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  • Buracos no asfalto geram transtornos em ruas do bairro Fragata, em Pelotas

    Escrito por Manuela Santos, Manuela Bragamonte e Taissa Avila.

    Os buracos nas ruas do bairro Fragata têm causado constantes transtornos aos moradores e motoristas que circulam pelo bairro. As irregularidades no asfalto dificultam o trânsito, provocam danos em veículos e aumentam os riscos de acidentes, especialmente nos dias de chuva, quando as poças d’água escondem as crateras que se formam nas ruas.

                                                                                 

                                                                           Foto: Foto tirada por um morador do bairro

    Nos últimos meses, moradores do bairro Fragata têm enfrentado dificuldades com as más condições das ruas, principalmente nas vias de maior movimento, como a Avenida Duque de Caxias. Buracos, desníveis e falta de manutenção têm causado transtornos tanto para motoristas quanto para pedestres. Muitos afirmam que a situação se agravou com o aumento das chuvas e a ausência de reparos recentes. O morador Emerson Bragamonte, que trafega diariamente pela região, desabafa: “Esses buracos aqui do Fragata tão demais, não tem como andar direito. Ontem mesmo passei ali na Afonso Pena e quase estraguei meu carro, a rua tá toda esburacada e ninguém vem arrumar. A gente paga imposto e continua do mesmo jeito!” A reclamação se repete entre vários moradores, que pedem atenção do poder público para garantir mais segurança e melhores condições de tráfego no bairro.

    Quem vive no bairro afirma que a situação vem melhorando, mas que ainda há pontos que exigem atenção dos motoristas. O morador Thierry Abreu comenta que o cenário já foi bem mais crítico. “Hoje em dia a situação está bem melhor, principalmente após as reformas recentes. Antes o bairro era muito esquecido, com muitos buracos e desníveis perigosos que atrapalhavam o trânsito e exigiam mais cuidado dos motoristas. A melhoria trouxe mais fluidez e segurança para quem circula diariamente”, afirma.

    Foto:Divulgação/smop

    Motoristas que utilizam as vias diariamente relatam que, apesar das melhorias, os transtornos causados pelos buracos deixaram marcas na rotina do bairro. “Nunca tive prejuízo pessoal, porém a deformação que existia em frente ao Atacadão colocava diversos motoristas em risco, pois muitos precisavam desviar bruscamente para evitar danos ao veículo. Felizmente esse problema já foi resolvido, melhorando bastante a segurança no local”, completa Thierry.

    Com o aumento cada vez maior do fluxo de veículos no bairro, os moradores temem que a situação se agrave novamente caso não haja manutenção constante. Enquanto isso, seguem convivendo diariamente com os obstáculos no asfalto e com a insegurança que eles trazem ao trânsito do Fragata.

     

  • O dilema de escolher entre estudar e chegar em casa seguro

    O dilema de escolher entre estudar e chegar em casa seguro

    Universitários da UFPel passam por desafios no turno da noite ao para utilizar transporte público oferecido pela universidade.

     

    ´Por Giulia Lemons e Amanda Marin

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Estudantes do Campus Anglo da UFPel aguardam o ônibus no fim da noite | Foto: Giulia Lemons

     

    O percurso cansativo de migração pendular

    A dificuldade de acesso e permanência tem sido uma realidade dura para muitos estudantes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Sem transporte adequado e com altos custos de deslocamento, alunos que vêm de cidades vizinhas, como Rio Grande e Jaguarão, enfrentam uma rotina de insegurança, cansaço e perda de aprendizado.

    Entre os estudantes que mais sentem os impactos da falta de suporte da UFPel estão aqueles que precisam se deslocar diariamente de outras cidades, como Rio Grande ou Jaguarão. Além da longa viagem de volta para casa, a espera até o horário do transporte torna o fim das aulas um momento cansativo e estressante. O aluno Samuel Marques, do curso de Jornalismo, conta que costuma permanecer no campus até por volta das 22h e que não há um ambiente apropriado para os estudantes nesse período.

    “Normalmente ficamos esperando o horário para retornar até 22h ou 22h15, e não existe um espaço de convívio confortável e acolhedor”, relata.

    A questão financeira também é um obstáculo significativo. O custo mensal do transporte entre Rio Grande e Pelotas gira em torno de R$500 a R$600, valor que inviabiliza a permanência de diversos estudantes na universidade. Além do peso econômico, o tempo gasto no trajeto afeta diretamente o rendimento acadêmico. “O desgaste físico e o tempo perdido no deslocamento atingem o desempenho”, afirma o estudante. Para ele, caso a UFPel oferecesse um serviço de transporte para Rio Grande, desde que com qualidade, a realidade seria diferente, ampliando o acesso e aliviando o fardo de quem precisa se deslocar diariamente entre as duas cidades.

     

    Um dilema sem resposta certa

    Enquanto os estudantes de municípios vizinhos, como Rio Grande, enfrentam diariamente a saída tardia dos seus campus, os estudantes pelotenses lidam com os desafios de mobilidade dentro da própria cidade, a necessidade de retornar para casa em horários restritos faz com que muitos precisam deixar a aulas antes do término, comprometendo o aprendizado e criando um dilema tanto para os alunos quanto para os professores da Universidade.

    A saída de alunos das salas de aula no campus Anglo da Universidade Federal de Pelotas antes do horário oficial de término, especialmente por volta das 21h, é um fenômeno comum no dia a dia dos alunos e professores. Esse movimento, inicialmente ligado estritamente à logística de transporte, criou um dilema ético para os docentes e tem impactado diretamente a qualidade da formação acadêmica.

    Silvia Meirelles, professora do curso de jornalismo, graduação que acontece no turno da noite, conta que, antes de 2019, as saídas antecipadas dos alunos eram menos frequentes, mas com o tempo se intensificaram. A justificativa mais comum é a restrição de horários de ônibus. Muitos alunos alegam que se não pegarem o ônibus das 21h, a próxima opção é muito mais tarde (após as 22h) ou os obriga a andar trechos longos à noite, o que gera medo e insegurança, especialmente nas mulheres. Para a docente, lidar com essa situação é um dilema sem uma resposta certa.

