O longo combate às desigualdades raciais

FONTE: Ipea, por Cristina Charão

Avanços nos indicadores socioeconômicos da população negra atestam o impacto positivo das políticas universais. Ao mesmo tempo, os dados mostram a necessidade urgente de ações afirmativas de caráter amplo na busca por igualdade racial no Brasil. Segundo Douglas Belchior, “O jovem negro tem, hoje, oportunidades que seus pais não tiveram, mas isso não significa que elas sejam iguais”

Construir pontes que aproximem as realidades de brancos e negros no Brasil é um desafio monumental de engenharia social e econômica. Nas últimas duas décadas, políticas públicas de natureza diversa, adotadas em diferentes níveis de governo, têm sido capazes de impulsionar a construção das bases da igualdade. Indicadores socioeconômicos de toda ordem mostram uma melhoria nas condições de vida da população negra, bem como no acesso a serviços e direitos. Nesse período, homens e mulheres negras viram sua renda, expectativa de vida e acesso à educação – para citar apenas os componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – avançarem de forma mais acelerada do que as da população branca.

Entretanto, ainda não é possível vislumbrar a superação do abismo racial. Os dados disponíveis indicam um caminho: é preciso apostar em políticas de ação afirmativa de forma consistente.

A criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em nível federal, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e os resultados encorajadores já revelados por algumas ações indicam um rumo positivo nas políticas públicas dos últimos anos. Embora persistam os debates acerca da constitucionalidade das ações afirmativas – especialmente nas cotas para ingresso em universidades e no serviço público –, muitos avaliam que a agenda está consolidada. “O momento é de continuidade e de ampliação”, afirma Tatiana Dias Silva, coordenadora de Igualdade Racial do Ipea, especialista em análises da questão racial. “Temores de que as ações afirmativas criariam um ‘racismo ao contrário’ ou ‘reduziriam o nível das universidades’ desapareceram. Os dados disponíveis desmentem tudo isso.”

IMPACTO DAS MUDANÇAS
Os argumentos favoráveis às ações afirmativas não vêm, necessariamente, de uma avaliação acerca do impacto específico das iniciativas em curso no País. O caráter pontual e descentralizado das políticas dificulta a identificação destas nas mudanças na vida dos negros brasileiros nos últimos anos. Há também o fato de um número cada vez maior de instituições e órgãos públicos e privados manterem programas de inclusão ou combate à discriminação e o preconceito. “A partir dos dados estatísticos, não é possível desagregar o que é impacto de ações afirmativas e o que é resultado das políticas de caráter universal”, comenta Marcelo Paixão, economista e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A exceção talvez sejam os dados relativos à criação de cotas nas universidades públicas. Neste caso, é possível inferir, a partir dos editais e do Censo do Ensino Superior do Ministério da Educação, o número de estudantes afrodescendentes beneficiados pelas medidas. Segundo dados reunidos no artigo Juventude Negra e Educação Superior, de autoria de Adailton da Silva, Josenilton da Silva e Waldemir Rosa, no livro do IpeaJuventude e Políticas Sociais no Brasil, entre os anos de 2002 e 2009, pouco mais de 98 mil jovens negros entraram no Ensino Superior por meio de iniciativas desse tipo ou programas de bônus sobre a nota obtida nos processos seletivos. O levantamento não inclui os afrodescendentes que porventura se beneficiaram de cotas não raciais, que utilizam critérios de renda ou estão voltadas para alunos oriundos do sistema público de ensino. O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 (lançado pelo Laeser e pelo Instituto de Economia da UFRJ) atesta o seguinte quadro no ano de 2008: “Se, por um lado, os dados do Censo do Ensino Superior evidenciavam a existência de uma boa disseminação do número de Instituições de Ensino Superior (IES) que aderiram ao sistema de ingresso diferenciado, 26,3% do total das IES públicas do País, por outro lado, o número de vagas disponibilizadas pelo sistema de cota era de apenas 10,5%”.

