Os discursos de Bolsonaro e Haddad no primeiro e segundo turno      

Por Felipe Soares

 

No próximo domingo, dia 28 de outubro, o Brasil vai definir seu próximo presidente. Com o objetivo de analisar o discurso dos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante o primeiro e o segundo turno, foram coletados todos os tweets e retweets dos dois presidenciáveis nos últimos 34 dias, entre 15 de setembro (quando Haddad criou seu perfil no Twitter) e 25 de outubro.

O que se observa dos dados é que Bolsonaro manteve um discurso centrado no antipetismo e no sentimento de mudança. Haddad mostrou maior variação temática, tendo Lula como figura central no primeiro turno. Já no segundo turno o petista focou a campanha no antagonismo com seu adversário e na defesa da democracia.

As mensagens dos candidatos no Twitter foram separadas por dois períodos: até o dia 7 de outubro, quando ocorreu a votação em primeiro turno; e após esta data, quando começaram as campanhas do segundo turno. O passo seguinte foi realizar uma análise de conteúdo e de co-ocorrência entre os termos mais frequentes nas mensagens. Para visualização desta análise, foram formados quatro redes de conceitos, que serão analisadas da seguinte forma: 1) tweets de Bolsonaro no primeiro turno (237 mensagens); 2) tweets de Bolsonaro no segundo turno (304 mensagens); 3) tweets de Haddad no primeiro turno (448 mensagens); e 4) tweets de Haddad no segundo turno (456 mensagens).

Confira a seguir a análise completa.

 

O discurso de Bolsonaro

Figura 1: rede de conceitos de Bolsonaro no primeiro turno

O antipetismo é uma das bases do discurso de Bolsonaro durante o primeiro turno. “PT” aparece no grupo roxo de conceitos, associado também a termos como “lama”, de mensagens que sugerem que o PT deixou o país na “lama”, “fim” e “mentiras”. Outro termo presente é “corrupção”, que Bolsonaro associa ao PT e se coloca como um candidato não envolvido em esquemas ilícitos. O discurso contrário à esquerda também aparece no grupo verde em que estão os conceitos “esquerda” e “adversários”. Há, ainda, menções a Lula no grupo azul, em que estão os termos “presidiário” e “cadeia”.

Baseado na associação do PT com os problemas do Brasil, inclusive a corrupção, Bolsonaro se lança como o candidato da mudança. Esta ideia aparece no uso de conceitos como “mudar”, bastante central na rede, e “resgatar” (ambos no grupo roxo). Este último também aparece como ideia de resgatar valores importantes para o brasileiro. Dentre estes valores estão entidades como “Deus” e “família”, também bases fortes do discurso de Bolsonaro.

A questão do atentado ao candidato, ocorrido em 6 de setembro, não aparece com muita força na rede. Isto se dá também em função da data inicial de coleta, estabelecida em 15 de setembro, já que antes desta data Haddad não possuía seu Twitter oficial de campanha. Ainda assim, os termos “atentado” e “hospital” aparecem no módulo verde.

O grupo laranja possui alguns conceitos com fortes associações, como pode ser visto pelo tamanho das arestas que os conectam (quanto maiores as arestas, maior a frequência com que os termos aparecem nos mesmos contextos). Os principais são “obrigado”, “forte” e “abraço”. Estas palavras aparecem com muita frequência quando Bolsonaro compartilha mensagens de apoiadores, mostrando também que a reprodução de mensagens de apoio foi uma de suas estratégias durante a campanha.

Outro grupo que possui arestas pesadas entre conceitos é o módulo preto, composto somente por três termos. Dois destes representam mais uma das estratégias utilizada pelo candidato: a realização de transmissões ao vivo (“live”) pelo “Facebook”. Estas ocorriam também em função do estado de saúde do candidato, que estava hospitalizado e não podia realizar campanha nas ruas.

A visualização geral dos termos mais utilizados pelo candidato revela também que Bolsonaro não focou seu discurso em propostas. Sobre temáticas deste tipo, podem ser identificados os termos “economia” e “impostos” no grupo verde água, reforçando as ideias liberais da equipe do candidato. “Segurança” (grupo roxo) também aparece como uma das áreas de foco do candidato.

 

Figura 2: rede de conceitos de Bolsonaro no segundo turno

 

No segundo turno, Bolsonaro centraliza ainda mais o seu discurso no antipetismo. “PT” assume maior centralidade na rede de conceitos em função de sua coocorrência com outros termos em diversos contextos. “PT” segue fortemente associado a “cadeia” e “bandidos”, reforçando a ideia do partido como corrupto e de Haddad como um candidato guiado por Lula, que está preso.

“Violência” que não tinha destaque nos tweets de Bolsonaro durante o primeiro turno passa a assumir posição mais central no segundo turno. Um dos contextos de seu uso é relacionado mais uma vez ao “PT”, que aparece entre as conexões mais fortes do conceito. Isto ocorre porque Bolsonaro argumenta que a violência cresceu durante o período de governo petista, citando inclusive a violência a minorias – as quais o PT historicamente defende. O conceito também aparece em função de ataques violentos associados a apoiadores do candidato, como o assassinato de um mestre de capoeira após o homem declarar que votou no PT. O site #VítimasDaIntolerância também reúne diversas acusações do tipo.