     

    “Eu não sei se te dizer se é porque, depois da pandemia, tem menos ônibus, então os horários ficam mais restritos, ou porque, se depois da pandemia, o jeito dos alunos se relacionarem com esse momento de aula presencial mudou por causa da vivência que tiveram….[] Então, acho que tem sim a questão do ônibus, acho que ele interfere, mas também tem essa relação com a aula presencial que mudou”, relata Silvia.

     

    O movimento de saída, com o barulho de abrir e fechar portas, tira o foco e desconcentra tanto o restante da turma quanto a própria professora. O maior impacto acadêmico, segundo a professora, é a fragmentação do conteúdo, impedindo que os alunos completem o raciocínio que os docentes organizam para a aula e façam as relações necessárias para entender a complexidade dos temas abordados, tornando assim, mais difícil o aprendizado dos conteúdos vistos em aula.

     

    “Isso é um dilema dilema ético. Então, usar a estratégia da chamada para segurar as pessoas não garante que as pessoas estão acompanhando aquele raciocínio, e não garante que elas estão ali, que elas realmente estão prestando atenção ou estão fazendo as relações necessárias para produzir sentido sobre aquilo ali que tá sendo trabalhado.”

     

    O cotidiano dos estudantes que lidam com o transporte

    A estudante de Letras do Campus Anglo (UFPel), Letícia Brum, que utiliza o transporte da linha FAMED, confirma que precisa sair frequentemente para pegar o ônibus das 21h30. Se perder esse horário, ela espera o próximo após as 22h e chegaria em casa por volta das 22h45, após uma caminhada de 10 a 15 minutos. Para a estudante, isso é uma perda de momentos onde surgem explicações importantes, como exercícios ou atividades, onde o seu aprendizado é prejudicado.

    Otávio Da Rosa dos Santos, também estudante de Letras, relata que precisa sair mais cedo pois o horário das 22h20 é muito tarde. Ao sair cedo, perde explicações finais e entregas de trabalhos.

    A indignação é compartilhada entre os alunos e até mesmo com alguns docentes, que enxergam nessa realidade uma falha estrutural da universidade. A ausência de um transporte eficiente e de medidas que garantam a permanência noturna tem comprometido o aprendizado e a segurança dos estudantes. O problema, que afeta diretamente o rendimento e o bem-estar, gera frustração em professores que veem suas aulas esvaziarem antes do fim e em alunos que precisam escolher entre aprender ou chegar em casa com segurança.

     

    O que fica após esta reportagem é o questionamento sobre os papéis e responsabilidades de cada parte envolvida. Até que ponto o docente exerce empatia ao compreender que o ensino pode ir além da sala de aula e inclui o cuidado com a segurança e o bem-estar do estudante? Quanto esforço é exigido do aluno que precisa deixar a aula antes do fim para garantir o próprio retorno em segurança? E, diante dessa realidade, qual é o papel da universidade, enquanto instituição pública, em buscar soluções que assegurem condições de permanência para todos?

     

     

  • ONG Alimentar: solidariedade que se renova a cada domingo em Pelotas

    Fundada em 2021, a ONG Alimentar em Pelotas transforma a vida de centenas de pessoas com marmitas, assistência social e vínculos de carinho, ultrapassando 30 mil refeições distribuídas.


    Por Alenka Wyse, Emily Alves e Jackson Moura

    Fachada da sede da ONG Alimentar na Rua Dr. Miguel Barcellos, centro de Pelotas. / Foto: Alenka Wyse

    Em uma cozinha na Rua Dr Miguel Barcellos, no centro de Pelotas, panelas fervem desde cedo aos domingos. O cheiro de comida fresca se mistura ao som de risadas e ao vai e vem dos voluntários. É ali, na sede da ONG Alimentar, que a solidariedade ganha forma e de onde parte a esperança que chega a centenas de pessoas todas as semanas.

    Fundada em dezembro de 2021, em meio à pandemia, a ONG nasceu do desejo da diretora Carla Cristina Iriart de transformar a realidade de quem mais precisa. Desde então, o grupo atua sem pausas, realizando ações semanais e atendendo cerca de 250 pessoas todos os domingos no Parque Dom Antônio Zattera. 

    Quando questionada sobre o que a inspirou, Carla se emociona ao lembrar das raízes da sua solidariedade: “Eu sempre tive uma visão dos meus pais. Eles sempre foram pessoas muito solidárias, mesmo enfrentando situações difíceis. Meu pai e minha mãe ajudavam os outros durante enchentes, no frio, na chuva. Cresci vendo aquilo, e acho que foi isso que me fez querer ajudar o próximo.”

    Bandeira da ONG Alimentar em dia de distribuição de refeições no Parque Dom Antônio Zattera, em Pelotas. / Foto: Jackson Moura

    A sede da ONG abriga uma cozinha comunitária totalmente equipada, onde são preparadas as marmitas que chegam às ruas. Ali, também são realizadas atividades fixas que vão muito além da alimentação. Às terças-feiras, a ONG oferece atendimento jurídico, psicológico e assistência social, realizados por profissionais voluntários. Já às quartas-feiras, ocorre a distribuição de roupas e o Projeto Sementes de Luz, voltado ao apoio pedagógico e recreativo de crianças da comunidade.

    O bazar solidário, realizado periodicamente, é uma das principais fontes de arrecadação para manter os projetos em andamento. As peças são doadas pela comunidade e vendidas a preços simbólicos, garantindo que o dinheiro arrecadado retorne diretamente para a compra de alimentos e para a manutenção da cozinha.

    Espaço do bazar solidário da ONG Alimentar, uma das principais fontes de arrecadação para a manutenção dos projetos. / Foto: Alenka Wyse

    Quando o domingo chega, o trabalho se intensifica. É o momento em que os voluntários se reúnem para preparar as refeições e organizar as doações, recebendo dezenas de pessoas em situação de vulnerabilidade. Cerca de 250 marmitas são distribuídas. Em datas especiais, como Natal, Ano Novo ou Dia das Crianças, esse número pode ultrapassar 300 atendimentos.