Ainda que restritas e criadas por iniciativa das instituições, sem qualquer tipo de integração ou norma que sustente a reserva de vagas como política pública abrangente, as cotas, somadas a ações de caráter geral de acesso ao ensino superior – como o Programa Universidade para Todos (ProUni) –, estão mudando o perfil do universitário brasileiro. Em 17 anos, a taxa líquida de matrícula de jovens de 18 a 24 anos – que mede o número de matriculados no nível esperado de ensino para aquela faixa etária – mais que quintuplicou entre os negros. Segundo dados levantados pelo Ipea para o Boletim Políticas Sociais: acompanhamento e análise nº 19, disponíveis no site criado por ocasião da programação em torno do Ano Internacional dos Afrodescendentes – www. ipea.gov.br/igualdaderacial –, no ano de 1992, apenas 1,5% dos jovens negros nesta faixa etária estavam na universidade. Em 2009, eram 8,3 %. Entre os jovens brancos, as matrículas líquidas triplicaram no mesmo período – de 7,2% para 21,3%. A frequência dos jovens negros na universidade, que correspondia a 20,8% da frequência dos brancos em 2002, passou a corresponder a 38,9% em 2009.

UNIVERSAL OU NÃO
A divisão entre o peso das políticas universais e o das ações afirmativas lembra um dos debates de fundo sobre os efeitos do preconceito e da discriminação no País. Um dos argumentos contrários ao estabelecimento de políticas reparadoras baseadas em quesitos raciais é de que a exclusão social no Brasil não é determinada pela cor da pele, mas pela pobreza. Este é um dos pontos levantados pelo Democratas (DEM) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que questiona o sistema de cotas raciais no processo seletivo da Universidade de Brasília e que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Por essa razão, o DEM advoga que apenas critérios econômicos poderiam ser válidos para o estabelecimento de cotas em vestibulares, por exemplo.

Seguindo essa mesma lógica, programas voltados para o combate à pobreza e à redução das desigualdades sem recorte específico deveriam dar conta de acabar com as diferenças existentes entre negros e não-negros. São justamente as análises estatísticas que demonstram que os afrodescendentes são o grupo mais beneficiado pelos avanços econômicos e sociais recentes no País. Isso reforça os argumentos em favor das ações afirmativas. “Mesmo reconhecendo que políticas universais podem ser, às vezes, mais positivas, a questão é saber se seus efeitos tiveram a capacidade de, efetivamente, enfrentar o abismo sociorracial no País. E a resposta é não, não tiveram”, diz, taxativo, o economista Marcelo Paixão.

Paixão analisa a evolução dos negros no mercado de trabalho como um exemplo dos benefícios e limites das políticas universais. Segundo ele, há uma aproximação recente entre a renda do trabalho auferida por negros e brancos, mas longe de significar o fim das desigualdades. Os dados levantados pelo Ipea para o Boletim Políticas Sociais nº 19 Políticas Sociais: acompanhamento a análise, mostram que os rendimentos médios reais da população negra recebidos de todas as fontes, cresceram 56% entre 1992 e 2009, ante um aumento de 39% entre os trabalhadores brancos. No entanto, a diferença entre uns e outros continua significativa: na década de 1990, o rendimento dos negros equivalia a 50% do dos brancos; há dois anos, esta proporção passou a 57%.
SALÁRIO MÍNIMO E BOLSA FAMÍLIA
A principal explicação para esta aproximação estaria no efeito redistributivo das políticas sociais, em especial em relação ao salário mínimo e os benefícios previdenciários. Isso porque a maior parte dos trabalhadores negros atua em setores cujos vencimentos estão atrelados ao salário mínimo.

Quando analisada a renda das famílias somando-se outras fontes além do trabalho, o resultado é o mesmo: percebe-se uma aceleração recente na diminuição das desigualdades, mas ainda insuficiente para dar conta da defasagem. Segundo análise do técnico do Ipea Sergei Soares, registrada em artigo no livro As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição (disponível em www.ipea.gov.br), a razão entre a renda domiciliar per capita das famílias negras e a das famílias brancas iniciou um trajetória de queda constante a partir de 2001. Ao longo dos anos 1990, os brancos viviam com um ingresso 2,4 vezes maior do que os negros. Em 2007, essa proporção caiu para 2,06. No entanto, alerta Soares, mantido esse ritmo – o que não é provável –, a igualdade entre os dois grupos só seria alcançada em 2029.

