Por Natália Flores
À frente de inúmeras pesquisas sobre vigilância de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e promoção da saúde – com atuação, durante doze anos no Ministério da Saúde, a pesquisadora Deborah Malta, da UFMG, acredita que o Estado tem um papel fundamental no combate às doenças crônicas. Em 2011, ela coordenou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DNCTs) (2011-2022), ajudando a estabelecer seus eixos de vigilância, promoção da saúde e assistência. Nesta entrevista, Deborah conta como enxerga os avanços e retrocessos das políticas públicas em relação ao tema — e o que espera do próximo plano, que está com a consulta pública aberta até o dia 30 de novembro.
1. É possível fazer um balanço de onde avançamos e de onde retrocedemos com relação às políticas públicas de saúde de enfrentamento às DCNTs nos últimos anos?
DM – Foram muitos avanços em relação a essas políticas, principalmente nos primeiros anos do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNTs. O tema das doenças crônicas entrou, de fato, na agenda política brasileira, e passou a ser prioridade de diversos ministérios em 2011. Diversas iniciativas importantes foram tomadas para prevenir o sedentarismo e o consumo de álcool, tabaco e alimentação inadequada.
Em relação ao tabaco, por exemplo, destaca-se a sanção da lei dos ambientes livres, em 2011, e de uma série de portarias, em 2014, Decreto Presidencial de ambientes livres do tabaco, proibiu fumar em recintos coletivos fechados, aumentou os espaços de advertência das embalagens, e aumentos preços e impostos sobre esses produtos. Essas medidas foram acompanhadas de várias medidas regulatórias da Anvisa. Em relação à alimentação saudável, destaca-se legislação que determina que 30% dos alimentos comprados pelo poder público para creches e escolas deveriam ser de alimentos frescos e saudáveis, comprados da agricultura familiar, e o Guia da Alimentação Saudável, de 2014. O Guia orienta a alimentação saudável, o uso de alimentos naturais e minimamente processados e destaca os riscos dos alimentos ultraprocessados e industrializados, com elevado teor de sal, gordura e açúcar. . Na área da vigilância, muitas pesquisas foram feitas sobre prevalência desses hábitos na população, que possibilitaram monitorar as metas do plano, seu alcance ou não.
A partir de 2015, esse cenário começa a mudar, em função da crise econômica e também da falta politicas regulatórias do estado. Ocorreu um afrouxamento das políticas públicas de promoção à saúde e regulação de produtos nocivos. Há cerca de quatro anos não ocorrem aumentos nos preços e impostos do tabaco, por exemplo. Também ocorreu um retrocesso na fiscalização dos ambientes livres de tabaco. O governo não tem cumprido seu papel regulatório, o que é central para o controle das doenças crônicas. As iniciativas regulatórias de alimentos ultraprocessados, tabaco e álcool encontraram pouco espaço nestes últimos anos, mostrando que o combate às doenças crônicas não tem sido um compromisso na agenda governamental.
2. Como você avalia o atual estado das DCNTs no Brasil?
DM – Dados da Pesquisa Vigitel, inquérito telefônico, apontaram problemas nos principais indicadores de fatores de risco para DCNTs. Por exemplo, a prevalência do consumo de tabaco tendeu a estabilizar a partir de 2015-2016. A partir de 2016, também houve uma redução no consumo de frutas, verduras e legumes e na prática de atividades físicas, ao mesmo tempo em que houve um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados. O consumo de álcool também teve importante aumento nos últimos anos, principalmente entre as mulheres, segundo mostram os dados do Vigitel de 2019, além do aumento importante do excesso de peso, obesidade, diabetes. Em relação às doenças crônicas, a partir de 2015, ocorreu uma tendência de estabilidade dos indicadores de mortalidade, ou até de inversão, principalmente
das doenças cardiovasculares. Estudos tem apontado, que fatores desigualdade, aumento da pobreza e politicas de austeridade resultaram na piora deste indicadores. Em 2020, com a pandemia, estas tendências tendem a piorar, com aumento das DCNT e piora dos estilos de vida. Em resumo, não temos um cenário muito promissor para o futuro.
3. Qual o papel do Estado no combate às DCNTs?
DM – O estado tem um papel central no enfrentamento às doenças crônicas, formulando políticas regulatórias para frear o consumo de produtos nocivos, como o tabaco, o álcool e os alimentos ultraprocessados, e, também, medidas que estimulem a alimentação saudável. No caso do consumo de frutas, verduras e legumes, são necessárias medidas que estimulem o fomento da produção, fomento e apoio a agricultura familiar. Em relação aos alimentos ultraprocessados, torna-se necessário implantar medidas regulatórias, como a taxação desses produtos.
4. Em artigo, você cita as ações intersetoriais como uma alternativa interessante para enfrentar as doenças crônicas. O que seriam essas ações?
DM – Ações intersetoriais envolvem outros setores além do campo da saúde. Estudos apontam que o enfrentamento das doenças crônicas deve ser feito em parceria com outros setores. Torna-se necessário o apoio e recursos de outros setores, como economia, agricultura, defesa. Um exemplo é a promoção da alimentação saudável, que articula ações dos Ministérios da Economia, da Agricultura, merenda escolar (Educação), entre outros. Além de definição de que 30% de compra de merendas escolares deve de produtos frescos e saudáveis, esta medida apoia a economia local, e também torna necessário o suporte técnico, para que os pequenos agricultores possam diversificar a sua produção. Esse tipo de parceria exemplifica a intersetorialidade e nos da a dimensão da importância de ações conjuntas no enfrentamento das doenças crônicas.
5. Qual a importância do Plano de Ações Estratégicas de Enfrentamento às DCNTs para os próximos dez anos?
DM – Esse plano traz uma oportunidade de estender os compromissos e renovar a agenda de combate às DCNTs, expandindo algumas frentes. Ele inclui, por exemplo, as violências – violência de trânsito, etc. – e outros fatores de risco para DCNTs incluídos na agenda da Organização Mundial de Saúde nos últimos anos, como a poluição do ar, bem como o tema das doenças mentais. É preciso que as instituições façam um esforço grande em participar da consulta pública, contribuindo e fortalecendo essa agenda, para que não caia no esquecimento.