    As marmitas incluem arroz, feijão, massa, proteína, salada, sobremesa e pão, alimentos obtidos por meio de campanhas e doações da comunidade. Segundo Carla, o cuidado com a alimentação é essencial: “Aqui a gente entrega uma marmita, um suco, uma sobremesa e o pão. As pessoas geralmente conseguem pegar uma repetição, porque a gente se preocupa em garantir que elas tenham o que comer mais tarde, na hora da janta.”

    A diretora Carla Cristina Iriart com as marmitas prontas para a distribuição dominical no Parque Dom Antônio Zattera. / Foto: Jackson Moura

    Além da comida, há atividades de recreação para crianças, corte de cabelo, empréstimo de livros e apresentações artísticas, mostrando que o alimento vai muito além do prato.

    A preparação é dividida em duas equipes: uma formada por voluntários fixos da ONG e outra composta por integrantes da CAEX (Comunidade Terapêutica), instituição parceira que também recebe apoio de Carla. Os jovens da CAEX, próximos de concluir o tratamento, ajudam na cozinha quinzenalmente,  uma troca de experiências e afeto que transforma a todos.

    Entre os colaboradores está Augusto Renato Vieira, que se juntou à ONG há oito meses. Para ele, o voluntariado é uma experiência profundamente pessoal. “Na verdade, eu faço isso por mim. A reação das pessoas é apenas a consequência”, explica Augusto.

    O voluntário Augusto Renato Vieira serve as refeições durante uma das ações semanais da ONG Alimentar. / Foto: Jackson Moura

    Mais do que comida, a ONG oferece presença e escuta. Muitos dos atendidos não apenas se alimentam, mas permanecem no local conversando, compartilhando histórias e recebendo afeto. Para Carla, é esse vínculo humano que torna o trabalho tão significativo: “O amor que a gente dá para essas pessoas é perceptível. Elas almoçam e ficam com a gente. É o carinho, o amor, o respeito, o acolhimento. Muitas vezes recebo depoimentos de quem já está em uma vida melhor e volta para agradecer. Isso faz as pessoas mudarem de vida.”

    Ao longo desses quatro anos de atuação, a Alimentar já distribuiu mais de 30 mil marmitas, cerca de 13 mil por ano, e segue crescendo. Todas as ações são organizadas via grupo de WhatsApp, que reúne mais de 50 voluntários. Cada um contribui como pode: doando alimentos, cozinhando, servindo ou simplesmente estando presente.

    Em tempos de individualismo e pressa, a ONG Alimentar mostra que ainda há espaço para o amor e a partilha. É nas pequenas atitudes e no cuidado com o outro que Pelotas encontra motivos para acreditar em dias melhores.

    Carla Cristina carrega as doações em dia de ação. A frase em sua camisa resume o espírito da ONG Alimentar: “De costas pro escuro, de frente pra luz”. / Foto: Jackson Moura

    ONG Alimentar

    Endereço: Rua Dr Miguel Barcellos, 392, Centro – Pelotas (RS)
    Instagram: @ong.alimentar

     

  • O cenário das pessoas em situação de rua na cidade de Pelotas

    Histórias de vulnerabilidade e de iniciativas que transformam realidades para além das ruas

     

    Por Andrine Teixeira, Isadora Alcantara e Larissa Rodrigues

     

    Pelas ruas do centro de Pelotas, é impossível não notar a presença de pessoas em situação de rua dormindo em calçadas, pedindo ajuda nos semáforos ou procurando restos de comida no lixo. Ainda assim, o que salta aos olhos de quem passa parece não provocar reações duradouras do poder público. Todos os dias, a cidade convive com a vulnerabilidade à céu aberto, mas responde a ela com silêncios, preconceitos e ações pontuais que destacam ainda mais o que já existe. 

     

    Enquanto faltam políticas permanentes de acolhimento, sobram discursos que reduzem o problema a questões como “falta de vontade de trabalhar”, “vagabundos” ou “falta de vergonha na cara”, mas o que falta são oportunidades para essas pessoas. Essa visão simplista ignora a complexidade social, econômica e de saúde mental que empurra pessoas para as ruas e as mantém nelas. O resultado é uma população invisibilizada, que sobrevive entre a indiferença e o esforço de projetos voluntários que tentam preencher, sozinhos, o vazio deixado pelas autoridades.

     

    O início de tudo

    As trajetórias de quem vive nas ruas de Pelotas são tão diversas quanto dolorosas. Segundo os profissionais que atuam diretamente com essa população, como as equipes do Centro Pop (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua) e da Casa de Passagem, há um conjunto de fatores que se entrelaçam e empurram essas pessoas para fora do convívio social: conflitos familiares, uso abusivo de substâncias, perda de vínculos afetivos, doenças mentais e a desorganização da vida após crises pessoais ou financeiras. 

     

    Para os mais jovens, geralmente na faixa dos vinte anos, a ruptura costuma começar dentro de casa. Pequenas brigas com os pais, o uso de drogas, tanto as lícitas quanto ilícitas, ou a simples falta de diálogo acabam se transformando em expulsões. E muitos não encontram outra alternativa, senão viver nas ruas após saírem de casa. 

     

    Já entre os homens mais velhos, com mais de trinta e cinco anos, é comum que o ponto de virada seja uma separação conjugal. A perda da parceira, da casa e da estrutura familiar gera um vazio que, somado à falta de apoio emocional, empurra para a vulnerabilidade extrema. Em quase todos os casos, os vínculos familiares se encontram rompidos ou gravemente fragilizados e quando não há mais quem ofereça ajuda, a rua se torna o único espaço a ser ocupado.

     

    Mais de 80% das pessoas em situação de rua são homens / Foto: Larissa Rodrigues

     

    Entre outros fatores que fazem com que essas pessoas estejam nas ruas estão perda de renda e habitação. A desorganização financeira vem acompanhada do desânimo, e muitas vezes, de transtornos emocionais que impedem que essas pessoas sigam firmes e fortes na busca por se reerguer. Sem endereços fixo e documentos atualizados, se torna inviável retornar ao mercado de trabalho. 