Além dos fatores macroeconômicos e das políticas salariais, tanto a análise do Ipea como a do Laeser chamam a atenção para o peso dos programas de redistribuição de renda. O relatório do Laeser aponta que a importância dos benefícios do Bolsa Família sobre a renda das famílias negras é significativamente maior do que para as famílias brancas. Entre os afrodescendentes, o programa representa 23,1% da renda da família. Para os brancos, 21,6%. Além disso, a proporção de famílias cujo chefe é preto ou pardo beneficiadas pelo programa – 24% do total de famílias deste grupo no país – é quase três vezes maior do que a das unidades familiares brancas (9,8%).

Com os rendimentos de trabalho crescendo e a maior participação nos programas de distribuição de renda, é natural que os índices de pobreza e indigência caiam rapidamente entre os afrodescendentes. No entanto, embora em números absolutos mais negros tenham ultrapassado a linha da pobreza, a redução proporcional dos índices ficou em torno de 30% para os dois grupos, mantendo as diferenças significativas. Em 1997, 57,7% dos negros brasileiros eram pobres. Dez anos depois, eram 41,7%. Entre os brancos, o percentual caiu de 28,7% para 19,7% no mesmo período.

TRABALHO PRECÁRIO “O fato é que as políticas macroeconômicas e as de caráter redistributivo, como o Bolsa Família, contribuíram para diminuir a desigualdade de renda, mas a distância é muito grande”, comenta Marcelo Paixão. Os limites ficam mais evidentes, diz ele, quando se analisa a possibilidade de mobilidade dos negros dentro do mercado de trabalho. “Essas políticas gerais não afetam a maneira como os afrodescendentes chegam ao mercado, nem como são tratados dentro dele. A estrutura do vínculo com cor e raça não muda”, afirma. Hoje, os negros são maioria nos setores econômicos com as piores condições laborais – agricultura, construção civil e trabalhos domésticos – e também nas posições mais precárias, sendo a maioria entre os profissionais não remunerados e assalariados sem carteira.

Em outras palavras, embora melhores as condições de vida da população negra, políticas que ignorem a questão racial não ajudam a superar a expressão real do preconceito e da discriminação. O mesmo se dá no acesso à saúde ou no aproveitamento das oportunidades educacionais. Na área da educação, por exemplo, é possível comemorar as reduções das diferenças entre negros e brancos em relação ao número de anos de estudo formal ou nos índices de analfabetismo. A taxa de analfabetismo em 1992 era de 10,6% para brancos e 25,7% para negros; em 2009, 5,94% para brancos e 13,42% para negros. Nesse período, embora tenha caído a desigualdade, a taxa dos negros permaneceu mais que duas vezes maior que a taxa da população branca, de acordo com dados do IBGE compilados pelo Ipea.

Por outro lado, o aumento das matrículas em creches ou pré-escolas é muito maior entre crianças brancas. A entrada no percurso escolar regular é mais atribulada para as crianças afrodescendentes.

TAXA DE HOMICÍDIOS
Um número estarrecedor é do aumento de homicídios de negros, especialmente entre os jovens. Segundo o Mapa da Violência, editado pelo Ministério da Justiça e pelo Instituto Sangari, o número de brancos mortos vem diminuindo ao longo dos anos, enquanto os casos envolvendo negros aumentam. Em 2008, o número de jovens negros de 18 a 25 anos vítimas de homicídio foi 134% maior do que o de jovens brancos.

Os dados evidenciam a necessidade urgente de se ampliar o combate às desigualdades raciais. “Conceitualmente, a ação afirmativa é aquela que, a partir da identificação de uma desigualdade, cria políticas para alterar esse cenário de forma a garantir acesso a direitos, bens e serviços semelhante ao restante da população”, explica Tatiana Silva, do Ipea. “Não é, necessariamente, política de cotas. Pode haver, por exemplo, a divulgação de vagas de trabalho para públicos específicos. Ou, como no caso da saúde, focar o combate a patologias típicas da população negra.”

