemoração ou felicidade para os torcedores da Baixada.
No dia 16 de julho de 1950, ocorreu o que muitos consideram o maior vexame da história do futebol brasileiro até o 7 x 1 contra a Alemanha. Em um Maracanã lotado, com quase 200 mil torcedores, a Seleção Brasileira foi derrotada pela mesma equipe que havia perdido para o G.E. Brasil: a Celeste, pelo placar de 2 a 1. A emblemática derrota sagrou o Uruguai campeão do mundo de 1950 e ficou conhecida como “Maracanaço”.
Esse revés abalou a maioria dos torcedores brasileiros, mas, em Pelotas, a tristeza foi amenizada pela lembrança da vitória xavante sobre a seleção uruguaia. Muitos diziam que o Brasil de Pelotas havia feito o que a Seleção Brasileira não conseguiu e que o clube da Baixada havia honrado o país.
Do outro lado da moeda: a visão uruguaia da partida
A Seleção Uruguaia buscava se preparar para a Copa do Mundo e vinha de um histórico vitorioso nas últimas décadas. Nos anos de 1926 e 1928, conquistou os Jogos Olímpicos, e, em 1930, sagrou-se campeã mundial em casa.

Infográfico sobre a trajetória do Uruguai até o jogo
Apesar do histórico vitorioso da Seleção Uruguaia nas décadas anteriores, o ano de 1949 não trouxe confiança à população, já que a equipe havia perdido os três jogos da Copa Rio Branco, contra Brasil, Peru e Chile. Diante desse cenário, a Celeste decidiu convidar times que considerava mais fracos para amistosos, com o objetivo de fortalecer a equipe e aumentar a crença do povo uruguaio na conquista do título mundial.
Segundo relatos de estudiosos da época, apesar dos feitos anteriores, o Uruguai vivia um ano conturbado, com péssima organização. Tanto que, apenas entre janeiro e julho, a seleção teve três técnicos diferentes. A derrota para o Xavante apenas evidenciou as dificuldades enfrentadas na preparação da equipe, que naquele momento era comandada pelo preparador físico Romeo Vásquez. O resultado gerou uma repercussão negativa em todo o país, já que ninguém esperava uma derrota da Celeste.
Entramos em contato com Ariel Longo, atual treinador da Seleção Uruguaia feminina e historiador. Perguntamos a ele sobre os relatos daquele ano, e sua resposta foi a seguinte:
“O Uruguai estava se preparando para a Copa do Mundo com uma organização muito ruim. Tanto é que, de janeiro a julho, o time teve três técnicos. O primeiro foi Enrique Fernández, treinador do Nacional, mas o Peñarol se opôs, pois queria que fosse o seu técnico, o húngaro Emérico Hirsch.”
Seguindo seu raciocínio, Longo acrescentou:
“Depois, provisoriamente, colocaram um preparador físico como treinador, que foi quem comandou a equipe na partida contra o Grêmio Esportivo Brasil. Somente faltando 20 dias para a Copa do Mundo nomearam Juan López, que acabou sendo o técnico na competição.”
A excursão pelas Américas
Impulsionado pela vitória sobre a Seleção Uruguaia em 1950, o G.E. Brasil passou a ser convidado por diversas equipes para amistosos. Com isso, o Xavante decidiu realizar uma excursão pelas Américas em 1956, passando tanto pela América do Sul quanto pela América Central. Durante a viagem, visitou nove países e passou mais de 100 dias rodando o continente.

Infográfico da excursão às Américas com trajeto e dados
Ao longo da excursão pela América Central e do Sul, o Xavante enfrentou viagens longas, mudanças de clima e grandes altitudes. Ainda assim, conseguiu um saldo positivo e um bom desempenho nos amistosos. Foram 28 jogos disputados, nos quais o rubro-negro venceu 16, empatou 6 e perdeu 6, marcando 75 gols e sofrendo 50, alcançando um aproveitamento superior a 50%.
Durante a excursão, encarou grandes times do cenário continental, como Olímpia, Cerro Porteño, Jorge Wilstermann, Universitário, Emelec, América de Cali, Atlético Nacional e a Seleção do Panamá. Contra essas equipes, o Xavante obteve um retrospecto respeitável, com 3 vitórias, 3 empates e 2 derrotas. A excursão chegou ao fim em 24 de outubro de 1956, com uma goleada por 5 a 0 sobre o Magdalena, na cidade de Santa Marta, Colômbia.
O presente e as perspectivas para o futuro Xavante
Apesar de todas as glórias conquistadas pelo clube e celebradas pela torcida, o momento atual é preocupante. O Xavante terminou na última colocação do Campeonato Gaúcho de 2025 e, em 2026, disputará a Segunda Divisão do Gauchão (Série A2), também conhecida como Divisão de Acesso.

Arquibancada do Bento Freitas com escrita “A maior e mais fiel” – Foto: Thiago David
Entramos em contato com Vinícius Amaral, mais conhecido como Galinho, presidente do Movimento Independente Esquadrão Xavante, fundado em 24 de novembro de 2021. O movimento surgiu da união de torcidas organizadas do rubro-negro, como a Camisa 7, um Núcleo da Torcida Jovem e o Núcleo 1911. Além dessas entidades, alguns membros de outras torcidas aderiram à ideia de unificar as torcidas para ter uma voz ativa maior dentro do clube. Embora a ideia de unificação não tenha sido totalmente bem-sucedida, o Esquadrão Xavante tem conquistado cada vez mais espaço dentro do Brasil de Pelotas.
Ao perguntarmos a Galinho sobre o jogo contra o Uruguai em 1950 e a importância de o torcedor conhecer a história do clube, ele respondeu: “O pessoal mais novo não é muito apegado à história”, e seguiu: “As pessoas hoje não se apegam ao passado, acho que isso atrapalha um pouco”. Ele concluiu: “Hoje é tudo muito fácil, você pega o celular, faz uma pesquisa e já tem tudo na sua mão. Esse fato do jogo contra o Uruguai é muito significativo e marcou a história do clube.”
Quando perguntamos sobre o cenário atual do rubro-negro, o presidente relatou: “Ninguém imaginava que o Brasil estaria passando por essa situação de novo. No início do ano, a gente sabia das dificuldades do clube, mas não imaginávamos que seríamos rebaixados”, e disparou: “Uma divisão de acesso com os clubes tradicionais vai ser difícil.” Por fim, Galinho falou sobre o que acredita ser a salvação do clube: “O clube está num processo para virar SAF, e a gente imagina que isso vai ser a salvação do clube” e concluiu: “Eu acho que é a única saída para que a gente consiga dar a volta por cima e se reestruturar.”
Fomos atrás de relatos de outros dois torcedores: Tailan Barros e Guilherme Xavier. Tailan disse: “Nem nos meus piores pesadelos eu imaginaria que o Brasil seria rebaixado”. Ele conta que as duas primeiras rodadas o iludiram e solta uma frase forte: “O Grêmio Esportivo Brasil é um clube insustentável, é difícil fazer futebol com pouco.” Guilherme aponta o que acredita ser o motivo da má fase: “Todos os elencos dos últimos anos foram montados às pressas” e conclui: “O próximo ano será bem difícil. Vejo os clubes de Pelotas cada vez mais próximos da cidade de Rio Grande do que da cidade de Caxias.”