     

    O uso abusivo de substâncias é outro ponto central que leva essas pessoas às ruas. A maioria dos usuários se autodeclara dependente, os profissionais que atuam na Casa de Passagem destacam que o álcool, muitas vezes, é mais nocivo que drogas ilícitas. Ele é visto como o início de uma cadeia que leva a outras substâncias e seu uso constante faz com que muitos percam o controle da própria rotina. 

     

    E estar nas ruas é mais do que lidar com fome ou frio: é enfrentar diariamente o preconceito enraizado na sociedade. Para muitos, a violência simbólica pesa mais do que a física. A sociedade tende a associar a figura do morador de rua a estigmas danosos. Os “invisíveis visíveis” são vistos apenas quando despertam desconforto, aparecem em manchetes ou interferem na rotina urbana. Suas existências complexas são reduzidas a caricaturas sociais e esse é o primeiro muro que precisa ser derrubado para que exista a verdadeira inclusão e dignidade que esses indivíduos têm por direito.

     

    Histórias por trás da exclusão

    Almir Bastos frequenta a Casa de Passagem e o Centro Pop há um longo período, desde a sua fundação, em 31 de março de 2012. “É tempo, né? É muito tempo”, afirmou. No antigo modelo, não era permitida a permanência das pessoas na instituição, sendo necessário achar um outro local para dormir após três noites, independente da temperatura e situação. “Aqui é uma maravilha. Para quem está nessa situação de rua, não tem nada melhor. Alimentação, uma boa cama para dormir, banho, até roupas eles nos dão aqui. O tratamento, os funcionários, é tudo 100%”, compartilhou Almir. 

     

    Aos 13 anos de idade, Lavínia Pereira, hoje com 27, pegou um ônibus na cidade de Arroio Grande com destino a Pelotas. O objetivo era apenas um: sair de casa. Após se assumir uma mulher travesti, a família não foi capaz de reconhecer Lavínia enquanto mulher, gerando conflitos e o rompimento do vínculo familiar. Ao chegar em Pelotas, a amiga que havia ficado de recebê-la não apareceu, nem no dia seguinte, nem no próximo. Após três dias dormindo na rodoviária, ela começou a caminhar sem rumo, em direção ao centro, foi quando encontrou uma outra travesti que a acolheu. “Foi aí que conheci a rua, conheci a droga. É a minha primeira vez em uma casa de passagem. Eu sempre consegui fazer por mim, só que eu comecei a usar e o pouco que eu tinha a droga começou a me tirar. Eu queria droga, eu não queria correr atrás de nada”, destacou Lavínia. 

     

    Ela compartilha o quão difícil foi aceitar a situação e procurar suporte no Centro Pop, “Deus que eu me perdoe, eu não sou morador de rua, então não preciso”, dizia.  A partir de algumas refeições no espaço, passou a frequentar a casa de passagem, e afirma que isso a ajudou a diminuir o consumo de substâncias químicas. “Eu continuo sendo usuária, mas aqui dentro eu consigo manter um foco maior na minha vida, tendo a oportunidade de fazer todas as minhas refeições. Antes, a droga tirava a minha fome”, relatou.

     

    O Centro Pop é um dos serviços oferecidos às pessoas em situação de rua na cidade / Foto: Larissa Rodrigues

     

    Lia Maria Hepp, natural de Arroio Grande e com 29 anos, é uma mulher trans que carrega uma trajetória marcada por vulnerabilidade desde a infância. Na adolescência, se reconheceu enquanto mulher trans e começou sua transição muito cedo, aos 13 anos. “Eu me assumi com 13 anos, quando entendi quem eu era de verdade”, conta.

     

    A falta de acolhimento dentro de casa dificultou esse processo. Lia relata que, aos 16 anos, acabou se afastando da família e entrando em contato com drogas, o que se tornou uma tentativa de lidar com dores profundas: “Eu me enganei nas drogas achando que era um jeito de vencer a vida, de disfarçar a dor”. Ela explica que não percebeu o quanto sua vida estava se desestruturando: “A gente não vê o castelo desmoronando. É como construir um muro, uma hora cai”. 

     

    Com o tempo, Lia chegou a situação de rua. Lá, enfrentou riscos constantes, instabilidade e perdas, mas destaca que foi nesse período difícil que também despertou sua força e resistência: “Cair na rua me fez uma guerreira. Hoje eu agradeço a Deus porque eu tô viva”. 

     

    O acesso ao Centro Pop e à Casa de Passagem marcou um ponto de virada, no qual ela encontrou acolhimento, orientação e a chance de reconstrução. “Aqui eu posso respirar. Aqui eu encontrei gente que quer ajudar”, diz Lia reconhecendo a importância do serviço na sua caminhada de retomada: “Eu agradeço o trabalho deles. Tem muita gente mobilizada para ajudar. Muita gente boa.”

     

    Com os animais, ela construiu uma nova família, encontrando o vínculo afetivo. “Meus cachorros são uma benção, porque eu só tenho eles. Eu gosto de estar na paz, na solidão, e eles me fazem companhia. Não vejo a hora de ir embora pra ficar com eles”, conta. Hoje, ela tenta se manter longe das drogas, projeta um futuro com mais estabilidade e acredita no seu próprio recomeço: “Eu tô viva, então ainda posso florescer”.

     

    Saúde mental: um desafio nas sombras

    De acordo com o relatório “Depressão e outros transtornos mentais”, publicado pela Organização das Nações Unidas em 2022, o Brasil tem a maior prevalência de pessoas com depressão na América Latina. Os dados apontam que 5,8% da população, cerca de 11,7 milhões de brasileiros, sofrem da doença. A nível continental, o país está apenas atrás dos Estados Unidos, em que 5,9% da população sofre com depressão. 