Na avaliação de Tatiana, apesar da consolidação das ações afirmativas como uma necessidade, há muitas iniciativas ainda realizadas de forma experimental, através de convênios e sem garantia de continuidade. “Temos uma série de reconhecimentos das desigualdades, mas há problemas na adoção de políticas públicas como a baixa adesão setorial e a pouca visibilidade das ações, que por não serem integradas no seu planejamento também não podem ser monitoradas”, comenta.

Ainda assim, há perspectivas positivas para a ampliação das ações afirmativas, considerando o contexto após a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, no ano passado, e a instituição do Sistema Nacional de Igualdade Racial previsto por ele. Outra janela de oportunidade é a revisão em curso do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Apesar de ser considerado, como diz Tatiana, “um quadro de intenções”, a rediscussão do plano, associada aos debates sobre o Plano Plurianual, pode abrir espaço para se estabelecer uma gestão coordenada das ações afirmativas em nível federal.

 

 

Racismo e falta de formação dificultam educação de temas étnicos raciais nas escolas

FONTE: Carta Educação

Por Dimalice Nunes, em 29 de fevereiro de 2016.

A inserção de temas sobre história e cultura afro-brasileiras voltou à pauta com o debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que entre as propostas elimina tópicos como História Antiga, Medieval e Moderna para priorizar a História do Brasil, das Américas e da África. No entanto, a discussão das relações étnico-raciais na escola e a inclusão desses temas vêm muito antes da BNCC. Em 2003, entrava em vigor a Lei 10.639, que obriga a inserção, nos currículos de escolas públicas e particulares, da história e cultura africana e indígena. Passada mais de uma década, a realidade está longe do que prevê a lei.

Amilcar Araujo Pereira, doutor em História e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenou uma pesquisa sobre a implementação da Lei 10.639 durante mais de quatro anos. Ele acredita que o fundamento eurocêntrico da educação brasileira é um dos principais entraves para que a lei seja cumprida. “É muito difícil mudar essa realidade, que é histórica. Muitas gerações foram formadas a partir dessa educação eurocêntrica. Leva tempo e é preciso esforço político para transformar essa realidade”, afirma.

Outro ponto fundamental levantado por Pereira é a questão racial em si. “O racismo é um elemento estruturante das desigualdades, inclusive nas desigualdades evidentes nos currículos e nas práticas educativas”, afirma. “Acredito que a aplicação da Lei 10.639, onde ela se dá, tem contribuído para a luta contra o racismo, desnaturalizando sentimentos de superioridade e de inferioridade e apresentando conhecimentos e contribuições produzidos por todos os grupos populacionais que formaram a sociedade”, acredita o especialista.

O racismo é ponto central da discussão para Leonardo Borges da Cruz. Ele é doutor em Sociologia e pesquisador em relações raciais, além de lecionar no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e colaborar com o projeto ENEMEX, plataforma de apoio para preparação de alunos para o Enem. Segundo o professor, é inerente ao comportamento brasileiro lidar com o racismo de forma naturalizada, como se experiências próprias ou de pessoas próximas reduzissem a importância da questão.

Para ele, isso se revela na dificuldade dos brasileiros identificarem práticas e predisposições racistas. “Essa pretensão contribui para desqualificar dispositivos legais, na medida em que a temática não sai do senso comum e da reprodução de preconceitos e discursos ideológicos.”

Além disso, aponta Cruz, pouquíssimas instituições de Ensino Superior ofereciam à época da lei formação com disciplinas na área – o que está mudando lentamente. Outro ponto é a já conhecida desvalorização do profissional da educação. “Na maioria das redes de ensino os docentes não recebem mais do que uns trocados e um aperto de mão para se atualizarem em suas áreas pesquisas. Assim, dificilmente são estimulados à inovação”, critica. A falta de preparação dos docentes é barreira mencionada também por Pereira: “Há muito a ser feito ainda, mas não há como negar o avanço obtido em muitas universidades, especialmente nas públicas. Ainda está muito longe do ideal, mas acredito que estamos avançando.”