Bolsonaro, por sua vez, se isentou de culpa por atos violentos e afirmou em entrevista que quem foi vítima de violência foi ele próprio: “Esta pergunta não deveria ser invertida? Quem levou a facada foi eu. Um cara lá, que tem uma camisa minha, comete um excesso, o que eu tenho a ver com isso? Eu lamento. Peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões de pessoas que me apoiam. Agora, a violência vem do outro lado, e eu sou uma prova viva disso”. Reafirmando isto também em seu Twitter.

Outro conceito bastante conectado a “PT” é “fake news”. Esta aparece em dois contextos: criticando seus opositores de espalhar informações falsas sobre Bolsonaro; e desmerecendo as acusações apresentadas em reportagem da Folha de S. Paulo de uso de caixa 2 para espalhar mensagens de ataque ao PT via whatsapp, ironizando inclusive adversários (como o próprio “PT” e também o “PSOL”, no grupo laranja) por reproduzirem a informação. O termo “mentiras” (módulo laranja) também aparece algumas vezes neste contexto.

Termos como “abraço”, utilizado em compartilhamentos de mensagens de apoiadores, e “Facebook”, plataforma utilizada também para campanha e transmissões ao vivo, voltam a aparecer. Da mesma forma, “Deus” e “família”, entidades defendidas por Bolsonaro continuam a receber destaque no seu discurso.

Novamente propostas de governo não recebem destaque nas mensagens de Bolsonaro. O termo “saúde” se refere a saúde do próprio candidato, que foi reavaliado em função de sua recuperação durante o segundo turno. Além de “economia”, agora aparece também “educação”. Já os temas sobre segurança perdem destaque.

 

O discurso de Haddad

Figura 3: rede de conceitos de Haddad no primeiro turno

 

No primeiro turno, a estratégia discursiva de Haddad foi associar seu nome a Lula, ex-presidente pelo PT. Isto fica claro por dois motivos: 1) o conceito “Lula” é bastante central na rede, é o segundo termo que aparece em mais contextos (atrás apenas de “Brasil” – “Haddad” é o sexto); e 2) a conexão entre “Haddad” e “Lula” é a mais forte da rede, o que indica que foram os termos que mais apareceram em coocorrência. Há também forte conexão entre “Lula” e “presidente” – por exemplo, “presidente” aparece associado a “Lula” quase duas vezes mais que a “Haddad”. Isto ocorre porque este sempre menciona aquele como “presidente Lula”.

Haddad também menciona sua vice, “Manuela” D’Ávila – este tipo de menção não ocorre nas mensagens de Bolsonaro (que não cita seu vice). As referências Manuela, porém, ocorrem em contextos pouco variados, sendo mais frequentes em algum tipo de atividade de campanha, por isto a associação com os termos “caminhada” e “ato”, todos no módulo laranja.

Diferentemente do que ocorre com Bolsonaro, um dos focos do discurso de Haddad são os projetos de governo. Estes aparecem principalmente em termos presentes no grupo rosa e com especial atenção a “educação” (também associada com “prouni” e “universidades”) e “empregos” (associado ainda com “trabalho” e “trabalhador”). Haddad ainda toca em temas como “economia” e “direitos”, presentes no módulo verde.

Associado aos projetos de governo de Haddad e seu plano para o Brasil está o termo “retomar”, que auxilia a compreender o tipo de discurso proposto pelo candidato. A base de sua ideia está em retomar o crescimento do Brasil, aproximando esta retomada com ênfase nos dois mandatos de Lula e também aos programas sociais desenvolvidos pelo PT.

O fundamento da “democracia” também está bastante enraizado no discurso do petista. A defesa da democracia aparece como uma temática em diversos contextos e é usada como um valor básico das propostas e do ideal de país apresentados por Haddad. Além disso, no discurso, Bolsonaro é apresentado como um candidato contrário aos fundamentos democráticos.

Aparecem ainda na rede, no módulo azul, os termos “fake” (news – notícias falsas), “mentiras” e “denuncie”. Estes conceitos estão conectados na rede porque Haddad menciona informações falsas que estavam sendo produzidas durante a campanha e incentiva seus seguidores a denunciar este tipo de prática.

Figura 4: rede de conceitos de Haddad no segundo turno

 

O discurso de Haddad muda bastante seu foco no segundo turno. “Bolsonaro”, também muitas vezes mencionado como “adversário” passa a ser uma figura central nas mensagens. Um dos pontos frequentemente mencionados por Haddad foi a decisão de Bolsonaro de não participar de “debate” durante o segundo turno. Estes dois termos possuem a conexão mais forte da rede, o que mostra que são os dois termos mais utilizados em conjunto.

“Bolsonaro” e “adversário” também estão associados a “mentiras” e “whatsapp”. Haddad acusa Bolsonaro de construir sua campanha com base em mentiras sobre o petista vinculadas via whatsapp. Haddad cita, inclusive, fontes de veículos jornalísticos para realizar esta crítica, como a própria reportagem da Folha de S. Paulo anteriormente mencionada.

