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O dilema de escolher entre estudar e chegar em casa seguro

O dilema de escolher entre estudar e chegar em casa seguro

Universitários da UFPel passam por desafios no turno da noite ao para utilizar transporte público oferecido pela universidade.

 

´Por Giulia Lemons e Amanda Marin

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estudantes do Campus Anglo da UFPel aguardam o ônibus no fim da noite | Foto: Giulia Lemons

 

O percurso cansativo de migração pendular

A dificuldade de acesso e permanência tem sido uma realidade dura para muitos estudantes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Sem transporte adequado e com altos custos de deslocamento, alunos que vêm de cidades vizinhas, como Rio Grande e Jaguarão, enfrentam uma rotina de insegurança, cansaço e perda de aprendizado.

Entre os estudantes que mais sentem os impactos da falta de suporte da UFPel estão aqueles que precisam se deslocar diariamente de outras cidades, como Rio Grande ou Jaguarão. Além da longa viagem de volta para casa, a espera até o horário do transporte torna o fim das aulas um momento cansativo e estressante. O aluno Samuel Marques, do curso de Jornalismo, conta que costuma permanecer no campus até por volta das 22h e que não há um ambiente apropriado para os estudantes nesse período.

“Normalmente ficamos esperando o horário para retornar até 22h ou 22h15, e não existe um espaço de convívio confortável e acolhedor”, relata.

A questão financeira também é um obstáculo significativo. O custo mensal do transporte entre Rio Grande e Pelotas gira em torno de R$500 a R$600, valor que inviabiliza a permanência de diversos estudantes na universidade. Além do peso econômico, o tempo gasto no trajeto afeta diretamente o rendimento acadêmico. “O desgaste físico e o tempo perdido no deslocamento atingem o desempenho”, afirma o estudante. Para ele, caso a UFPel oferecesse um serviço de transporte para Rio Grande, desde que com qualidade, a realidade seria diferente, ampliando o acesso e aliviando o fardo de quem precisa se deslocar diariamente entre as duas cidades.

 

Um dilema sem resposta certa

Enquanto os estudantes de municípios vizinhos, como Rio Grande, enfrentam diariamente a saída tardia dos seus campus, os estudantes pelotenses lidam com os desafios de mobilidade dentro da própria cidade, a necessidade de retornar para casa em horários restritos faz com que muitos precisam deixar a aulas antes do término, comprometendo o aprendizado e criando um dilema tanto para os alunos quanto para os professores da Universidade.

A saída de alunos das salas de aula no campus Anglo da Universidade Federal de Pelotas antes do horário oficial de término, especialmente por volta das 21h, é um fenômeno comum no dia a dia dos alunos e professores. Esse movimento, inicialmente ligado estritamente à logística de transporte, criou um dilema ético para os docentes e tem impactado diretamente a qualidade da formação acadêmica.

Silvia Meirelles, professora do curso de jornalismo, graduação que acontece no turno da noite, conta que, antes de 2019, as saídas antecipadas dos alunos eram menos frequentes, mas com o tempo se intensificaram. A justificativa mais comum é a restrição de horários de ônibus. Muitos alunos alegam que se não pegarem o ônibus das 21h, a próxima opção é muito mais tarde (após as 22h) ou os obriga a andar trechos longos à noite, o que gera medo e insegurança, especialmente nas mulheres. Para a docente, lidar com essa situação é um dilema sem uma resposta certa.

 

“Eu não sei se te dizer se é porque, depois da pandemia, tem menos ônibus, então os horários ficam mais restritos, ou porque, se depois da pandemia, o jeito dos alunos se relacionarem com esse momento de aula presencial mudou por causa da vivência que tiveram….[] Então, acho que tem sim a questão do ônibus, acho que ele interfere, mas também tem essa relação com a aula presencial que mudou”, relata Silvia.

 

O movimento de saída, com o barulho de abrir e fechar portas, tira o foco e desconcentra tanto o restante da turma quanto a própria professora. O maior impacto acadêmico, segundo a professora, é a fragmentação do conteúdo, impedindo que os alunos completem o raciocínio que os docentes organizam para a aula e façam as relações necessárias para entender a complexidade dos temas abordados, tornando assim, mais difícil o aprendizado dos conteúdos vistos em aula.

 

“Isso é um dilema dilema ético. Então, usar a estratégia da chamada para segurar as pessoas não garante que as pessoas estão acompanhando aquele raciocínio, e não garante que elas estão ali, que elas realmente estão prestando atenção ou estão fazendo as relações necessárias para produzir sentido sobre aquilo ali que tá sendo trabalhado.”

 

O cotidiano dos estudantes que lidam com o transporte

A estudante de Letras do Campus Anglo (UFPel), Letícia Brum, que utiliza o transporte da linha FAMED, confirma que precisa sair frequentemente para pegar o ônibus das 21h30. Se perder esse horário, ela espera o próximo após as 22h e chegaria em casa por volta das 22h45, após uma caminhada de 10 a 15 minutos. Para a estudante, isso é uma perda de momentos onde surgem explicações importantes, como exercícios ou atividades, onde o seu aprendizado é prejudicado.

Otávio Da Rosa dos Santos, também estudante de Letras, relata que precisa sair mais cedo pois o horário das 22h20 é muito tarde. Ao sair cedo, perde explicações finais e entregas de trabalhos.

A indignação é compartilhada entre os alunos e até mesmo com alguns docentes, que enxergam nessa realidade uma falha estrutural da universidade. A ausência de um transporte eficiente e de medidas que garantam a permanência noturna tem comprometido o aprendizado e a segurança dos estudantes. O problema, que afeta diretamente o rendimento e o bem-estar, gera frustração em professores que veem suas aulas esvaziarem antes do fim e em alunos que precisam escolher entre aprender ou chegar em casa com segurança.

 

O que fica após esta reportagem é o questionamento sobre os papéis e responsabilidades de cada parte envolvida. Até que ponto o docente exerce empatia ao compreender que o ensino pode ir além da sala de aula e inclui o cuidado com a segurança e o bem-estar do estudante? Quanto esforço é exigido do aluno que precisa deixar a aula antes do fim para garantir o próprio retorno em segurança? E, diante dessa realidade, qual é o papel da universidade, enquanto instituição pública, em buscar soluções que assegurem condições de permanência para todos?

 

 

Publicado em 06/11/2025, na categoria Notícias.
Marcado com as tags Anglo, Noturno, UFPel.