Trabalho

Memórias operárias

“A pedra não podia ser colocada em cima do trilho nem naquelas frestinhas que ficam entre um trilho e outro, porque senão descarrilha o trem e dá acidente”. Erlice Santhes

Esse conjunto de imagens foi produzido em um esforço coletivo de pesquisa do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em Antropologia da Imagem e do Som (LEPPAIS/UFPel), ao longo ano de 2015. A investigação mergulhou nas memórias ferroviárias de trabalhadores, trabalhadoras e suas famílias, muitas das quais residiam nas proximidades da via férrea. O levantamento combinou fotografias dos acervos pessoais dessas pessoas com a pesquisa em hemerotecas e documentações oficiais da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). O projeto destaca a importância da das memórias operárias de uma população trabalhadora que acompanhou o processo de desestatização da RFFSA, que em seu auge contava com 150 mil funcionários, e o consequente abandono da matriz de transporte ferroviário no Brasil. São valorizados os esforços desses sujeitos de fazerem durar no tempo a memória de uma comunidade de trabalho e de sua identidade profissional, ativada na elaboração coletiva de projetos de memória, evidentes nos atos de guardar fotografias e documentos, narrar histórias, organizar exposições e nas mais diversas expressões da resiliência cotidiana durante a aposentadoria. A memória dos ferroviários e ferroviárias é mantida por seus herdeiros e familiares como um patrimônio inestimável.

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Trechos Narrativos

Moacir Avila – Em 1964, quando houve o Golpe Militar, a ferrovia passava por uma situação muito difícil, material rodante de péssimas condições, vagões caindo aos pedaços, locomotivas apresentado defeitos de toda a ordem. O traçado de linha era o pior possível, acontecia um acidente atrás do outro, inclusive muitos deles até sacrificando vidas.

Moacir Avila – Muitos colegas meus ferroviários deixaram marcado uma cruz, ao longo da linha, pela precariedade de engenharia que o material apresentava.

Mozart Santos MedeirosLá em Herval, em 1987, deu 31 acidentes dentro de um mês. Tombava dez, quinze vagões, maquina, tombava tudo. A gente trabalha dois, três dias. Duas, três noite, pra depois se alimentar. Não era fácil.

Gildo Oteiro – Lida pesada, lida bruta mesmo. Cavava com picareta pra abrir os buracos pra colocar os dormente e socava a terra, com um ferro, pra fixar. (…) Chegava o fim do  dia, cara tava desfeito de cansado, não era qualquer um que aguentava.

Orlando (Nando) Chagas – Eu vinha vindo, dentro de um(…)baita túnel, eu achei fantástico aquele túnel, no meio daquele monte de pedra, que a natureza criou, chegava a dar sono na gente o barulho da máquina. De repente, tu sai do túnel, vê um viaduto, aquela altura e máquina balançado sem lado, só os trilhos (…) tu via as parabólicas das casas lá em baixo, quase 60 metros de altura. Quando vê tu dobra, e entra numa rocha, preta de tanta fumaça (…) Essa foi a paisagem mais linda que eu pude ver, não tem como explicar, só vendo.

Luís Carlos “Luisão”  – O ferroviário era solidário. Fazia o que a gente chamava de empanar. Juntava as panelas, na hora do almoço, pegava um pouco de massa de um, de carne de outro.

Rubem Medeiros – Tinha um fio assim e um cabo, a mesma coisa que um martelo. Eu tava pegando assim e o cara errou do ferro e deu em cima da minha mão. Eu desmaiei(…), se pegasse a mão firme, esmagava minha mão.  E era no mato, não tinha recurso, estancaram com o que tinha. Eu vim direto pra Pelotas. Primeiro trem me botaram em cima (…). O médico da Rede, que cuidava dos feridos, que me atendeu.

 

Neida dos Santos Padilha – Agente de Estação (licenciamento de trem)

“O Manobrador fazia com que o trem mudasse de uma linha para a outra. Podia acontecer do último trem passar, tinha que contar até o último vagão que passava, o último vagão tinha o sinal de calda. Quando o trem passava tinha que tá aquela bandeirinha, se não tivesse o sinal de calda, sinal que ele tinha perdido o último vagão e não podia vir o próximo trem.”

 “Eu fui fazer o concurso e a inscrição era em Rio Grande. Não era aqui  em Pelotas. Eu lembro que eu cheguei lá e eles assustavam muito as mulheres. ‘Ah, a senhora vai querer? A senhora sabia que a senhora pode ir numa estação que só tem a estação. E pode ser uma estação pequena?’”

“Eu não conheci mulheres que eram Tuco. Mulher era mais Agente de Estação, no licenciamento do trem.”

 “Depois eu fui pro escritório. Em 1997, eu fui uma das últimas pessoas a sair. Primeiro eles começaram a incentivar as pessoas que já tinham tempo de se aposentar, isso foi no governo Fernando Henrique, porque eles iam privatizar. Eu fui uma das últimas pessoas a sair, porque eu fazia fazia o cálculo de horas(…).”

Quando caiu as máquinas na ponte, não sei se já te falaram deste acidente, não me lembro que ano foi. Eu trabalhava na Via Permanente, já no escritório. Quando a gente viu, chegou aquela notícia: caiu o trem no canal São Gonçalo! Foi uma loucura aquilo. Era aquele corre, tu sabia dos colegas que estariam [no trem] Foi bem movimentado. O pessoal da Via Permanente eles trabalharam direto, dia e noite. No acidente, para tirar as máquinas, a função dos trilhos. Tu imaginas a quantidade de horas que eles fizeram. Aquelas horas todas foram calculadas pela Neida. Da Via Permanente era uma turma em Rio Grande, uma turma em Povo Novo, uma em Pedro Osório, uma outra em passodos pires e outra em Bagé. Uma força tarefa. Mas eu fazia o ponto de Pedro Osório pra cá, dava mais de cem homens, para calcular (Neida dos Santos Padilha, 04/11/2016).