Se as faltas de incentivo para a especialização e todas as dificuldades inerentes à docência são conhecidas, as iniciativas individuais dão o tom na inserção da cultura e história afro-brasileira nas escolas. Pereira afirma que em suas pesquisas constatou que há bastante interesse do professor em mudar essa realidade. “Precisamos combater o racismo, produzir mais conhecimentos sobre história e culturas negra e indígena, disponibilizar mais espaços de formação inicial e continuada para essas temáticas, mas sempre lidando com dificuldades de infraestrutura e recursos, tanto nas escolas quanto nas universidades”, observa. Apesar dos obstáculos, ele acredita, estamos diante de um caminho sem volta.

Já Cruz vê que o interesse não é sempre evidente, mas aparece em diversos casos individuais. “Com alguma exposição ao tema feita por especialistas, muitos docentes vencem a resistência e se interessam”. Há ainda, na sua opinião, a questão dos gestores em educação, muitas vezes reprodutores do senso comum de que a questão racial no Brasil não é prioritária. “Noto que as aulas existem, com raras exceções, nas escolas em que há algum docente empenhado no tema. Geralmente são especialistas na temática racial ou interessados em busca de orientação.”

Integrantes do jongo (dança de roda de origem africana) de Mangaratiba (RJ) se preparam para uma apresentação

Para atender à demanda a Fundação Vale realizou, há dois anos, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Secretaria Municipal de Educação de Mangaratiba, um curso de extensão universitária sobre a temática étnico-racial voltado para a formação de professores. Os encontros, que contaram com a contribuição de profissionais que são referência nacional no estudo e na pesquisa em educação das relações étnico-raciais, forneceram subsídios a professores e gestores para a aplicação efetiva da lei, como forma de estimular a prática docente nos princípios da pluralidade e do respeito às diferenças. Participaram da capacitação 45 diretores escolares de Mangaratiba, o que contempla toda a rede de ensino municipal.

Da experiência nasceu a publicação Educação das relações étnico-raciais no Brasil: trabalhando com histórias e culturas africanas e afro-brasileiras nas salas de aula. A publicação traz conteúdos sobre as histórias da África e da presença dos negros no Brasil, além de discutir a educação e as relações étnico-raciais no cotidiano escolar. O material oferece também indicações bibliográficas e exemplos práticos de atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula.

Andreia Prestes, especialista em educação da Fundação Vale, concorda que a não aplicação da lei e a ausência da história afro-brasileira no currículo tem a ver com o racismo. “O preconceito racial persiste e não trabalhar história da cultura afro-brasileira e indígena em sala de aula é um reflexo, porque o professor não vê importância. Mas existe também um movimento forte para que a lei seja aplicada”, ressalta.

Andreia conta que em 2012 a Fundação Vale começou a pesquisar questões da educação que poderiam ser abordadas em suas ações e descobriu que não existiam muitas instituições que trabalhavam para o fortalecimento da Lei 10.639. Daí nasceu a experiência piloto em Mangaratiba.

Atualmente a Fundação Vale segue abordando o tema dentro do projeto Roda de Conversa, que prevê a entrega de uma maleta com 12 livros infantis às escolas. Percebendo a carência de títulos que abordassem história e cultura afro-brasileira e indígena, o projeto passou a incluir publicações do gênero ao acervo doado e levar às escolas públicas escritores representativos do tema, como Daniel Munduruku, indígena referência na autoria de livros infantis indígenas, e Sonia Rosa, que trata da cultura africana. De 2013 a 2015 mais de 30 municípios foram contemplados.

O tema segue no radar da Fundação. Maria Alice Santos, gerente de Educação da Fundação Vale afirma que apoiar as secretarias de educação no fortalecimento de leis que tornam obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena é uma das formas de contribuir para o desenvolvimento dos territórios. “Aplicar essas leis é fundamental para que a diversidade da população brasileira seja representada e para que a escola seja, de fato, um ambiente positivo de construção de identidades”, conclui.

