A construção coletiva da lista brasileira de multimorbidade

Por Natália Flores

Em 2019, os pesquisadores do GBEM iniciaram um esforço para elaborar a Lista Brasileira de Multimorbidade (LBM), capaz de reunir doenças e condições crônicas mais comuns nestes quadros. A lista pode representar um avanço para as pesquisas da área ao padronizar o que se entende por multimorbidade. O relatório da primeira rodada da pesquisa pode ser conferido aqui. Nesta entrevista, a pesquisadora Doralice Severo da Cruz, uma das coordenadoras do grupo que está à frente da iniciativa, nos falou sobre o processo de elaboração da LBM.

1. Qual a importância de uma lista de multimorbidade?

DC – A LBM vai nos ajudar a alcançar uma maior padronização entre os estudos sobre o tema, principalmente os estudos epidemiológicos. Os estudos utilizam um número de doenças muito diverso. Alguns incluem dez doenças em sua lista, outros incluem sessenta doenças e por aí vai. O que a gente busca para o Brasil é uma padronização forte pactuada entre todos e construída a muitas mãos. 

2. Como se deu o processo de elaboração da lista? Quais foram as etapas cumpridas?

DC – A primeira etapa para elaboração da lista envolveu reuniões entre os coordenadores do GBEM, em que definimos como o processo iria ser desenvolvido e a metodologia que iríamos utilizar. Num segundo momento, fizemos uma oficina durante o 15º Congresso Brasileiro de Família e Comunidade, em julho de 2019 para pensar coletivamente a lista. Desse encontro já saíram algumas definições, como o tipo de condição ou doença que iríamos considerar, a necessidade de consultar a literatura e especialistas da área. 

A partir daí, por meio de pesquisa no diretório do CNPq e na literatura, chegamos a 77 especialistas que trabalham com multimorbidade e fizemos um convite para participarem da formulação da lista. Vinte seis responderam e fizeram parte da primeira rodada da nossa pesquisa, junto com mais quatro especialistas indicados por eles. Em abril de 2020, mandamos um questionário com 60 questões para esses especialistas – e já temos os resultados registrados (eles podem ser conferidos aqui). A segunda rodada da construção da lista começou em 26 de agosto e estamos aguardando as respostas dos participantes.

3. Você pode explicar como foi construído o questionário da primeira rodada?

DC – O questionário tinha 60 perguntas sobre concordância ou discordância em relação à inclusão de tal doença na lista de multimorbidade. O método que utilizamos é o DELPHI, que coleta e sistematiza opinião dos especialistas. Quanto mais alta a pontuação que a pergunta recebeu (1- discorda totalmente; 10- concorda totalmente), maior o grau de concordância do especialista para que a doença faça parte da Lista Brasileira de Multimorbidade.  Desta forma, se 70% dos especialistas concordam com a permanência ou retirada da doença da LBM, chegamos ao consenso.

4. Quais foram os resultados desta primeira rodada?

DC – No primeiro questionário, houve consenso para que sete doenças não entrassem na lista. Vinte e três já foram consensuadas e incluídas na LBM na primeira rodada. Restaram, ainda, 31 doenças para decidirmos nas próximas rodadas da pesquisa.

5. Quais os maiores desafios durante o processo de construção da lista?

DC – O maior desafio é conseguir juntar os especialistas para refletir sobre a LBM. As pessoas têm uma agenda intensa de trabalho e às vezes têm dificuldade de parar suas atividades para se concentrarem nesta tarefa. Outro desafio foi pensar sobre quais doenças iríamos colocar na lista, qual a justificativa para elas serem inseridas. 

6. Na sua avaliação, quais os pontos fortes da LBM? O que ainda precisa ser melhorado?

DC – O ponto forte da lista é ser um consenso entre pesquisadores do campo da multimorbidade. Também conseguimos uma diversidade grande de pesquisadores respondentes. São professores, pesquisadores, estudantes e profissionais de saúde de vários campos: enfermagem, nutrição, medicina, farmácia, economia. Eles estão em vários lugares do sistema de saúde e na academia, o que traz uma riqueza para a lista. 

Sobre o que pode ser melhorado, acho que valia uma reflexão sobre a inserção de doenças bucais – cárie, doenças periodontais -, doenças crônicas que prejudicam a saúde geral, o que precisa ser pensado nestas próximas rodadas.

7. Quais são os próximos passos deste processo?

DC – Vamos fazer a análise e descrição dos resultados da segunda rodada. Se conseguirmos consenso sobre as doenças, já passamos para a publicação do trabalho. Se ainda tivermos doenças sem consenso entre os especialistas, passamos para uma terceira rodada de questionário.