“Adversário” também aparece associado a “ditadura”, o que leva a outro argumento central de Haddad no segundo turno: a “defesa” da “democracia” (ambos no grupo verde escuro). Estes termos possuem a segunda conexão mais forte da rede. “Democracia” também está entre os termos mais mencionados por Haddad em seus tweets e é o quinto que aparece em mais contextos na rede. A indicação de Bolsonaro como um candidato antidemocrático, já presente no discurso de Haddad no primeiro turno, é intensificada. Desta forma, o candidato se constrói como a alternativa democrática no pleito. “Democracia” também aparece associada a valores como “liberdade” e “diálogo” no módulo verde escuro.

O foco em uma candidatura do campo democrático retira a figura de “Lula” do papel central que possuía no primeiro turno. Além do núcleo argumentativo na democracia, Haddad também assume um papel mais central como o candidato que representa este campo. O termo “presidente”, por exemplo, agora está fortemente associado ao candidato. Haddad também se preocupa mais em construir a si mesmo como candidato, apresentando-se como “professor”, inclusive em mensagem no Dia dos Professores. Até mesmo o logo de campanha muda do primeiro para o segundo turno (imagens abaixo).

 

Figuras 5 e 6: logos de Haddad no primeiro e segundo turno

 

Por fim, Haddad segue utilizando o Twitter para apresentar seus projetos de governo para áreas como: “educação”, “segurança”, “economia”, “emprego” (“trabalho”), além de mencionar “direitos” relacionados a estas e outras áreas. Estes termos formam o grupo roxo, que tem como principais conceitos “propostas” e “projeto”. Neste grupo aparece ainda “violência” que está principalmente associada a violência de militantes de Bolsonaro, em atos de violência física e em estratégias violentas (também discursivamente) por eles apoiadas.

 

Análise geral

Bolsonaro mantém uma mesma estratégia principal ao longo da campanha: o antipetismo. Este já está presente em suas mensagens no primeiro turno e é ainda mais forte durante o segundo turno. O candidato associa os problemas brasileiros, em especial a corrupção, ao partido e se apresenta como a via da mudança para isto.

No segundo turno, o discurso de Bolsonaro acaba tocando também em outros temas. Um deles é associado a fake news, em função da reportagem da Folha de S. Paulo que o acusa de ter utilizado caixa 2 para espalhar informações falsas sobre o PT. Bolsonaro desmerece a publicação e ainda acusa seus adversários de espalhar fake news sobre ele. Da mesma forma, “violência”, em decorrência de diversos atos violentos após o dia 7 de outubro, aparece nas mensagens de Bolsonaro no segundo turno. O candidato, porém, se exime de qualquer responsabilidade por estes atos.

Haddad, ao contrário de Bolsonaro, tem estratégias distintas no primeiro e segundo turno. Enquanto no primeiro turno associa fortemente sua imagem a Lula, no segundo turno Bolsonaro passa a ser central como um personagem antagônico. Neste cenário a defesa da democracia também entra como um argumento central no discurso de Haddad, que se estabelece de forma mais central como candidato e chama todo o campo democrático para demonstrar apoio a sua candidatura, já que a constrói como a única via democrática no pleito.

Haddad também dá destaque para suas propostas e seu plano de governo – ao contrário do que faz Bolsonaro. Este poucas vezes menciona propostas e quando o faz se resume a poucos temas, como economia e educação. Já Haddad mantém parte de suas mensagens focadas em apresentar projetos para diversas áreas, como educação, segurança, economia, emprego e ainda na defesa de direitos.

De forma geral, Bolsonaro é monotemático, focando principalmente no antipetismo. Haddad tem variações em seu discurso, destacando em suas mensagens o apoio de Lula, a defesa pela democracia, o antagonismo de Bolsonaro e ainda suas propostas de governo. Enquanto Bolsonaro se move pela ideia da mudança, Haddad destaca a retomada do crescimento, associando-o principalmente a gestão de Lula durante o primeiro turno e a defesa da democracia no segundo.

É importante mencionar que o Twitter é apenas um dos meios de campanha dos candidatos. Outros espaços e comunicação e mesmo as campanhas por meio de militâncias também tomam parte central nos significados explorados pelos candidatos durante o período eleitoral. Ainda assim, o discurso institucionalizado dos candidatos no Twitter permite vislumbrar algumas das principais características de suas campanhas.

 

Coleta e análise

Os tweets foram coletados diretamente dos perfis dos candidatos com o auxílio do plug-in Web Data Research Assistant. A análise de conteúdo e contingência foi realizada por meio do site Textometrica. A visualização dos grafos foi feita no Gephi. Foram utilizadas duas métricas para a análise: 1) grau (representado pelo tamanho dos nós), que identifica as vezes que um conceito aparece associado a outros nas mensagens analisadas (quanto maiores os nós, em mais contextos os conceitos aparecem); 2) modularidade (representada pela cor dos grupos), que facilita na identificação de conceitos que aparecem mais frequentemente em um mesmo contexto.