GEA-ES disponibiliza coleção sobre estudos afirmativos

O Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES) tem por objetivo acompanhar, avaliar e intervir nos debates sobre a expansão e democratização da educação superior no Brasil. É formado por pesquisadores, gestores e profissionais, de diferentes regiões do país com experiência em políticas de educação superior.

O GEA disponibiliza para download gratuito uma série de publicações tendo como tema os estudos das políticas e ações afirmativas. Vale a pena conferir, tem muito material para estudo.

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Conheça 7 mitos sobre as cotas raciais

Fonte: Portal Brasil

As políticas afirmativas têm muitos opositores, mas será que eles têm razão em suas críticas?

As cotas sociorraciais nas universidades públicas já são uma realidade há pelo menos uma década e ganharam, em 2012, o impulso da Lei de Cotas, que em 2016 reservará 50% das vagas para estudantes negros e oriundos da escola pública. 

No entanto, muitos ainda insistem em criticar esse instrumento de inclusão social e reparação de dívidas históricas do país. E nem sempre usando argumentos muito confiáveis. Veja alguns dos mitos sobre as cotas sociais e raciais:

1. Cotas são inconstitucionais e ferem o princípio da igualdade
Não foi assim que entendeu o STF (Supremo Tribunal Federal). Em 2012, a corte rejeitou por votação unânime uma ação contra o programa de cotas raciais da UnB. Os ministros entenderam que ações afirmativas, longe de criarem qualquer discriminação, são fatores de correção de desigualdades históricas. Isso porque elas garantem a todos oportunidades de acesso à educação e ao trabalho, o que está previsto na Constituição, cujo texto também confere ao Estado o dever da promoção da igualdade. Ou seja, as cotas não geram desigualdade, elas combatem a desigualdade.

2. Cotas subvertem o princípio da meritocracia
Vestibulares e concursos públicos são apenas uma das formas de selecionar candidatos e não garantem necessariamente a classificação dos mais inteligentes e capazes para as vagas. Prova disso é o bom desempenho dos alunos cotistas em faculdades públicas e privadas, comprovado por diversas pesquisas.

3. Cotas maquiam má qualidade do ensino básico
Os problemas da educação básica no país são conhecidos e estão sendo enfrentados. Isso não impede a adoção simultânea de políticas compensatórias para as gerações que sofreram com a baixa qualidade do ensino. Essas políticas são uma forma de quebrar o ciclo de exclusão que impede o pobre e o negro de ascender socialmente.

4. Cotas rebaixam nível acadêmico das universidades
São diversas as pesquisas que revelam desempenho similar ou até superior de alunos cotistas no ensino superior. Na UFMG, por exemplo, que passou a adotar políticas afirmativas em 2013, as notas dos cotistas chegam a ser até 50% superiores aos dos não-cotistas em alguns cursos.

5. Cotas não garantem permanência dos alunos nas universidades
Outro exemplo de mito desmentido pelos fatos. Ao contrário de uma maior evasão, que supostamente seria causada pela falta de qualificação dos alunos, os cotistas têm demonstrado mais perseverança e concluem os cursos tanto ou mais que os demais universitários. Pesquisa da UnB não encontrou diferença significativa entre os dois grupos.

6. Cotas raciais poderiam criar tensões étnicas no país
Os fatos demonstram o contrário. Políticas de inclusão de negros, pardos e indígenas são adotadas em instituições públicas no Brasil há mais de uma década e não há notícia de grandes e numerosos conflitos. Pelo contrário, a inclusão tem sido benéfica para aumentar a diversidade étnica e social nas universidades públicas.

7. Cotas raciais são uma discriminação contra os brancos pobres
A adoção de cotas raciais vem sendo realizada, em grande parte, de forma concomitante com políticas afirmativas de acordo com a renda. Ou seja, não são excludentes. No caso das universidades, os critérios de ingresso para alunos de escola pública são uma prova disso. Mas não se pode negar o grau histórico de exclusão das populações negras, o que demanda uma ação específica.