Artigo novo: Hiperpartidarismo, Desinformação e Conversações Políticas no Twitter nas Eleições de 2018

Principais pontos:

  • Pesquisa realizada no Twitter mostra que a desinformação aumentou do primeiro para o segundo turno das eleições de 2018, fortemente associada à polarização política das conversações.
  • Essa desinformação foi também associada à presença de veículos hiperpartidários que ganharam mais espaço nas conversas, ao mesmo tempo em que os veículos jornalísticos perderam espaço.

Overview

Recebemos o aceite (ICWSM-2020) para publicação de mais um artigo com resultados da pesquisa sobre desinformação e as eleições de 2018.  Este artigo (que estará disponível em breve)  trata do papel dos sites hiperpartidários e da polarização no espalhamento de desinformação no Twitter.  Sites hiperpartidários são aqueles que divulgam apenas informações que favorecem um certo partido, viés político ou candidato, geralmente travestidos de “notícias”, porém enviesadas.  Neste trabalho, mostramos três coisas: (1) Um contexto extremamente polarizado das conversações no período eleitoral; (2) Forte associação entre os veículos hiperpartidários e desinformação (notamos a presença conteúdo manipulado ou enganoso, principalmente, mais do que conteúdo fabricado); (3) Neste contexto, os veículos hiperpartidários circularam cada vez mais conforme as eleições se aproximavam, enquanto os veículos informatívos mais legítimos, como jornais, cada vez menos, principalmente no grupo de apoio ao atual presidente. Essa tendência ocorreu nos dois grupos.

Nesse trabalho, portanto, argumentamos que a circulação de veículos hiperpartidários está sim associada à desinformação em um determinado grupo, e que em contextos polarizados, as pessoas tendem a dar maior visibilidade para informação  que favorece seus próprios pontos de vista em detrimento de conteúdo jornalístico (que supostamente tem informação que foi apurada).

Método

Este trabalho traz resultados baseados em um conjunto de mais de 8 milhões de tweets em português coletados durante a última semana do primeiro e do segundo turno das eleições de 2018. Para discutir os dados, usamos uma combinação de métodos denominada “métodos mistos”.

Para a análise da polarização, utilizamos análise de redes e algoritmos que calculam a tendência de todos os nós em pertencerem ao mesmo grupo a partir de seus retweets e citações (você tende a estar mais próximo das pessoas que retuita/comenta). Analisamos a tendência desses grupos de continuarem conectados em cada turno das eleições medindo níveis de conectividade. Dentro dos grupos que identificamos, analisamos a influência dos nós a partir do número de citações.

Também usamos outro método de análise de conceitos (Connected Concept Analysis) para verificar os termos que mais co-ocorrem em conjunto em cada um dos grupos (clusters) identificados, de modo a perceber sua filiação política.

Finalmente, analisamos qualitativamente os  veículos com maior influência em cada grupo (108 no primeiro turno e 92 no segundo), classificando-os em veículos hiperpartidários ou jornalísticos, de acordo com o tipo de conteúdo que divulgavam. Também observamos os 20 últimos tweets de cada uma dessas contas, de modo a identificar desinformação.

Resultados

Como explicamos, há uma forte tendência à polarização dessas conversações. Ou seja, em todos os mapeamentos que fizemos, há uma tendência à formação de dois grupos nessas conversações, aqueles que apoiaram o atual presidente e aqueles que eram contrários à sua eleição. Nas imagens abaixo temos a comparação dos grupos presentes no primeiro e no segundo turno, o grupo vermelho favorável ao candidato Bolsonaro e o azul, contrário.

Grupos no primeiro turno

Grupos anti (azul) e a favor (vermelho) de Bolsonaro no primeiro (acima) e no segundo turno (abaixo).

Esses grupos tornam-se mais fechados com a aproximação do turno final. É importante também ressaltar que denominamos os grupos como favoráveis e contrários ao atual presidente porque não aparece, no grupo contrário, com tanta força, o candidato da oposição, mas sim, o sentimento contrário a Bolsonaro.

No entanto, essa polarização também facilita a circulação de veículo hiperpartidários, que consideramos , de acordo com a literatura, aqueles que  (1) apoiam claramente uma ideologia, partido, candidato ou viés político; (2) apresentam o foco do seu conteúdo como “verdade” ou “notícia” ( ou a “verdade alternativa” à mídia tradicional); (3) usam de sensacionalismo e linguagem emocional no conteúdo e; (4) produzem/compartilham informações tendenciosas e enviesadas.

Nas imagens a seguir, vemos os veículos hiperpartidários (em vermelho) e os veículos jornalísticos (em preto). Em ambos os casos, os veículos hiperpartidários ganham centralidade nos dois clusters enquanto os veículos noticiosos perdem espaço (e vão para a periferia do grupo). No entanto, a centralidade dos veículos hiperpartidários é maior entre os apoiadores do atual presidente (círculo).

Circulação de veículos hiperpartidários e jornalísticos nos grupos durante o primeiro (acima) e o segundo turno (abaixo).

Finalmente, também analisamos a quantidade de desinformação que circulou nesses grupos. O resultado foi que, conforme aproximou-se a data do 2o turno, mais desinformação circulou nos dois grupos. Porém, o número total é maior no cluster de apoiadores do que no de detratores.

Circulação de desinformação pelos veículos hiperpartidários no primeiro e no segundo turno nos dois grupos.

Relevância

A mídia social tem uma importância extraordinária nas eleições de 2018 no Brasil. O candidato Bolsonaro, por exemplo, tinha pouquíssimo tempo na mídia de massa, enquanto o candidato Haddad tinha o maior tempo. A campanha do atual presidente foi, assim, realizada em larga medida no Facebook e no Twitter, através de lives e mensagens aos eleitores.  O Twitter, de modo particular, é um espaço mais público, onde a informação circula mais livremente (ao contrário do Facebook, onde a informação tende a circular menos porque precisa passar de uma rede social a outra através de compartilhamentos). Além disso, observamos que essas várias plataformas são interconectadas em termos de conteúdo, uma refletindo parte do conteúdo que passa pela outra. Esses dois fatores colocam o Twitter com um laboratório interessante e relevante para observar as estruturas das conversações e da própria campanha eleitoral.

Os resultados que trazemos neste estudo são bastante preocupantes, pois indicam que a polarização política (ou seja, a criação de grupos com características de câmaras de eco, que tendem a circular apenas informações com as quais concordam) pode influenciar fortemente a circulação de desinformação, tornando fértil o espaço para conteúdo enganoso e falso. No nosso estudo, o aumento da polarização foi relacionado ao aumento da circulação de desinformação e de veículos hiperpartidários e o pior, a não circulação dos veículos jornalísticos, que poderiam desmentir a informação falsa. 

Autores e financiadores

Esse trabalho é resultado de um esforço conjunto entre o MIDIARS e o Social Media Lab (Ryerson/Toronto) e foi realizado por Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS) e Anatoliy Gruzd (Social Media Lab/Ryerson University).  É um trabalho que também contou com o financiamento da FAPERGS (Edital de Internacionalização), do CNPq (bolsa de pesquisa)  e da CAPES (Print).