Por Inácio Amorim, Sofia Mazza e Pedro Ezequiel/Reportagem em Curso
“Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.
Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério! (…)”
Álvaro de Campos
Há vinte e seis anos, em dezembro de 1998, a cidade de Rio Grande, no litoral gaúcho, foi tomada pelo terror quando os corpos de Felipe Santos e Bárbara Dias, de 19 e 22 anos, foram encontrados ao lado de um carro, à beira-mar. A busca desenfreada durou três meses, e treze suspeitos chegaram a ser presos até a captura do verdadeiro culpado, que, àquela altura, já havia feito sete vítimas. Paulo Sérgio Guimarães da Silva, conhecido como “Titica” ou “Maníaco do Cassino”, tornou-se o primeiro serial killer gaúcho do século XX.
Sua captura foi um marco, mas a história não terminou com sua prisão. Em vez disso, a cidade mergulhou em um clima de incerteza, medo e, ao mesmo tempo, fascínio. O caso não era apenas um drama de assassinatos brutais, mas também um reflexo da maneira como a mídia tratou a situação.
Em 1998, o bairro do Cassino, em Rio Grande, era uma região tranquila, conhecida por suas praias e casas simples. No entanto, os crimes brutais cometidos por Paulo Sérgio marcaram a memória dos moradores. As pessoas passaram a evitar ruas desertas e temiam novos ataques.
O caso foi amplamente coberto pela imprensa, que, em sua busca por audiência, transformou o “Maníaco do Cassino” em uma figura quase mítica. À medida que as investigações avançavam, a cidade, como nos versos de Álvaro de Campos, sentia-se à beira de um acontecimento que não poderia compreender por completo — um acontecimento que, uma vez desvendado, revelaria algo que todos temiam, mas não podiam evitar.
A investigação foi complexa e passou por várias fases. Ricardo Bertoletti, então policial do DEPREC, relembra que uma das primeiras pistas surgiu quando uma empregada doméstica notou um homem estranho pegando um ônibus para a região da Z3. O cobrador confirmou que esse homem, com as calças sujas de barro, conversava com outro passageiro. A partir dessa conexão, os investigadores chegaram a Paulo Sérgio Guimarães da Silva, que já possuía um histórico criminal em Rio Grande. O reconhecimento por testemunhas e a identificação de uma tatuagem mal feita de um dragão — descrita por Brenda Graebin, a única sobrevivente dos ataques — foram decisivos para sua prisão.
O impacto do caso não se limitou à prisão do assassino. Ele gerou um profundo debate sobre o papel da mídia na construção de uma narrativa de pavor e sobre como esse tipo de cobertura pode distorcer a percepção da realidade, transformando vítimas e culpados em personagens de uma história que, muitas vezes, pouco tem a ver com os fatos.
Fábio Schafner, jornalista que acompanhou o caso desde os primeiros desdobramentos, reforça o impacto da mídia na formação da narrativa sobre o serial killer. Segundo ele, a cobertura sensacionalista da época ajudou a reforçar o clima de terror, mas também trouxe consequências éticas problemáticas. Informações imprecisas e boatos circularam por semanas e, até hoje, fake news sobre o caso continuam sendo disseminadas nas redes sociais, incluindo rumores infundados sobre a soltura de Titica.
Outro aspecto relevante foi a maneira como o caso influenciou a memória coletiva do Cassino. Klécio Santos, à época editor da Zero Hora e hoje CEO de uma das maiores empresas de comunicação do Centro-Oeste, lembra como a descoberta de um corpo nos molhes consolidou a ideia de que o criminoso era um serial killer. Naquele momento, a imprensa passou a abordar os crimes como parte de uma sequência metódica, o que ampliou ainda mais o medo na população.
Além do impacto imediato, a história do Maníaco do Cassino ressurge periodicamente na cultura popular. O projeto de uma história em quadrinhos é um exemplo de como a sociedade segue tentando entender e processar os eventos daquele período. A relação entre crime e notoriedade, questionada por Klécio Santos, levanta um dilema incômodo: teria Titica se tornado ainda mais ousado devido à atenção midiática que recebeu?
O poema “O Demogorgon”, de Álvaro de Campos, que abre esta reportagem, traduz a sensação de pressentimento e horror que pairou sobre o Cassino naquela virada de século. O medo do desconhecido, do mistério que espreita além das aparências, ecoa nos corredores da memória da cidade. A história de Titica é um lembrete de que, por trás das manchetes e investigações, há um abismo que jamais será completamente compreendido.
O caso do “Maníaco do Cassino” não é apenas uma história de crime, mas também uma reflexão sobre como o medo, o sensacionalismo e a busca por respostas moldam a memória coletiva. Depois de 26 anos, o impacto do caso ainda ecoa em Rio Grande, uma cidade que, de alguma forma, ficou marcada por essa trágica e complexa história.