     

    À primeira vista, essa informação parece generalista. Quem são esses brasileiros? A que locais pertencem? São trabalhadores ou estudantes? Diversos questionamentos podem ser feitos acerca desse ponto, mas essa mesma generalização permite compreender que qualquer brasileiro pode ser abrangido neste grupo. Inclusive, pessoas em situação de rua.

     

    Após as entrevistas realizadas no Centro Pop, buscávamos uma figura específica: algum psicólogo responsável por realizar atendimentos com os usuários do serviço. Afinal, escutando relatos de 3 indivíduos em situação de rua, precisávamos entender, um pouco, o lado psicopatológico dos entrevistados. No fim da nossa visita à instituição, encontramos Edmundo Moraes Bitencourt, psicólogo na Prefeitura do município. 

     

    A conversa ocorreu em uma troca de mensagens que, apesar de breve, foi uma forma esclarecedora de compreender a realidade da saúde mental das pessoas em situação de rua. Como mencionado anteriormente, o abuso de substâncias é uma das principais doenças entre esse grupo. Contudo, é válido apontar que doenças infecto contagiosas, transtornos mentais e deficiências físicas são apresentadas em maior quantidade na população de rua do que na população geral.

     

    Todas as condições citadas – especialmente as de natureza psíquica – causam impacto na vida destes indivíduos, estejam eles conscientes disso ou não. “O cotidiano de sofrimento comunitário mascara muito da condição mental nas populações em geral. Como reclamar da situação de rua para outra pessoa que está na mesma condição?”, pondera Edmundo. 

     

    Essa normalização da dor foi observada nos relatos coletados: vidas que percorreram caminhos infelizes e histórias narradas como se fizessem parte de uma conversa casual. Indivíduos que, uma vez submetidos às adversidades extremas, precisam lidar com estresse, agressividade e desespero à flor da pele, sem talvez entender a dimensão do que sentem e enfrentam. A observação é reiterada pelo psicólogo “O impacto é óbvio, mas como em uma favela ou campo de concentração, é naturalizado entre eles”, finaliza.

     

    Mesmo que a saúde mental não seja colocada entre os problemas de maior relevância para pessoas em situação de rua, quando comparada ao frio e à violência, ela não é completamente esquecida. Os assistentes sociais entrevistados contam que, em momentos de exposição e vulnerabilidade, como rodas de conversas entre o grupo, as pessoas compartilham, timidamente, pensamentos e sentimentos sobre a situação em que estão. Esses indivíduos não devem ser restringidos dos debates sobre saúde menta. Afinal, estão entre as populações que mais necessitam dos serviços terapêuticos oferecidos.

     

    Redes de acolhimento do serviço público

    Pelotas mantém uma rede permanente de acolhimento voltada à garantia de direitos, acesso a serviços e reconstrução de vínculos sociais. O trabalho é coordenado pela Secretaria de Assistência Social (SAS). O Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua, o Centro Pop, funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e oferece alimentação, banho, lavanderia, espaço de descanso, escuta qualificada e encaminhamentos para outros serviços. No local, as pessoas têm acesso a atendimento psicológico e social, participam de oficinas de convivência e podem receber auxílio para emissão de documentos, inscrição em programas de renda e cursos de qualificação. O objetivo é fortalecer vínculos e promover a reinserção social e econômica dos usuários.

     

    Já a Casa de Passagem funciona à noite, abre às 17h e permite entrada até às 23h, oferecendo acolhimento temporário para até 100 pessoas, um número que pode ser ampliado em períodos de frio. O espaço dispõe de refeições, chuveiros, lavanderia, dormitórios e roupas de cama, contando com educadores e assistentes sociais.

     

    Prédio que acolhe o Centro Pop e a Casa de Passagem em Pelotas / Foto: Larissa Rodrigues

     

    Além disso, uma equipe atua diariamente nas ruas com buscas ativas e encaminhamentos de pessoas em vulnerabilidade para o Centro Pop e a Casa de Passagem. O serviço identifica demandas urgentes, como situações de risco, doenças, dependência química ou rompimento de vínculos familiares, garantindo atendimento e acolhimento adequado. “Os profissionais oferecem o serviço público de acolhimento; entretanto, pessoas em situação de rua têm livre arbítrio como qualquer ser humano, cabendo a elas decidir se irão ou não acessar o espaço”, afirma a coordenadora do Centro Pop, Taís Mendes. Os serviços são gratuitos e podem ser acessados diretamente na rua Senador Mendonça, 269.

  • Rede de apoio e transformação: conheça o trabalho da APAE em Pelotas

    A APAE, Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais, trabalha na cidade há 63 anos como rede de apoio às pessoas com Deficiência Intelectual, Deficiência Múltipla e seus familiares.

    Por Bruna Farias e Renata Ávila

    Banner na fachada da APAE mostrando todos os serviços educacionais que a Associação oferece/Foto: Bruna Farias

    Criada em 1954 no Rio de Janeiro, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) é a maior rede de apoio às Pessoas com Deficiência Intelectual ou Deficiência Múltipla do Brasil, com mais de 2 mil unidades espalhadas pelo país. Em Pelotas, no Rio Grande do Sul, a unidade da APAE oferece serviços para centenas de crianças e suas famílias em três áreas: educação, saúde e assistência social.

    A Associação realiza atendimento educacional especializado através da Escola Especial Joaquim Gonçalves Ledo, localizada na sede da entidade, contando com turmas do primeiro ao nono ano do ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA). No local, são realizadas diversas atividades visando estimular o aprendizado e a socialização dos alunos.

    Além das atividades desenvolvidas na escola, a APAE também oferece serviços de assistência social e serviços de saúde, como fisioterapia, neurologia, psicologia, psicopedagogia e equoterapia (terapia com assistência de cavalos). Porém, como explica a Diretora da Escola Especial da APAE, Geane Dias, cada tipo de trabalho realizado na entidade possui diferente meio de ingresso. “Para ter acesso aos serviços de educação, é possível procurar diretamente na nossa secretaria aqui na APAE ou é possível ser encaminhado por algumas escolas, ou até mesmo pela Secretaria de Educação. Para os serviços de saúde, a família deve procurar a Unidade Básica de Saúde [UBS] da sua comunidade, o postinho do seu bairro, e pedir encaminhamento para as terapias da APAE, que são encaminhados via Secretaria de Saúde”.

