Por Natália Flores
De 2015 a 2018, a médica Karina Barros Calife Batista coordenou a equipe responsável pelo projeto de construção do um conjunto de protocolos da atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS), realizados a partir de uma parceria entre o Ministério da Saúde e o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês. Após meses de trabalho, eles produziram e ajudaram a implementar quatro protocolos – Saúde das Mulheres, Saúde da Criança, Risco Cardiovascular/Doenças Crônicas Não Transmissíveis e Dor Crônica, com fases de validação e treinamento de profissionais para o seu uso. Nesta entrevista, Karina nos conta como foi essa experiência que tentou trazer evidências científicas para o centro dos atendimentos em saúde.
1. Nos fale sobre o processo de desenvolvimento dos protocolos.
KB- A produção contou com uma metodologia inovadora, desenvolvida a partir de pequenos grupos de trabalho, com 10 profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) com reconhecimento acadêmico em sua área de atuação das várias regiões do país. Os protocolos foram desenvolvidos a partir de oito oficinas mensais, com encontros presencias de três dias, que aconteceram nas dependências do IEP/ Sírio Libanês. As etapas incluíram momentos de validação interna e externa, com participantes de várias universidades do Brasil e posteriormente em processos de consulta pública. Foram produzidos quatro protocolos (Saúde das Mulheres, Saúde da Criança, Risco Cardiovascular/Doenças Crônicas Não Transmissíveis e de Dor Crônica). A partir desse momento, foram realizados dois cursos de atualização, com um processo de singularização dos protocolos e formação dos profissionais para seu uso. Foi realizada formação e escuta de 440 profissionais de saúde atuantes em 20 municípios de todas as regiões do Brasil.
2. Quais foram os maiores desafios enfrentados no projeto de construção dos protocolos de atenção básica do SUS?
KB- Um dos maiores desafios de protocolos de abrangência nacional é chegar nas realidades locais, de serem adaptados para serviços de saúde de pequenos municípios, por exemplo. Num país com o tamanho do Brasil, em que a realidade de atendimento à saúde de uma cidade do Amazonas é bem diferente da realidade de uma cidade gaúcha ou do nordeste brasileiro, essa questão da utilidade do protocolo se torna algo extremamente importante. É o que chamamos de singularização. Fizemos vários encontros de discussão dos protocolos – com profissionais de saúde dos 20 municípios participantes para singularizar e qualificar os nossos protocolos, de acordo com as necessidades de cada município ou região.
3. Qual a inovação destes protocolos?
KB- Esse foi um conjunto de protocolos que tinha como intenção levar as melhores e mais atuais evidências aos profissionais de saúde da atenção básica das várias regiões do país e que estas pudessem ser acessadas rapidamente, qualificando assim, o cuidado ofertado aos usuários do SUS. A principal inovação foi formular um material de fácil acesso aos profissionais de saúde. Eles foram construídos a partir dos motivos mais frequentes que levam as pessoas a buscar os serviços de saúde. A abordagem centrada na pessoa, o empoderamento do usuário, a coordenação do cuidado, a promoção da saúde, a clínica ampliada e a prevenção quaternária entram como eixos importantes.
Os protocolos são baseados nas mais recentes evidências, ou seja, não partem apenas da experiência individual de um médico especialista. Com eles, o usuário que acessa o atendimento à saúde tem à disposição o tratamento mais eficaz e seguro segundo a literatura científica da área.
4. Que benefícios os protocolos trazem para o atendimento em saúde?
KB- Os protocolos conduzem a ação dos profissionais de saúde no atendimento aos pacientes. A partir deles, a equipe multidisciplinar pode saber quais as ações mais eficientes e quem pode realizá-las. Por exemplo, médicos podem saber que tipo de medicamento e tratamento tem melhor resultado em determinada situação, a partir das melhores evidências técnicas e científicas.
5. O que é preciso levar em conta na hora de se construir um protocolo de saúde?
KB- É importante prever o uso que se vai fazer do protocolo, fazer com que ele tenha sentido para o profissional de saúde que está na ponta. Não adianta a equipe responsável indicar no protocolo que o melhor tratamento para avaliar a saúde da mulher exige fazer um diagnóstico ou exames usando um aparelho que é inacessível em municípios menores. É preciso ter um olhar apurado para o local, para a situação e os recursos disponíveis do sistema de atendimento à saúde, sem deixar de considerar as melhores evidências para tal.
6. Os protocolos passam por diversas fases até sua implantação. Qual fase você considera mais desafiadora?
KB- Uma fase bastante desafiadora é a da articulação com a gestão local dos municípios. São os secretários municipais de saúde e profissionais envolvidos, que vão ser os grandes responsáveis pela implantação dos protocolos e pelo sucesso dessa ferramenta na prática, a partir das realidades locais e dos encontros entre usuários, gestores, profissionais de saúde e das universidades na região. É levar em conta a micropolítica do cuidado em saúde. Tivemos experiências muito interessantes, neste sentido, de municípios que implantaram os protocolos singularizados a partir das suas necessidades, editaram portarias específicas sobre os protocolos de saúde de atenção básica, assumindo-os como referência para o próprio município. Esse é o caso de Jaboatão, no Recife. Indaiatuba em São Paulo, Sobral no Ceará e Salvador, na Bahia.