    Crianças se divertem em atividades lúdicas de desenho e brincadeiras na APAE/Foto: Giulia Lemons/Agência Marte

    Ao longo de suas seis décadas de atuação, a APAE já transformou a vida de centenas de crianças no município. O trabalho da Associação vai além do cuidado com a saúde física e mental dos assistidos, se preocupando também com o bem-estar de suas famílias, fazendo com que seja criada uma rede de apoio entre pais e responsáveis. Para Carmen Heloisa da Silva, mãe de uma das crianças atendidas pela APAE, o suporte dado pela entidade e o apoio entre as famílias é essencial. “Nós familiares que temos crianças especiais, precisamos de muito apoio. A gente começa não sabendo de muita coisa. Então, a APAE além de ajudar as crianças, ela dá apoio à família. Para todos os familiares, que aqui são mães, pais e avós”, relata.

    Carmen conta também que foi com o auxílio dos serviços da Associação que sua filha, que possui Paralisia Cerebral e Transtorno do Espectro Autista, começou a andar. “Ela chegou aqui sem conseguir se afirmar, ficar em pé. Não caminhava, andava apenas de cadeira de roda. Hoje já caminha sozinha, fala algumas palavras, poucas, mas fala. Então, a ajuda foi enorme de todos os profissionais que tem aqui”.

    Segundo a fisioterapeuta da APAE, Daniele Lucena, a fisioterapia tem grande impacto na área neuro-infantil, proporcionando mais bem-estar para os pacientes, conforme suas necessidades. “Para cada criança é algo individual, mas posso dar exemplo que, alguns cadeirantes vem para a APAE e a oportunidade que a gente tem de tirar eles da cadeira e estimular eles é na fisioterapia. Já para os autistas, a gente proporciona algo diferente das outras terapias, focando mais na parte motora”, conta a fisioterapeuta.

    Se mantendo principalmente por meio de doações da sociedade, a APAE aceita desde doações de roupas e materiais escolares até ajuda financeira de qualquer valor. As doações podem ser feitas diretamente na sede da associação, localizada na Rua Olga Eiffler, nº 220, ou pelo telefone (53) 3307-5137. Demais informações podem ser encontradas nas redes sociais da APAE (@apae_pelotas).

     

  • A gente vai pra onde?

    A gente vai pra onde?

    Famílias atingidas pela enchente na Nesga enfrentam risco de despejo após 9 meses de espera

    Por Gabrielle Peres, Pedro Vargas e Nátalli Bonow

    Na Nesga, o tempo parece ter parado desde as enchentes que atingiram o estado no ano passado. Entre casas improvisadas e lembranças do que foi perdido, a comunidade vive à espera de uma promessa: uma nova moradia garantida pelo Programa Compra Assistida, do Governo Federal.

    Segundo os moradores, em dezembro de 2024, foi informado que eles teriam 60 dias para indicar móveis de até R$ 200 mil dentro de Pelotas para que fossem comprados por meio do programa. Em fevereiro, as residências escolhidas foram vistoriadas, mas o processo travou – os registros não foram feitos e ninguém recebeu retorno.

    Esperança de moradia abalada

    Desde então, a esperança foi sendo substituída pela insegurança. Em julho deste ano, famílias da rua Nova Prata foram surpreendidas com um ofício de reintegração de posse, pedindo que deixassem o local.

    Amilton, que vive há 11 anos na Nesga, nos contou a forma em que foi abordado pelo agente de justiça. “Nós estávamos em casa, aqui sentados, e chegou o senhor de justiça entregando esse papel, que nós tínhamos 15 dias para procurar um advogado, defensor, e se nós não arrumássemos algum advogado, 45 dias para levantar acampamento”.  

    A aparente indiferença de quem representa o Estado e a falta de respostas sobre o andamento do programa resulta em um medo constante de se perder o pouco que resta. “A gente deita a cabeça num travesseiro, arriscando amanhã eles chegarem aqui e ter que sair”, completa Amilton. 

    Além da incerteza sobre a entrega das casas para quem foi abarcado pelo Compra Assistida, também não se sabe para onde vão os moradores que não foram amparados pelo programa. 

    Esse é o caso da Carol, moradora que relata residir e trabalhar no Laranjal há 20 anos, tendo também os seus filhos em escolas da praia, o que dificulta a realocação para outros bairros. “Não adianta eles tirarem a gente daqui e socar a gente em qualquer buraco, né?”

    “Estão comentando que a gente queria arrumar a casa, mas não, a gente fica com medo de gastar, investir, e amanhã depois, do nada, eles chegarem e tirarem. E aí fica essa dificuldade, fica sem certeza. A gente vai pra onde?”, completa Carol. 

    Rua da Nova Prata, na Nesga / Foto: Pedro Vargas

     

    Histórias que se repetem

    Entre as famílias que tentam se reerguer, estão Solange Costa e Edson Santos, que perderam tudo na Barra do Laranjal durante as enchentes de 2024. O casal alugou uma casa na rua Nova Prata, sem saber que o imóvel estava dentro da área de reintegração. “Eu estava lá na Barra e perdi tudo. Quando aluguei, o proprietário não me falou nada, só depois é que eu fiquei sabendo. É brabo porque eu já passei por tanta coisa, sabe? Ter que novamente procurar outro lugar”, desabafa Solange.

    Solange relembra dificuldades vividas na enchente de 2024. / Foto: Pedro Vargas 

     

    A insegurança não para por aí. “Já são cinco mudanças desde que aluguei aqui. Fora na Barra, que passei por três casas já. Todas perdi tudo também”, completa, mostrando o quanto a instabilidade mexe com a vida de quem já sofreu tanto.

    Solange e seu marido, Edinho / Foto: Pedro Vargas

     

    Processo de governos passados 

    Em resposta a situação, a Prefeitura de Pelotas diz que o pedido de reintegração de posse ao Ministério Público foi feito em gestões anteriores.  

    Ainda segundo a prefeitura, uma audiência pública foi feita com os moradores e o entendimento do governo atual é que o sistema de proteção do Laranjal, aprovado pelo FUNRIGS, não depende da desocupação das famílias que vivem na rua Nova Prata e em áreas verdes próximas.   

  • Cuidativa: uma década de cuidado e a esperança do primeiro Hospice da região Sul

    Desde 2016, a Cuidativa tem se tornado referência em cuidados paliativos na região Sul do Rio Grande do Sul. Vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a iniciativa ocupa o prédio da antiga Fábrica de Lãs, localizado na avenida Duque de Caxias nº104, e funciona como uma unidade-dia, oferecendo atendimento gratuito e humanizado a pacientes que convivem com doenças ameaçadoras da vida. Hoje, o centro acompanha cerca de 350 pessoas, o que representa em torno de 1.300 atendimentos mensais.

    À frente da equipe está Julieta Fripp, médica paliativista, diretora da FAMED e coordenadora do projeto. Ela lembra que o propósito da Cuidativa é “aliviar o sofrimento humano na sua integralidade, atendendo os aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais”, filosofia inspirada no conceito de “dor total”, criado pela médica inglesa Cicely Saunders, pioneira mundial dos cuidados paliativos.

    Julieta Fripp

    Um novo passo: o Hospice da Cuidativa

    A ideia de criar um Hospice em Pelotas começou a tomar forma entre 2008 e 2010. Segundo Julieta, a proposta nasceu da necessidade de oferecer aos pacientes uma estrutura de internação diferente do ambiente hospitalar tradicional.

    “Começamos a pensar numa estrutura que pudesse acolher os pacientes em regime de internação, mas diferente do ambiente hospitalar. Queríamos um lugar que tivesse um aspecto de casa, que fosse acolhedor e humano”, explica.

    Inspirado em modelos internacionais, especialmente no St. Christopher’s Hospice, na Inglaterra, berço do movimento moderno dos cuidados paliativos, o projeto busca unir acolhimento, dignidade e cuidado especializado.

    O Hospice da Cuidativa integrará o próprio centro regional de referência, ampliando o alcance do serviço para pacientes em estágios avançados de doenças graves. O espaço, com cerca de 1.600m², contará com 20 leitos de internação, salas de enfermagem e de procedimentos, áreas de convivência, jardim, cozinha e um espaço acadêmico voltado à formação de profissionais na área.

    Imagem: Reprodução

    Obra avançada, mas ainda em busca de apoio

    As obras começaram em 2014 e, segundo Julieta, a estrutura já está 90% concluída. O desafio agora é finalizar a urbanização e os acessos externos, o que depende de novos recursos.

    “Precisamos concluir esse restante que falta. O cálculo orçamentário aponta que ainda são necessários cerca de três milhões de reais”, detalha.

    Nos últimos meses, o projeto recebeu reforços importantes: uma emenda de R$ 1 milhão da deputada federal Maria do Rosário e outra de R$ 500 mil da deputada estadual Stella Farias. A equipe da Cuidativa segue em campanha para captar os R$ 2,5 milhões restantes até o início de 2026.

    A expectativa é que, com o apoio da comunidade e de novos parceiros, o Hospice possa ser inaugurado em 2026, tornando-se a primeira estrutura do tipo na região Sul do estado.

    Mais do que uma obra física, o projeto simboliza o compromisso com o cuidado, o respeito e a dignidade de quem enfrenta o fim da vida.

  • Comunidade busca respostas sobre obras que alteram a rotina na Rua Marcílio Dias

    Por Isadora Jaeger e Maria Clara Goulart

    Esquina das Ruas Marcílio Dias e Avenida em obras, ao fundo a fachada da Escola de Ensino Fundamental São Luiz Gonzaga (Foto: Maria Clara Valério Goulart)

    Os moradores da Rua Marcílio Dias, uma das principais vias de acesso à “Prainha”, em Rio Grande, enfrentam mudanças na rotina devido a uma obra de drenagem e pavimentação executada pela prefeitura. A intervenção do executivo municipal busca resolver antigos problemas de alagamento agravados pela enchente de 2024, mas tem causado transtornos e insegurança para quem vive e circula pela região.

    Segundo informações de autoridades municipais, a obra prevê a substituição da antiga rede de drenagem pluvial, a instalação de novas tubulações e caixas de captação, além da reconstrução do pavimento asfáltico. No entanto, durante a execução, moradores relatam dificuldades de acesso, insegurança e transtornos diários.

    A Rua Marcílio Dias é predominantemente residencial e abriga instituições importantes, como a Escola São Luís, onde estudam dezenas de crianças e adolescentes do bairro. Alice Quevedo, de 14 anos, estudante da escola, conta que a rotina ficou bem mais difícil. “A gente anda pela calçada, mas tá cheio de pedras, terra e uns canos grandes atravessando o caminho. É difícil passar, principalmente quando chove, porque escorrega e suja tudo. Tem dia que nem dá pra ir pelo mesmo lado, tem que atravessar a rua ou vir pela rua de trás”, descreve.

    A mãe dela, Aline, complementa que atualmente a obra é um cenário preocupante de falta de segurança e organização. “Nós moramos aqui, na Marcílio Dias, e como ela estuda aqui também, todos os dias fazemos o trajeto a pé. Além dos buracos e do barro, colocaram banheiros públicos dos trabalhadores bem em frente à escola. É ruim pra quem passa ali todos os dias, principalmente pras crianças.”

    Banheiro químico colocado em frente a Escola de Ensino Fundamental São Luiz Gonzaga (Foto: Maria Clara Valério Goulart)

    Outra moradora, Márcia Helena Peres, que vive na rua desde a infância e trabalha em casa fazendo salgados para eventos, afirma que a intervenção sempre foi necessária, mas que sua rotina de trabalho foi afetada. “Essa rua sempre foi difícil. Antes mesmo da obra já tinha muita pedra solta, criava buraco e juntava água quando chovia. Quando a obra passou pela minha quadra, fizeram uma montanha de terra bem na frente da minha porta, ficou ainda mais complicado atender meus clientes que vêm buscar encomendas, eles não conseguem parar o carro e nem chegar direito na porta. A gente estava vivendo no meio da terra e do esgoto”.

    A situação tem se agravado ainda mais atualmente, apesar das quadras iniciais já estarem finalizadas. Obras paralelas também estão em andamento em ruas próximas, como a Avenida Portugal e a Rua Visconde de Mauá. Com os acessos parcialmente bloqueados, a Marcílio Dias virou a principal rota alternativa de ligação entre o Centro e os bairros. Isso fez aumentar o tráfego de veículos e, consequentemente, os transtornos.

    Motoristas e moradores reclamam da péssima condição de dirigibilidade, visto que, em algumas quadras, o asfalto não foi aplicado e, segundo os moradores, as equipes apenas realocaram pedras e terra, o que deixa o trajeto irregular e com riscos, especialmente após dias de chuva.

    Montanha de terra criada decorrente da obra realizada na rua Marcílio Dias. (Foto: Maria Clara Valério Goulart)

    “Essas partes que ficaram só com terra parecem mais um atoleiro. É perigoso pra quem anda a pé e até pros carros. O serviço parece inacabado”, comenta um comerciante que preferiu não se identificar.

    Embora reconheçam a importância da obra para evitar alagamentos futuros, os moradores cobram maior clareza sobre o cronograma e a fiscalização da execução. A Rua Marcílio Dias é um eixo de circulação essencial, e a sua paralisação prolongada afeta não apenas o bairro, mas toda a dinâmica de tráfego da região.

    O GPPE informou, em publicações nas redes sociais, que o projeto segue o cronograma estabelecido em contrato e que o trabalho é acompanhado tecnicamente por engenheiros do órgão. No entanto, não há divulgação pública detalhada sobre o prazo final e etapas de conclusão da obra.

    Enquanto isso, quem vive e trabalha na região segue aguardando que as melhorias prometidas se concretizem — e que a Rua Marcílio Dias volte a ser um caminho seguro e acessível para todos.

     

  • Obra de duplicação da ERS-734 avança e impacta o cotidiano em Rio Grande

    (Foto: Reprodução/O Litorâneo) 

    Com previsão de entrega para 2026, duplicação da rodovia muda o trânsito, gera expectativas e divide opiniões na comunidade rio-grandina.

    Por Bryan Sanches Kern

    A duplicação da ERS-734, que liga o centro de Rio Grande ao Balneário Cassino, é uma das intervenções viárias mais visíveis na cidade nos últimos anos e tem provocado mudanças palpáveis na rotina de moradores, motoristas e comerciantes. O projeto prevê a duplicação de 6,53 quilômetros da pista e recebe aporte estadual. Segundo o DAER, trata-se de uma obra estratégica para melhorar a segurança e mobilidade na entrada do município.

    Ao longo de 2025 as máquinas avançaram em diferentes frentes: instalação de drenagem, preparação de base e pavimentação da nova faixa, além de intervenções em acessos laterais e pontos de interseção. O governo estadual divulgou informativos sobre o andamento do serviço e vem apresentando a obra como parte de um pacote de investimentos na região Sul. Em reportagens e notas oficiais, o DAER e o Executivo do Estado têm destacado que uma parcela significativa do projeto já foi executada.

    As mudanças no traçado e as interdições temporárias alteraram o fluxo local: a Prefeitura de Rio Grande, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMMAS), publicou avisos sucessivos com orientações sobre desvios, trechos em mão-dupla provisória e pontos de afunilamento para proteger operários e manter o trânsito. Essas alterações buscam conciliar a continuidade das obras com a circulação de veículos e pedestres, mas exigem atenção constante dos condutores.

    Na prática, moradores relatam incômodos cotidianos: poeira, barulho de máquinas e a necessidade de rotas alternativas para chegar a serviços e comércios. Comerciantes da área também têm registrado queda no movimento em dias de bloqueio e apontam perda de clientela enquanto a execução atinge trechos urbanos. Autoridades locais afirmam que medidas de sinalização e abertura de acessos emergenciais foram adotadas para amenizar impactos, e há reuniões periódicas entre Prefeitura, DAER e executora para ajustar fluxos e minimizar transtornos.

    No campo administrativo, a obra passou por revisões contratuais: em outubro de 2025 noticiou-se que tramita um aditivo de prazo, motivado, segundo esses relatos, pela necessidade de desapropriações para inclusão de uma via marginal e por ajustes técnicos no trajeto, o que projeta a conclusão para meados de 2026, conforme reportagens locais que consultaram o DAER. Esse alongamento de prazo reacende debates sobre custos, cronogramas e os efeitos sociais das desapropriações.

    As desapropriações, aliás, já têm base legal, decretos estaduais anteriores declararam utilidade pública para fins de desapropriação de imóveis necessários à duplicação, procedimento técnico-jurídico comum em obras que implicam alterações no traçado urbano. A existência desses atos administrativos confirma que há trechos do projeto que exigem regularização fundiária antes da entrega final.

    Quanto aos benefícios esperados, técnicos e gestores apontam que a pista duplicada deve reduzir pontos de ultrapassagem perigosos, melhorar a fluidez no período de alta temporada e contribuir para a integração entre o porto, a malha viária e a área urbana, efeitos que tendem a se materializar de forma mais evidente após a conclusão e a entrega das obras. Entretanto, especialistas ouvidos por veículos locais lembram que ganhos de longo prazo dependem de qualidade na execução, manutenção futura e gestão do entorno urbano.

    (Foto: Reprodução/DAER-RS)

    Para quem vive à beira do canteiro, o sentimento é duplo. Há expectativa por uma estrada mais segura e moderna, mas também cansaço com o tempo de obra e com os transtornos enquanto o projeto não é finalizado. A administração municipal e o DAER dizem que continuam atentos às demandas, sinalização, aberturas emergenciais de acesso e diálogo com comerciantes, e que os próximos meses serão dedicados a concluir etapas críticas e a negociar as questões fundiárias pendentes.